CONVERSAS À MESA (TISCHREDEN) PT. 32/47 - DE PRÍNCIPES E POTENTADOS

Categoria: Conversas à Mesa [Tischreden]
Imagem: Martinho Lutero (no centro) - eBiografia
Publicado: 20 de Fevereiro de 2023, Segunda Feira, 00h14

DCCXI.
O governo que não tem prazer de assassinar e de sufocar é um sinal da graça e misericórdia divina. Se Deus deixasse todas as coisas acontecerem como ocorre com os turcos e outras nações onde não há um bom governo, então devemos nos despachar deste mundo rapidamente.

DCCXII.
Os pais precisam cuidar dos seus filhos com maior diligência do que os governantes e juízes que cuidam de seus súditos. Pais e mães são naturalmente mestres voluntários; é um domínio de auto-crescimento preparado; quando o pai e a mãe não conseguem mais governar, então a segurança pública toma conta do assunto. Governantes e magistrados devem zelar pelo sexto mandamento.

DCCXIII.
O magistrado temporal é como uma rede de pesca jogada diante dos peixes em uma lagoa onde Deus é o responsável que leva os peixes para dentro da rede. Pois quando um ladrão, um adúltero, ou um assassino está amadurecido, Ele o leva para a rede, isto é, faz com que seja levado para o magistrado para receber sua punição; pois está escrito: “Deus é juiz na terra.” Portanto, arrependa-se ou será punido.

DCCXIV.
Os príncipes e os governantes devem manter as leis e os estatutos, caso contrário serão condenados. Eles devem, acima de tudo, manter o Evangelho honrado e tê-lo sempre em suas mãos, pois o Evangelho é o suporte que preserva e enobrece o Estado, e o ofício da magistratura para que saibam a posição de sua vocação, e que com boa consciência possam executar as obras de seu ofício. Em Roma, o carrasco sempre pedia perdão ao malfeitor condenado no momento da execução de seu trabalho, como se estivesse fazendo algo errado ao executar o criminoso; mesmo considerando que este é o seu trabalho apropriado que Deus estabeleceu.

São Paulo disse: “Ele não carrega a espada em vão;” ele é o ministro de Deus, uma vingança para executar a ira sobre aquele que faz o mal. Quando o magistrado pune, o próprio Deus pune.

DCCXV.
É impossível um governo onde um príncipe ou potentado seja um ímpio e seus conselheiros não sejam ímpios, pois os servos seguem os passos do mestre. Foi o que Salomão tinha dito: “Um mestre que tem prazer em mentir, seus servos passam a ser ímpios;” Isso nunca falha.

DCCXVI.
A magistratura é um estado necessário no mundo e deve ser honrado; então devemos orar pelos nossos magistrados, pois eles podem ser facilmente corrompidos. Honores mutant mores, numquam in meliores: As honras alteram as maneiras de um homem, e raramente para melhor. O príncipe que governa sem leis, seguindo o seu próprio entendimento, torna-se uma fera monstruosa; mas aquele que governa de acordo com as leis e com os direitos prescritos é semelhante a Deus que é o fundador das leis e dos direitos.

DCCXVII.
Os governadores devem ser sábios e corajosos de espírito, e também devem saber governar sozinhos mesmo sem conselheiros.

DCCXVIII.
O governo temporal é preservado não apenas por leis e direitos, mas também pela autoridade divina; Deus mantém os governos, caso contrário os maiores pecados do mundo permaneceriam impunes. Nosso Senhor Deus, na base da lei, nos mostra qual é a sua vontade e como o mal deve ser punido. Visto que a lei não pune um potentado, um príncipe ou governante, mas vai chegar um dia em que Deus chamará cada um para prestar contas. Nessa vida, governadores e juízes capturam apenas pequenas moscas com suas leis, mas as grandes vespas e humildes abelhas rasgam e atravessam a teia de uma aranha; isto é, pequenos crimes são punidos, mas os crimes mais abomináveis que moem o rosto dos pobres, dos órfãos e das viúvas, saem impunes e são vistos como alta honra.

