BENEDICT CARPZOV, UM INQUISIDOR PROTESTANTE?


Categoria: Acervo
Imagem: Benedict Carpzov - British Museum
Publicado: 29 de Janeiro de 2016, Sexta Feira, 21h05 - 1 comentário

Prezados, Graça e Paz. O presente artigo foi retirado de um site apologético cujos autores participam de pesados debates teológicos. Portanto, o presente artigo apresenta algumas palavras meio que ofensivas. Eu estarei editando algumas dessas palavras, mas não todas para não mudar o sentido do texto e, também, não violar os direitos autorais. Peço aos amados católicos que acompanham o nosso site um pouco de paciência e perdão por tais palavras. As palavras ofensivas estarão marcadas com um EDITADO. Deus os abençoe. - Marcell de Oliveira.

Benedict Carpzov ou se preferir Ludovicus de Montesperato (pseudônimo que usava), nasceu em uma influente família de advogados da Saxônia. Como doutor em Direito Canônico e Civil era assessor do Schöffenstuhl (Tribunal de Magistrados) em Leipzig em 1620. Conhecido como um dos pais do Direito Penal moderno, publicou obras a respeito, e ainda outras sobre Direito Civil, Canônico e Processual, sendo de fato o representante mais importante do sistema jurídico moderno de sua época, tendo desenvolvido seus trabalhos a partir do direito romano antigo e pelo visto, com aplicações vetero-testamentárias da Bíblia.

Como membro do Tribunal de Magistrados, Carpzov pronunciou diversas sententiae (veredictos) e consilia (pareceres jurídicos) em nome de tribunais e partes em ações judiciais iminentes ou em curso. Já em 1636 realizava julgamentos simultâneas na corte superior em Leipzig, no tribunal de recurso em Dresden, e a mais alta corte do eleitorado da Saxônia (1639); Entre 1645 e 1653, serviu como o professor mais graduado na Faculdade de Direito de Leipzig e, posteriormente, como conselheiro eleitoral.

Devido sua vasta experiência como JUIZ e Doutor em DIRETO PENAL, PROCESSUAL, CANÔNICO E CIVIL, entre as suas principais obras temos:

– Sobre Direito Penal: Practica nova Imperialis Saxonica rerum Criminalium (Nova Pratica Imperial Saxônica de Direito Penal, 1635).

– Sobre Direito Civil: Jurisprudentia forensis (Lei Tribunal, 1638).

– Direito Processual: Processus juris in foro Saxonico (Processo no Sistema Legal Saxonico, 1657).

– Direito Canônico: Jurisprudentia ecclesiastica consistorialis (1649).

Sua obra mais polêmica foi lançada em 1638, sobre a Inquisição na Saxonia (Peinlicher Sächsischer Inquisitions – und Achtsprocess). Essa obra foi especialmente sobre a incompetência profissional de muitos juízes. Depois de meados do século XVII, Carpzov viu-se em meio ao fogo cruzado de intensa crítica política. Devido à importância excepcional de sua “Practica nova para a prática jurídica e da modernus usus para a ciência jurídica”, ele se tornou uma figura simbólica, cada vez mais responsabilizado por todas as lacunas da legislação penal pré-moderna.

Porém, não é a obra sobre a Inquisição que hoje é usada para incriminar Carpzov de alguma ilegalidade religiosa, moral e jurídica. E sim a sua obra sobre Direito Penal onde ele supostamente usa trechos do Antigo Testamento para justificar a pena capital contra heresia e especificamente contra praticantes de feitiçaria. Devido a Carpzov ter sido PROTESTANTE, isso é referenciado por católicos ignorantes como algo que comprove uma possível inquisição protestante.

Contudo é preciso considerar que, a literatura sobre Carpzov é abundante, mas em grande parte obsoleta ou sobrecarregadas por graves déficits contextuais. Muitas obras do século XX não se baseiam em fontes originais mas dependem de literatura secundária mais antiga. A monografia não se limitando a lei penal seria um assunto merecedor de pesquisas futuras. [Enciclopédia Oxford Internacional de História Legal].

