CONVERSAS À MESA (TISCHREDEN) PT. 39/47 - DA LEGÍTIMA DEFESA

Categoria: Conversas à Mesa [Tischreden]
Imagem: Martinho Lutero (no centro) - eBiografia
Publicado: 23 de Fevereiro de 2023, Quinta Feira, 15h01

DCCLXXXIV.
A questão que proponho aqui é mais uma questão para advogados do que para teólogos a saber, sem ofender a Deus ou a nossa consciência, se podemos nos defender contra o imperador se ele tentar nos subjugar. Se caso o imperador entrar em guerra contra nós, com certeza ou é para destruir nossa religião ou é para manipular a política e a economia públicas. Em ambos os casos, legalmente eleito podemos considerá-lo como um tirano e não mais como imperador dos romanos. Então é inútil perguntar se podemos lutar pela sã doutrina ou pela religião; Para nós é uma lei e um dever nosso de lutar pela esposa, pelos filhos, servos e súditos; é a nossa obrigação de defendê-los contra o poder maléfico.

Enquanto eu viver, escreverei advertências para todos os estados do mundo cristão a respeito da nossa legítima defesa; e mostrarei que cada um possui a obrigação de defender a si mesmo e contra o poder ilícito. Primeiro, o imperador é o chefe do corpo político no reino temporal, um corpo constituído por súditos e por pessoas privadas a quem pertence o direito da defesa coerciva enquanto civis. Pois caso a pessoa não se defender, ela torna-se assassina de si mesma.

Em segundo lugar, o imperador não é o único monarca ou senhor da Alemanha; juntamente com ele temos os príncipes eleitores que são membros temporais do império, cada um possui sua obrigação de manter o império. O dever de todo príncipe é manter o bom convívio no império e resistir àqueles que causam desordem; esse dever também é especialmente para o líder, o imperador. De fato, os príncipes eleitores possuem os mesmos poderes que o imperador, mas não possuem a mesma dignidade e prerrogativa. Mesmo assim, eles e os outros príncipes do império são obrigados a resistir ao imperador se caso ele empreenda algo que prejudique o império ou que seja contrário a Deus e ao direito legal. Além disso, se caso o imperador proceder à disposição de qualquer um dos príncipes, então ele acaba depondo todos os outros, e isso não deve acontecer de jeito nenhum.

Portanto, antes de responder formalmente essa questão, se o imperador pode depor os príncipes eleitores, ou se eles podem depor o próprio imperador, então devemos primeiro fazer a distinção dessa maneira: Um cristão é composto por dois tipos de pessoas, a saber, uma pessoa espiritual e uma pessoa civil. A pessoa espiritual deve suportar e sofrer todas as coisas, não comer, não beber, nem gerar filhos e muito menos participar das ações e negócios temporais. Mas a pessoa civil está sujeita aos direitos e leis temporais ligados à obediência; deve-se manter e defender o que lhe pertence conforme orientam as leis. Por exemplo, se algum miserável tentasse violentar minha esposa ou minha filha na minha presença, então eu deveria deixar de lado a minha pessoa espiritual e retornar a minha pessoa civil. Eu deveria matá-lo ali ou pedir ajuda. Pois na ausência dos magistrados, a lei da nação está em vigor e nos permite pedir ajuda ao próximo; Cristo e o Evangelho não abolem os direitos e ordenanças temporais, mas sim os confirmam. Além disso, se o imperador proceder à disposição de qualquer um dos príncipes eleitores, então ele depõe todos eles, e isso não deve acontecer.

O imperador não é um monarca absoluto governando sozinho e a seu bel-prazer, pois os príncipes eleitores estão em igual poder com ele. Então ele não possui autoridade única para fazer leis e ordenanças, muito menos poder ou direito para desembainhar a espada para subjugar os súditos e membros do império sem a sanção da lei, ou o conhecimento e consentimento de todo o império. Portanto, o imperador Otho fez sabiamente ao ordenar sete príncipes eleitores que, junto com o imperador, trabalham na manutenção do império. Se não fosse isso, o império não teria resistido por tanto tempo.

