ARMÍNIO FOI CALVINISTA OU REFORMADO?


Categoria: Acervo
Imagem: Jacó Armínio - Revista Clube de Sabedoria
Publicado: 11 de Julho de 2016, Segunda Feira, 21h37

A origem do problema? A ação de alguns que transformaram o termo reformado em sinônimo de calvinismo. A (s) consequência (s): Os termos tratados como iguais atrapalham no estudo (1) do passado e (2) do presente. A solução: não tratar reformado e calvinismo como sinônimos.

Reformado no contexto de Armínio
A melhor definição para Armínio é reformado e não calvinista. O fato de hoje alguns, em especial os calvinistas[1], terem equiparado o termo reformado ao calvinismo, não muda o fato de que reformado e calvinista são coisas diferentes, principalmente quando se discute a teologia de Armínio, afinal, Armínio e muitos outros teólogos eram reformados sem serem calvinistas. Vejamos, por exemplo, o que Bangs, principal biógrafo de Armínio, diz acerca dos primeiros reformados holandeses:

Os primeiros reformadores holandeses não parecem ser, de forma alguma, calvinistas. Eles surgem do solo, aqui e ali, alimentados pela antiga piedade bíblica holandesa, não dominados pelas percepções dogmáticas, mas constantemente estimulando o povo em direção a uma purificada vida de fé de acordo com a Escritura. Um padre em Garderen, em Veluwe, começou a pregar a Reforma em sua igreja. Ele foi forçado a desmentir o que havia pregado e foi enviado a Louvain. Ele fugiu para Marburgo, mas os protestantes não tinham certeza se podiam confiar nele. Ele escreveu sua confissão, Melâncton gostou dela, e ela foi publicada como “O Manual do Leigo”, e, juntamente com a obra “Decades” de Bullinger, ela se tornou um dos principais meios de instruir o povo holandês em sua nova fé. Isso foi em 1555, antes do nascimento de Armínio[2]. (Grifos meus)

A origem do termo reformado como sinônimo de calvinista também é retratada por Bangs:

A trama se complica quando o clero calvinista e seu povo fogem das províncias do sul para o norte, expulsos pela Espanha e pelos católicos. Esses calvinistas trouxeram com eles sua energia, seu dinheiro, seus talentos, suas conexões de comércio, e um novo estilo de calvinismo, meticuloso e intolerante. Então, conforme o historiador remonstrante Caspar Brandt disse, o termo “reformado” veio a ter dois significados, um para os antigos holandeses, outro para os novos pregadores. Mas isso é adiantar a história[3]. (Grifos meus)

Vemos então, que até os calvinistas trazerem seu “novo estilo de calvinismo meticuloso e intolerante”, a Holanda era reformada sem ser calvinista. Bangs ainda chama tais pessoas como os “Armínios antes de Armínio”[4]. O desconhecimento do contexto reformado holandês é um dos fatores que gera essa confusão. Armínio está inserido na tradição dos “antigos holandeses” que foram reformados sem ser necessariamente calvinistas.

Utilizar uma nova “definição” do termo – quer você concorde ou não com essa definição – não muda o fato de que na época e no contexto de vida de Armínio os termos reformado e calvinista eram diferentes, portanto, utilizar “calvinista” para Armínio é cometer o erro de anacronismo, isto é, atribuir a uma época (época de Armínio) ou a um personagem (Armínio) ideias ou conceitos de outra época (o novo significado de reformado que hoje equipara reformado a calvinismo). A maior parte dos teólogos trata reformado como algo diferente de calvinismo.