DCCXIX.
Os negócios do governo não pertencem as pessoas comuns como os analfabetas ou os servos, e sim pertence a pessoas que são vistas como campeãs; homens compreensivos, sábios e corajosos que são dignos de confiança e que visam o bem comum e a prosperidade, sem se importar com o seu próprio lucro e nem seguindo seus próprios desejos e prazeres; mas quantos governantes são assim? Pouquíssimos! Eles montam um comércio de governo; eles não conseguem governar a si mesmos: Então como eles deveriam governar grandes territórios e multidões de pessoas? Salomão disse: “Um homem que pode governar sua mente é melhor que aquele que assalta cidades.” etc…

Eu bem poderia desejar que Cipião, aquele campeão tão honrado, estivesse no Reino dos Céus; ele foi capaz de governar e superar a si mesmo e refrear a sua mente que é a vitória mais alta e louvável. Frederico, príncipe eleitor da Saxônia, era outro desses príncipes; ele conseguiu se conter, embora por natureza possua um ânimo raivoso. No cântico de Salomão é dito: “Minha vinha que é minha está diante de mim;” isto é, Deus tomou o governo para si mesmo até o fim, e nenhum homem pode se gabar disso. Deus será o rei governante; ele será ministro e pastor; ele será o dono da casa; ele sozinho será governador, pastor, bispo, César, rex, vir et uxor erant, sed non Deus.

DCCXX.
Quando potentados e príncipes assumem um empreendimento hoje em dia, eles não oram antes de começar e vão direto para os cálculos: três vezes três são nove, duas vezes sete são quatorze, fulano de tal fará isso e aquilo; e dessa maneira o negócio certamente terá efeito, mas nosso Senhor Deus diz: Então em quem você espera? Por um zero? Será que eu estou aqui no meu trono em vão e sem propósito? Você deve saber que irei distorcer suas contas finamente e darei resultados indesejáveis.

DCCXXI.
Pilatos era mais honesto que qualquer príncipe papista do império. Eu poderia citar muitos deles que não são de forma alguma comparáveis a Pilatos; pois ele manteve estritamente as leis romanas. Ele não queria que um inocente fosse executado sem ser ouvido, então ele avaliou todos os meios justos para libertar o nosso Cristo; mas quando o povo o ameaçou com a desaprovação do imperador, acabou ficando deslumbrado e decidiu abandonar as leis imperiais porque era apenas um pobre homem sendo condenado; nenhum homem toma sua parte, ou seja, que dano Pilatos pode receber ao executá-lo? Melhor um homem morto do que toda a nação estar contra ele.

O Dr. Mathesius e Pomer discutiram essa questão do Pilatos ter açoitado Cristo e perguntaram: Qual é a verdade? O primeiro argumentou que Pilatos o fez por compaixão; mas o outro alegou dizendo que foi feito por tirania e desprezo. Então Lutero disse: Pilatos açoitou Cristo por compaixão, pois estava sendo forçado pela ira insaciável dos judeus. E nisso ele disse: Por que vocês disputarão a respeito da verdade nesses tempos perversos? A verdade aqui não tem valor. Vocês devem pensar em algum outro plano; que tal a equidade de algum advogado, quem sabe vocês poderão ser libertos.

DCCXXII.
Philip Melancthon e eu merecemos justamente das mãos de Deus muitas riquezas deste mundo do que qualquer cardeal com suas riquezas; pois fizemos mais em suas obras do que cem cardeais juntos. Mas Deus nos disse: Contentem-me em me ter. Quando o temos, também temos o lucro; pois embora tivéssemos o lucro, mas não tivéssemos Deus, então não temos nada.

Deus disse para Ezequiel: “O filho do homem, Nabucodonosor, fez com que o seu exército prestasse um grande serviço contra Tiro, mas ele não tinha salário; então o que devo dar a ele? Darei a terra do Egito a Nabucodonosor, esse será o seu salário.” E é assim que Deus trabalha com grandes reinos, tirando-os de um e dando-os a outro.

DCCXXIII.
Na Dieta Imperial em Augsburgo, certos príncipes elogiaram as riquezas e as vantagens de seus respectivos principados. O príncipe eleitor da Saxônia tinha dito que em seu país tinha reservas de minas de prata que lhe traziam grandes rendimentos. O príncipe eleitor palatino exaltava seus vinhedos no Reno. Quando chegou a vez de Eberhard, príncipe de Wirtemberg, ele tinha dito: “De fato, eu sou apenas um pobre príncipe que não posso ser comparado a nenhum de vocês; no entanto, eu tenho em meu país uma joia rica e preciosa; pois tenho certeza que se eu for deixado sozinho e me perder nos campos de meu país, posso dormir com segurança no seio de qualquer um de meus súditos que estão todos prontos para arriscarem suas vidas por mim.” E, de fato, seu povo o estimava como pater patriae. E quando os outros dois príncipes ouviram isso, confessaram ser dele a joia mais rica e preciosa.