Ou seja, qualquer que seja a citação sobre Carpzov que não seja referente ao seu trabalho como legislador, deve ser posta em dúvida por que no caso, são alegações provenientes de fontes duvidosas ou que são citadas fora do contexto e por não se basearem em fontes originais. E além disso, foram publicadas cerca de 300 depois de sua atuação como doutor em direto legal e canônico.

Porém vemos por ai, citações usadas por militantes católicos como esta abaixo:

O luterano Benedict Carpzov, foi legista brilhante e figura esclarecida, até hoje ocupando lugar destacado na história do Direito Penal. Mas perdia a compostura contra a bruxaria, que considerava merecedora de torturas três vezes intensificadas com respeito a outros crimes, e cinco vezes punível com pena de morte. Protestante fanático, afirmava, quando velho, ter lido a Bíblia inteira 53 vezes. Assinou sentença de morte contra 20.000 bruxas, apoiando-se principalmente na “Lei” do Antigo Testamento. Não compreendendo o verdadeiro significado da Bíblia, considerava o Pentateuco como lei promulgada pelo próprio Deus, Supremo Legislador. Carpzov, para condenar a morte, usava (Lv 19,31; 20,6.27; Dt 12,1-5), citava de preferência o Êxodo (22,18); “Não deixarás viver a feiticeira”.

Esta citação foi feita pelo Hugo Payens moderador da pagina católica “Cruzados Católicos”. Não é uma novidade tal objeção, trata-se de mais uma das palpitadas desonestas e desformativas do Fernando Nascimento. O Hugo, trata-se de um fake que é claro, não se interessa em ter honestidade em sua atuação como suposto defensor da fé católica. Vejamos o que ele diz:

Perceba que o Hugo não cita fonte alguma de sua citação, portanto basta fazer uma pesquisa simples para refuta-lo sobre o Carpzov ter assinado a sentença de morte de 20.000 “bruxas”. Mas de onde exatamente ele teria tirado tal citação? De alguma obra do Carpzov? Não!

A fonte de tal citação vem do blogue católico CaiaFarsa, já conhecido pela sua pouca credibilidade. Vejamos o que eles dizem:

“Este foi o modo que encontraram para abafar os massacres do protestante Benedict Carpzov, que tendo se vangloriado de ter lido a bíblia 56 vezes, assinou sentença de morte para 20.000 mulheres. (Benedict Carpzov, Practica Nova Rer. Criminalium Imperialis Saxonica in 3 Partes Div., Wittenberg, 1635.).” (Fonte: CaiaFarsa)

Notem que há conflitos na citação de ambos. O Hugo diz que o Carpzov se vangloriava de ter lido a Bíblia 53 vezes enquanto que o CaiaFarsa afirma que foram 56 vezes. O Hugo diz que vinte mil bruxas foram mortas pelas sentenças de Carpzov, já o CaiaFarsa, afirma que foram 20 mil mulheres.

Enquanto o Hugo não cita a fonte, o CaiaFarsa cita como origem de sua afirmação a obra do próprio Carpzov, que nada tem haver com algum tratado de confissões dele, e sim de uma obra jurídica sobre direito penal, a Practicae novae imperialis Saxonicae rerum criminaliu. Da qual eu encontrei uma edição digitalizada pela Biblioteca Alemã de Heildelberg copia da edição de Wittemberg feita em 1670.

Segue a obra para conferência:

Acima está a obra referida pelo Fernando Nascimento autor da postagem do CaiaFarsa e não citada pelo Hugo. Porém a citação do CaiaFarsa não especifica qual pagina e muito menos TODO o trecho de onde tirou a citação. E dado o que a Enciclopédia de Oxford diz, tal citação do Hugo e do CaiaFarsa são invalidas pois não se baseiam na fonte original, e mesmo que o CaiaFarsa cite a obra, teria de especificar qual a pagina e trazer a citação completa para provar que sua referência é mesmo originada no texto referido. Teria de apontar onde em sua obra Carpzov afirma que teria mandado executar cerca de 20 mil mulheres. O que duvido muito dado a pouca evidência que o autor do artigo caifarsiano e o próprio Hugo apresentam.