Vejamos por exemplo o que Keith Stanglin, especialista em Armínio e arminianismo, diz em sua obra Jacó Armínio – Teólogo da Graça[5]:

“Calvinista” e “Reformado” são termos difíceis de lidar. Conforme a maioria dos eruditos, nós entendemos “calvinismo” como um termo mais limitado que “Reformado” e um rótulo que é impreciso no sentido que a maioria dos teólogos não estavam autoconscientes de praticar uma devoção servil à teologia de Calvino. “Reformado” é um termo mais adequado para a tradição mais ampla da qual Calvino fez parte[6]. (Grifos meus)

Não é incomum se ouvir que “calvinismo é muito mais que os 5 pontos”. Quando alguns afirmam isso, o que muitos deles têm em mente, na verdade, é mais precisamente o termo reformado, logo, o melhor a se fazer é utilizar o termo reformado no lugar de calvinismo e acabar com as confusões terminológicas, ou pelo menos amenizá-las.

O debate acadêmico contemporâneo gira em torno de se Armínio foi reformado ou de quão reformado ele foi, ou seja, em quais pontos ele foi reformado e em quais pontos ele não foi. Existe eruditos arminianos que defendem que Armínio foi reformado, dentre estes, por exemplo, estão os estudiosos Carl. O. Bangs, Matthew Pinson. Hicks, Roger Olson, F. Stuart Clarke, William G. Witt, William den Boer, G. J. Hoerdendaal, Ellis, Mortimer e Pinson, que tem um artigo em que defende a teologia reformada de Armínio[7]. Dentre os eruditos que defendem que Armínio não foi “estritamente” reformado estão Keith Stanglin, Thomas McCall, e Richard Muller, erudito calvinista que foi professor de Stanglin.

O que faz com que Armínio seja ou não reformado? Bem, isso depende de como o termo reformado é entendido por cada estudioso, ou seja, dependendo do significado e nuances que cada erudito atribui ao termo. Desta forma, vemos que nem mesmo o termo reformado é entendido e classificado de maneira unânime. Roger Olson gastou um capítulo inteiro de uma de suas obras para tratar de alguns aspectos dessa questão terminológica[8].

Uma pergunta que pode ser feita para explicitar a questão é: Se não existe consenso acadêmico se Armínio foi ou não reformado, e reformado é, como vimos nas definições acima, um termo mais abrangente que calvinismo, como poderia Armínio ser calvinista, uma vez que calvinista é um termo ainda mais restrito que reformado?

Carl Bangs, Richard Muller, Matthew Pinson, Keith Stanglin, Thomas McCall e F. Leroy Forlines, por exemplo, são nomes de alguns eruditos envolvidos no debate se Armínio foi ou não “reformado”. Estes são alguns dos principais nomes dos especialistas em Armínio e arminianismo no mundo. Estou citando algumas das maiores autoridades contemporâneas sobre a questão, mas observem bem, não existe um debate acadêmico para saber se Armínio foi ou não calvinista!

Outro fator interessante a ser notado é o número de artigos em que se a teologia de Armínio é apresentada como Arminianismo Reformado ou Arminianismo da Reforma, e aqueles que, evitando o debate se Armínio foi ou não reformado, usam termos como Arminianismo Clássico, que é um termo que mostra um arminianismo com muitos pontos em comum com a teologia reformada, mas se Armínio foi calvinista, seria normal e comum então ter artigos ou livros tratando do “arminianismo calvinista”, que, na verdade, é a velha história do “calminiano”, mito já desmontado por Olson[9].

Reformado no contexto atual
Equiparar o termo reformado a calvinismo também cria um problema para nossa fase atual, pois existem calvinistas que não são reformados, ou seja, apenas para citar um exemplo, a teologia do pacto é uma característica dos reformados, mas tal não é adotada – pelo menos não de maneira clara e direta – por John Piper[10], considerado hoje um dos principais ou principal porta-voz do calvinismo no mundo. Piper, como batista, por exemplo, também não batiza infantes, que é outra característica dos “reformados”, logo, essa equiparação de termos entre reformado e calvinista, colocaria Piper, por exemplo, fora do campo reformado. Por quê? Por que alguns insistem em uma equiparação de termos, como se os movimentos ou as posições de denominações e líderes fossem homogêneas, mas a questão é que “na vida real” as coisas são bem diferentes.