DCCXXIV.
Eu convidei para jantar em minha casa, em Wittenberg, os príncipes Ernest de Luneburg e William de Mecklenburg que reclamavam muito do tipo de vida imensurável dos comes e bebes exagerados nas cortes; e ainda assim todos são vistos como bons cristãos. Eu disse: os potentados e os príncipes deveriam investigar isso. Então o príncipe Ernest disse: Ah! Senhor, nós que somos príncipes já fazemos isso, caso contrário dois já teriam caído há muito tempo confessando que a intemperança dos príncipes causou a intemperança do povo. Mas, na verdade, quando o abade lançar os dados, todo o convento jogará. O exemplo dos governantes influencia e muito os súditos.

DCCXXV.
Alguém tinha perguntado se Sir Thomas More foi executado por causa do Evangelho ou não. Eu respondi: Não, de forma alguma; ele era um tirano cruel e principal conselheiro do rei; sem dúvida, um homem muito instruído que derramou o sangue de muitos cristãos inocentes que confessaram o Evangelho; ele os atormentava com instrumentos pesados, como um carrasco; primeiro, ele os examinava pessoalmente sob uma viga verde e depois os torturava cruelmente na prisão. Por fim, ele se opôs ao decreto do rei e do reino. Então foi desobediente e recebeu a punição.

DCCXXVI.
Temos a vantagem de que nenhum concílio nos condenou por hereges; as leis do império definem como herege aquele que obstinadamente mantém os erros, o que nunca fizemos, e sim apresentamos os testemunhos da Palavra de Deus; de bom grado ouvimos as opiniões dos outros, mas não aceitamos que o papa seja o juiz; nós fazemos uma festa para ele.

DCCXXVII.
O imperador Maximiliano era muito supersticioso em suas campanhas. Em tempos de perigo, ele faria um voto de oferecer como sacrifício o que ele encontrar primeiro. Um de seus capitães havia levado cativa uma bela virgem de uma antiga família protestante da Alemanha a quem ele amava muito; mas ele foi forçado pelo imperador a matá-la com suas próprias mãos. Nós cristãos temos uma grande vantagem na guerra contra os nossos inimigos que é a fé na oração, enquanto que os infiéis nada sabem sobre a fé ou oração.

DCCXXVIII.
Não faz muito tempo que o rei Fernando entrou em um mosteiro onde eu estava e, ao passar por ele, vi que ele foi atraído por umas cartas escritas em caracteres grandes: “M.N.M.G.M.M.M.M”. Depois de refletir por algum tempo sobre o significado desses caracteres, o rei chamou seu secretário e perguntou-lhe o que achava que tais caracteres significavam. Então o secretário respondeu: “Suponho que M.N seja Mentitur Nausea (o arcebispo de Viena); M.G seja Mentitur Gallus (o pregador da corte); M.M.M.M seja Mentiuntur Majores (os franciscanos), Menores (os carmelitas), Minotaurii (monges dos Alpes); porém todos são mentirosos.” O rei então bateu com os lábios e passou adiante. Foi uma explicação muito engenhosa do senhor secretário.

DCCXXIX.
Os príncipes de hoje em dia não possuem ordem na administração de sua casa. Quatro cidades imperiais gastam mais em luxos e diversões em um só dia do que Salomão que gastou no seu reino em um mês. São príncipes pobres merecedores de nossa compaixão.

DCCXXX.
Deus lida com grandes potentados, reis e príncipes, assim como crianças com cartas de baralho. Enquanto elas possuem boas cartas, elas as seguram em suas mãos; mas quando elas ficam com cartas ruins, então se cansam e jogam as cartas debaixo da cadeira; assim faz Deus com grandes potentados; enquanto eles governam bem, Deus os mantém para sempre; mas assim que eles excedem e governam mal, Deus os derruba de seus assentos e ali os deixam no chão.

 

Fonte: CRTA - Center for Reformed Theology and Apologetics - reformed.org
Tradução: Marcell de Oliveira


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