Por fim, devemos saber que quando o imperador se propõe a fazer guerra contra nós, ele não o faz por si mesmo, mas pelo interesse do papa a quem ele é vassalo, e cuja tirania e idolatria abominável se compromete a manter. Pois o papa não reconhece o Evangelho de forma alguma e, ao levantar guerra contra o Evangelho através do imperador, é apenas para defender e preservar sua autoridade, poder e tirania. Então não devemos permanecer calados e inativos. Mas aqui alguém pode objetar e dizer: Embora Davi tivesse sido rei escolhido por Deus e ungido por Samuel, ele não resistiria ao imperador, etc. Resposta: Davi, naquela ocasião, tinha apenas a promessa do seu reino e não a sua posse. Ele ainda não estava estabelecido em seu governo. No nosso caso, não estamos armados contra Saul, mas contra Absalão contra quem Davi fez guerra, matando o rebelde elas mãos de Joabe.

Eu discutiria de bom grado sobre esse assunto longamente, se podemos ou não resistir ao imperador. Embora os jurisconsultos, com suas noções de direitos temporais e naturais, se pronunciem afirmativamente para nós, teólogos, é uma questão de grande dificuldade tendo em conta essas passagens: “Aquele que te ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra.” E também: “Servos, sujeitem-se a seus senhores com todo o temor, não apenas aos bons e gentis, mas também aos perversos.” Devemos ter cuidado para não agirmos contra a Palavra de Deus para que as nossas consciências não sejam atormentadas. Mesmo assim, temos certeza de uma coisa, que estes tempos não são os tempos dos mártires quando Diocleciano reinou e se enfureceu contra os cristãos. Estamos vivendo em um outro tipo de reino e governo. A autoridade e o poder do imperador, sem os sete príncipes eleitores, não têm valor. Os advogados escreveram: o imperador se separou da espada e a entregou em nossa posse. Ele tem sobre nós apenas gladium petitorium, ou seja, ele deve buscá-lo de nós quando se propõe a punir, pois de direito ele não pode fazer nada sozinho. Se o seu governo fosse como o de Diocleciano, prontamente cederíamos a ele e sofreríamos.

Espero que o imperador não faça guerra contra nós por causa do papa; mas se ele fizer o papel de ariano e lutar abertamente contra a Palavra de Deus, não como cristão, mas como pagão, então não somos obrigados a nos submeter e sofrer. É do lado do papa que pego a espada, não do imperador; é evidente que o papa não pode ser tirano e nem deveria.

Resumindo:

Primeiro: os príncipes eleitores não são escravos.

Segundo: o imperador governa sob certas condições.

Terceiro: Ele é jurado ao império, aos príncipes eleitores e outros membros.

Quarto: Ele se comprometeu a jurar a eles para preservar o império em sua dignidade, honra, realeza e jurisdição, e para defender cada pessoa naquilo que lhe pertence justamente; portanto, não deve ser tolerado que ele nos leve à servidão e à escravidão.

Quinto: temos direito aos benefícios das leis.

Sexto: ele deve ceder às leis e aos direitos cristãos.

Sétimo: nossos príncipes estão ligados ao império para manter privilégios justos e jurisdições em casos públicos e temporais, e não permitir que nenhum deles seja retirado.

Oitavo: esses casos são meio que equidades, onde um não é superior ou inferior ao outro; portanto, se o imperador com tirania lida com os outros, ele deixa de lado a sua pessoa como governador perdendo seu direito sobre os súditos, pela natureza dos ancestrais. Visto que príncipes e súditos estão igualmente ligados um ao outro, e um príncipe é claramente obrigado a cumprir o que jurou de acordo com o provérbio: Mestre fiel, homem fiel.

Nono: as leis estão acima de um príncipe e de um tirano; pois as leis e as ordenanças não são vacilantes, e sim sempre seguras e constantes. Visto que uma criatura humana é insegura e inconstante seguindo suas concupiscências e prazeres, se pelas leis não forem restringidos.

Se na estrada um ladrão avançar em mim, eu mesmo seria juiz e príncipe e usaria minha espada porque ninguém estava comigo para me defender; e eu deveria pensar que realizei um bom trabalho. Mas se alguém avançar em mim como um pregador por causa do Evangelho, então com as mãos postas eu levantaria meus olhos para os céus e diria: “Meu Senhor Cristo! Aqui estou eu. Eu confessei e preguei, e agora meu tempo expirou? Então entrego meu espírito em tuas mãos”, e dessa forma eu morreria.

 

Fonte: CRTA - Center for Reformed Theology and Apologetics - reformed.org
Tradução: Marcell de Oliveira


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