A citação do Hugo e do Caiafarsa é tão vaga e sem evidencia quanto a Wikipedia que cita fontes, mas não especifica de qual assunto está tratando ou qual a referencia exata onde se verificar a referência. Contudo a versão Alemã da Wikipedia sobre o Carpzov merece ser lida por apresentar farta bibliografia e serve para refutar a pouca e fraca evidência que os católicos levantam.

In Prozessen gegen Hexen, an deren Existenz Carpzov nicht zweifelte, werden ihm eine Vielzahl von Todesurteilen nachgesagt. Allerdings ist keine einzige Beteiligung Carpzovs an einem Todesurteil gegen Hexen nachweisbar.” (Fonte: Benedikt Carpzov der Jüngere)

Traduzido fica: “Nos ensaios de bruxas, cuja existência Carpzov não duvidava, um número de sentenças de morte são atribuídos. No entanto, nenhuma contribuição de Carpzovs para sentença de morte contra as bruxas é detectável.”

Ou seja, sua obra menciona a morte de bruxas, mas nenhuma sentença teve sua contribuição.

Já a versão portuguesa da Wikipedia cita também diversas fontes inclusive traz parte da citação usada pelo Hugo, mas na mesma sequência o refuta:

Benedict Caprzov, jurista luterano fervoroso e um dos pais do direito penal moderno, desenvolveu também teorias a respeito do tratamento penal de bruxas. A propaganda nacional-socialista fazia-o responsável por inúmeras mortes, mas segundo pesquisas modernas não tem provas para a participação direta dele em processos que terminaram com a morte por bruxaria. As fontes bíblicas citadas nos livros dele são Lv 19,31; 20,6.27; Dt 12,1-5 e de preferência o Êxodo(22,18); ‘Não deixarás viver a feiticeira’.” (Fonte: Caça às Bruxas – Wikipédia)

Para além das afirmações do Hugo e Caiafarsa serem fracas demais, toda a argumentação a respeito não passam de lamuriosas falacias de imperiosa hipocrisia. Pois citam Carpzov desonestamente, mas omitem fatos como os monges dominicanos que desenvolveram a verdadeira arte de caça as bruxas, O livro “Martelo das Feiticeiras”, o Malleus Maleficarum. Ora esse livro que ensinava muita coisa sobre como conhecer, perseguir e matar uma bruxa, só bem depois de matar muita gente inocente é que foi proibido, e mesmo assim, tinha mais circulação do que a própria Bíblia e mesmo com a proibição expressa da Igreja acerca dele, ainda assim foi amplamente usado por perseguidores fanáticos para torturar e condenar supostas bruxas.

Isso de algum modo sustenta que a Igreja Romana matou milhares de bruxas? Ora, de certo modo não, a não ser que se diga que a suposta e fraca acusação de que Carpzov matou milhares de bruxas, seja usada para dizer que a Igreja Protestante matou bruxas na idade média.

Outra objeção [EDITADO] do Hugo, é sobre Carpzov ter usado passagens do Antigo Testamento para validar a pena capital contra as bruxas ou contra quem quer que seja. Ora, Carpzov era um jurista e não um padre, e como JUIZ tinha que fazer cumprir o que era sentenciado em julgamento, mesmo que fosse a pena de morte, e ainda que ele fosse cristão.

Dado o contexto da época não podemos precipitar nossas conclusões muito menos quem é católico. Há não ser que o católico queira invalidar o catolicismo devido essa citação de um dos maiores doutores da Igreja Romana, Tomás de Aquino.

Os hereges podem licitamente ser condenados à morte por um julgamento civil, pois blasfemam contra Deus e observam uma falsa fé. Assim podem ser punidos com mais razão do que aqueles que cometem o crime de lesa-majestade ou o de falsificação de moeda“. [II Sententiarum, dist. 13, questão 2, artigo 3c]

Mas, qual era o contexto da época:
Aos 5 de dezembro de 1484 o Papa Inocêncio VIII assinou uma Bula que condenava a prática da bruxaria, como se depreende do texto abaixo:

“Inocêncio Bispo, Servo dos Servos de Deus, para a perpétua recordação dos fatos…
Recentemente chegou aos nossos ouvidos, não sem nos molestar profundamente, a notícia de que em territórios da Alemanha Setentrional (províncias da Mogúncia, Colônia, Tréviris) assim como nas províncias, cidades, terras e nos locais de Salzburg e Bremen, várias pessoas de ambos os sexos, esquecidas de sua salvação e desviadas da fé católica têm tido relações com demônios íncubos e súcubos e mediante encantamentos, canções renegam sacrílegamente a fé do seu Batismo… por instigação do inimigo do gênero humano…”.