Um dos principais e mais renomados sites reformados (Heildblog) diz que se o Piper e outros líderes do movimento “Jovem, incansável e Reformado” se inscrevessem para serem aceitos no Sínodo de Dort, os Sínodos Franceses ou a Assembleia de Westminster, eles não seriam aceitos, e acrescenta: “não seriam aceitos categoricamente!”. Mas vejamos o que o autor do blog diz:

… se Piper ou vários outros dos líderes do JIR (Jovem, Incansável e Reformado) tivessem entrado com pedido para serem admitidos no Sínodo de Dort, os Sínodos Franceses Reformados ou a Assembleia de Westminster eles teriam seus pedidos recusados categoricamente. Por quê? Por que os reformados são preconceituosos? Não, de forma alguma. Os Batistas são preconceituosos por se recusarem a permitir que nós nos chamemos batistas? Afinal de contas, nós acreditamos, até agora, em batizar adultos não batizados que chegam à fé. “Não!” eles dizem, “ser batista é muito mais do que isso. Amem[11].

O que está implícito na citação acima? Que ser reformado é muito mais que ser calvinista!

O autor prossegue:

A primeira questão é se afirmar os cinco pontos doutrinários do Sínodo de Dort (1619) é suficiente para ser reformado. Obviamente não! Um bom número de pessoas que poderiam ser razoavelmente definidos como reformados afirmaram esses pontos bem antes da Reforma. Houve uma vigorosa teologia predestinista em diferentes pontos do medievalismo. Godescalco de Orbais no nono século ensinou a substância dos cinco pontos, mas não permitiríamos em um púlpito reformado. Tomás de Aquino ensinou a predestinação e discutivelmente a expiação limitada no século treze. Houve vários proponentes do final da era medieval de uma soteriologia agostiniana rígida de quem a reforma aprendeu, mas que não seriam reformados. O mesmo vale para o Piper. Interseção não é identidade. Uma condição necessária não é uma condição suficiente. Um carro de corrida deve ter um motor. Essa é uma condição necessária, mas um motor não é uma condição necessária, pois nem todo motor é um motor de corrida. Existem outros componentes (ex. suspensão, estrutura, o cockpit) no carro de corrida que o distinguem de outros carros[12].

O autor, então, diz que o calvinista Piper tem condição necessária para ser reformado, mas não tem condições suficientes!

Richard Muller, calvinista especialista em teologia do século 16 e 17 (época de Armínio), ao discutir se Armínio foi ou não reformado, analisa o entendimento das Confissões de Fé por parte de Armínio, analisa sinergismo versus monergismo e escolasticismo, para citar alguns pontos, e enfatiza que Armínio cria em muitos pontos em comum com os reformados, mas sempre com sutis distinções. (Será que os leitores de Armínio no Brasil estão captando tais sutilezas?) Armínio sempre se apropria de pontos em que concorda, mas nunca adota “plenamente” a teologia de ninguém, ou seja, ao não concordar com algum ponto, ele apresenta sua versão ou entendimento daquilo, transformado aquele ponto em algo seu, em “arminiano”.

Conclusões
A equiparação dos termos “reformado” e “calvinista” causa problemas tanto no passado quanto no presente. A solução? Não usem os termos como se fossem sinônimos, isso evitará uma série de problemas teológicos e históricos tanto no passado quanto no presente. Quando muitos dizem que Armínio foi “calvinista”, eles estão, na maioria, querendo dizer que Armínio foi “calvinista” no sentido mais amplo da coisa, isto é, estão se referindo ao termo “reformado”. Os autores que utilizam o termo calvinista como sinônimo de reformado são principalmente teólogos mais antigos que viveram antes da publicação da obra do Bangs ou que não leram ou desconhecem a obra e sua significância, e, como tais, reproduzem e passam adiante um entendimento equivocado e já superado.