Aliás já aos 19 de abril de 1080 o Papa Gregório VII dirigia uma carta ao rei Hakon da Dinamarca em que condenava prática semelhante e a bruxaria existente naquele país, conforme o Prof. Gustav Henningsen, à página 595 das Atas do Simpósio da Inquisição.

Então esse era o contexto da Idade Média sobre as “bruxas”, que já vinha desde o seculo 15. Tanto católicos já no século 15 quanto protestantes depois no seculo 17, mantinham uma profunda crença na existência de bruxas e no mal que elas supostamente causavam. Quanto as sentenças realizadas para se aplicar a pena de morte contra tais pessoas praticantes de bruxaria, não é possível avaliar o total de execuções perpetradas na época, pois faltam estatísticas e registros que deem uma noção fiel dos acontecimentos seja do lado protestante ou do lado católico.

Se houve abusos do lado protestante, também houve por parte dos católicos. A Revista Católica Pergunte e Responderemos nº 523 / Janeiro de 2006 nos informa que:

Quase a metade dos 200 processos por bruxaria [só no sul da Alemanha] ficaram aos cuidados de dois inquisidores alemães: Jacob Sprenger (1436-1495) e Heinrich Institores (1432-1492). Em dado momento a sua fanática perseguição às bruxas no sul da Alemanha provocou a oposição das autoridades civis e eclesiásticas. Os dois inquisidores, porém, apelaram para o Papa Inocêncio VIII, que respondeu com a citada bula “Summis Desiderantes Affectibus”, de 5 de dezembro de 1484, bula na qual enumera os malefícios causados pelas bruxas:

“matam a criança no ventre de sua mãe, fazem o mesmo com o feto do gado, extinguem a fertilidade dos campos, estragam os frutos da videira e de outras árvores frutíferas, prejudicam as plantações de trigo e outros cereais, molestam homens e mulheres com espantosas doenças internas e externas, impedem os homens de copular e as mulheres de conceber, já que marido e mulher não se reconhecem mais”.

A bula papal teve como resultado fazer que o povo desse seu apoio à Igreja no combate a bruxaria. A minuciosa consideração do passado sugere uma reflexão sobre o presente e o futuro da Igreja.

Pela referência acima, notem que isso já vinha ocorrendo desde o século 15 e era endossado pela Igreja Romana. Muita insensatez do Hugo citar um jurista protestante que supostamente teria feito o mesmo que sua própria Igreja já vinha fazendo séculos antes. E mais tolice ainda do Fernando Nascimento que desde 2007 mantém uma postagem com esse tipo de desinformação que só estimula seus leitores a serem tão desinformados e cheios de ojeriza quanto ele.

Portanto, esta patética tentativa do Hugo Payens de propagar mentiras e falacias do Fernando Nascimento, contra nós, dentre tantas outras, já está mais que refutada. E como ele disse que queria ver protestantes o refutarem sobre essa questão… Ora, pois então…:

Hugo Payens e Fernando Nascimento estão refutados!!

Paz de Cristo a todos
Att: Elisson Freire

 

Fonte: Resitência Apologética


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1# "Boa noite, Elisson Freire. Sou católico e me deparei com o seu artigo sobre a inquisição. Muito bom o texto. Acontecimentos antigos são de difícil pesquisa e comentem-se erros ou arbitrariedades. Acredito, no entanto, que, independente da origem cristã, práticas de justiçamento de diversas motivações aconteceram em toda a Idade Média e Antiga. Sds." - Gustavo CG dos Santos, 21 de Agosto de 2018, Terça Feira, 19h13

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