O Brasil está engatinhando nos estudos de Armínio, portanto, é natural que muitos não entendam e confundam muita coisa no estudo desse teólogo e de seu sistema de crença, mas, por outro lado, insistir em terminologias e conceitos que grandes e consagrados estudiosos já mostraram ser um equívoco é teimosia de alguns que, lendo as obras de Armínio, estão ingenuamente pensando que “descobriram a roda”, isto é, que descobrirão coisas e fatos que esses estudiosos deixaram passar! Se tais constatações são tão interessantes e dignas de crédito, eu tenho certeza que grandes universidades e seminários gostariam muito de publicar essa “recente e bombástica descoberta” que passou desapercebida nos últimos 400 anos pelos maiores estudiosos do tema, e que os “eruditos brasileiros”, que lendo a obra de Armínio em menos de 2 meses de sua publicação em nossa língua, já conseguiram produzir, constatar e afirmar “verdades” que os grandes centros de estudos ainda não constataram, ainda que estes tenham as obras de Armínio há mais de 200 anos e que tenham as obras de Armínio comentadas e discutidas por especialistas.

Eu ficaria muito feliz se os que estão equivocadamente chamando a teologia de Armínio de “calvinista” estivem agindo assim em razão de estarem enfatizando mais os pontos em que temos em comum do que enfatizando nossas diferenças! Que fosse uma tentativa de valorizar e fortalecer o diálogo ou a fraternidade através dos pontos em comum entre as duas vertentes soteriológicas. Mas infelizmente esse parece não ser o caso!

Todavia, o episódio em que a teologia de Armínio é chamada de “calvinista” se mostra uma situação de vantagem dupla para os arminianos. Primeiro, se os calvinistas dizem que Armínio era calvinista, eles invalidam todas as críticas feitas a Armínio e mostram que não estavam preparados para fazer uma correta e adequada avaliação de sua teologia quando o chamaram de “pelagiano”, “semipelagiano” e “humanista”, em outras palavras, se os calvinistas estiverem certos que Armínio foi calvinista (sic), eles comprovam que sempre estiveram errados acerca dele! Uma consequência normal, depois disso, seria “rasgar” todos os livros escritos por calvinistas que diziam que Armínio era arminiano, ou ainda, que os próprios calvinistas passem a refutar os escritos de calvinistas que dizem que Armínio foi arminiano! Em segundo lugar, se estiverem errados acerca de Armínio ser “calvinista”, mais uma vez se vê que eles criaram outro mito acerca de Armínio e que a história, outra vez, se repete!

Se Armínio pode não aceitar ou não aderir a “eleição incondicional”, “expiação limitada” e “graça irresistível”, três pontos corolários do calvinismo e ainda assim ser calvinista, bem, a partir dessa “nova definição de calvinismo” eu digo que a controvérsia foi resolvida! (Ironia). Já vimos que é um equívoco equiparar os termos calvinista e reformado, mas o disparate teológico atinge outro nível ainda mais absurdo, que é a equiparação dos termos “arminianismo” a “calvinismo”.

[1] Muitos calvinistas reivindicam para si o termo reformado, mas nem todo reformado aceita o calvinista como reformado.

[2] Bangs, Armínio: Um Estudo da Reforma Holandesa, p.24.

[3] Ibid, p.25.

[4] Ibid, p23.

[5] Obra a ser lançada pela Editora Reflexão.

[6] Stanglin e McCall, Jacob Arminius: Theologian of Grace, p. 18.

[7] Este capítulo encontra-se na obra Graça para Todos, a ser lançada pela Editora Reflexão.

[8] Olson, Teologia Arminiana: Mitos e Realidades, pp. 57-76.

[9] Ibid, pp 77-99.

[10] http://www.desiringgod.org/articles/what-does-john-piper-believe-about-dispensationalism-covenant-theology-and-new-covenant-theology?lang=pt (Acesso dia 14/10/15)

[11] http://heidelblog.net/2013/11/is-john-piper-reformed-or-holding-the-coalition-together/ (Acesso dia 14/10/15)

[12] Ibid.

 

Fonte: Wellington Mariano / Gospel Prime


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