CONVERSAS À MESA (TISCHREDEN) PT. 22/47 - DOS CONCÍLIOS


Categoria: Conversas à Mesa [Tischreden]
Imagem: Martinho Lutero (no centro) - eBiografia
Publicado: 28 de Janeiro de 2023, Sábado, 00h36

DXVI.
O papa se autointitula bispo da igreja católica, título esse que ele nunca usou antes de assumir; pois na época em que o Concílio de Nicéia foi realizado, não havia nenhum papa. A igreja naquela época era dividida em três partes; primeiro, da Etiópia; segundo, da Síria à qual pertencia a Antioquia; terceiro, de Roma com suas seitas pertencentes. Dessa maneira, eles acabaram se espalhando logo após a Era Apostólica e instituíram três tipos de Concílios: primeiro, um geral; segundo, um provincial; terceiro, um episcopal – um concílio sendo realizado em cada bispado.

DXVII.
Desde o tempo dos apóstolos foram realizados sessenta concílios gerais e provinciais, dos quais apenas quatro são especialmente dignos de louvor; os de Niceia e Constantinopla, onde mantiveram a Trindade e a divindade de Cristo, e os de Éfeso e Calcedônia, onde mantiveram a humanidade de Cristo. No Concílio de Nicéia, nada é escrito ou mencionado sobre qualquer papa ou bispo de Roma como presente; apenas Ozius, bispo de Córdoba, estava presente. Os outros bispos vieram do leste, da Grécia, da Ásia Menor, do Egito, da África, etc.

Ah, Senhor Deus! Que concílios são esses senão avareza, onde os homens disputam sobre títulos, honras, precedências e outras tolices? Vamos considerar o que foi feito por esses concílios em trezentos anos; nada além do que diz respeito a aparências e cerimônias; absolutamente nada que toque na verdadeira doutrina divina, a adoração verdadeira de Deus ou da fé.

DXVIII.
Em Janeiro de 1539, um livro intitulado Liber Conciliorum foi enviado a Lutero, uma coleção grande e cuidadosamente organizada. Após a leitura, ele disse: esse livro defende o papa, enquanto seus próprios decretos e inúmeros cânones estão contra ele e contra este próprio livro. Além disso, os concílios não têm poder para fazer leis e ordenanças na igreja, o que é ensinado e crido, ou sobre as boas obras, pois tudo isso já foi ensinado e confirmado. Os concílios têm poder para fazer ordenanças apenas sobre coisas externas, costumes e cerimônias; e isso não é mais do que diz respeito a pessoas, lugares e tempos. Quando estes cessarem, tais ordenanças também cessarão.

As leis romanas agora estão mortas porque Roma está morta: agora é outro lugar. Da mesma forma, os decretos e as ordenanças dos concílios já não são mais válidos, porque seus dias já se passaram. Como diz São Paulo: Por que estais sujeitos a ordenanças, como se vivêsseis nesse mundo segundo os mandamentos dos homens? (Não toque, não prove, não manuseie, que todos perecerão com o uso). Tais coisas são necessárias, de fato, para uma demonstração de sabedoria em adoração voluntária e humildade, negligenciando o corpo, sem honra para não satisfazer a carne.

Se os decretos e estatutos como pessoas, tempos e lugares não mudarem ou cessarem, a doutrina de uma criatura mortal se tornaria imortal; e, de fato, eles chamam o papa de deus terrestre, de maneira bastante adequada, pois todas as suas leis, decretos e ordenanças têm sabor de coisas terrestres, não celestiais.

DXIX.
Quando a Palavra de Deus é apresentada, interpretada e explicada pelos padres é como alguém coar o leite em um saco de carvão que deve propositalmente estragar o leite e tomá-lo preto. A própria Palavra de Deus é pura, limpa, brilhante e clara; mas através das doutrinas, livros e escritos dos padres, a Palavra de Deus torna-se obscurecida, falsificada e estragada.

DXX.
O Concílio de Niceia que foi realizado após a Era Apostólica, foi o melhor e o mais puro; mas aos poucos, ainda no tempo do imperador Constantino, foi enfraquecido pelos arianos; pois naquela época, de coração enganoso, eles subscreveram habilmente que concordavam com os verdadeiros mestres católicos, o que na verdade não foi bem assim; surgindo uma grande divergência.

DXXI.
Os papistas tentam astuciosamente nos suprimir; eles pretendem que a reforma seja feita de uma forma que não devemos aceitar; se for por uma questão de paz para entrarmos em acordo com os papistas, também devemos suspeitar da pura doutrina de nossa igreja. Oh, não! Nenhum desses acordos é para mim. Se o imperador Carlos nomeasse um concílio nacional, até que pode haver alguma esperança, mas ele não vai prosseguir; os papistas não cederão, mas terão pleno poder sozinhos para determinar e finalizar. Se acontecer o meu concílio, todos nós nos levantaremos e deixaremos os papistas sentados sozinhos; pois o papa não terá autoridade sobre nós e sobre a nossa doutrina. Não precisamos de concílio por causa da Palavra de Deus, pois já é a verdade. Podemos muito bem designar e ordenar jejuns ou algo semelhante sem concílio, sem enredar as consequências que devem estar em liberdade e não perturbadas ou amarradas a isso. Cristo não instituiu jejuns através de leis, mas disse: Quando o noivo lhes for retirado, então jejuarão. Ele também disse: Vai, vende tudo o que tens. O jejum vem em seguida.

DXXII.
Os italianos são tão orgulhosos que não serão reformados pelos alemães, embora eles sejam convencidos com a verdade da Palavra de Deus. Muitas vezes pensei comigo mesmo sobre como poderíamos chegar a um acordo entre nós por meio de um concílio, mas vejo que nenhum meio pode ser encontrado. Pois se o papa reconhecesse suas falhas e admitisse seus erros grosseiros em um concílio, então ele perderia sua autoridade e poder; pois ele se gaba de ser o cabeça da igreja, a quem todos os membros devem obedecer; foi a partir daí que surgiu a reclamação do Concílio de Constança onde se mostrou acima do papa, destituindo-o. Se os papistas nos dessem lugar e cedessem no menor artigo, então os aros da guirlanda seriam quebrados e todo mundo gritaria: Não tem sido constantemente afirmado que o papa é o cabeça da igreja e não pode errar? Como então ele reconhece seus erros?

DXXIII.
Em um concílio é necessário dois tipos de vozes; a primeira, Vox consultiva vel deliberativa, isso é, quando o assunto é consultado e discutido sendo aberto a reis, príncipes e doutores, para que cada um dê sua opinião. A segunda eles chamam de vox decisiva, voz de decisão, quando concluem o que se devem acreditar e fazer; é a voz em que o papa e seus cardeais usurparam; pois são eles que decidem e concluem o que querem e agradam.

Um concílio deve ser o purgatório para purgar, limpar e reformar a igreja; para confirmar, fortalecer, preservar a doutrina pura, resistir e extinguir novos incêndios condenando as falsas doutrinas que surgem com pressão. Mas o papa faz do concílio um comício onde ele pode fazer novos decretos, ordens e estatutos relacionados com as boas obras diariamente.

DXXIV.
A Dieta Imperial realizada em Augsburg em 1530, é digna de todos os elogios; pois foi dali que veio o evangelho entre as pessoas de outros países contrário à vontade e expectativa do imperador e do papa. Deus designou a Dieta Imperial em Augsburg, pois os papistas aprovaram publicamente a nossa doutrina. Antes que essa Dieta fosse realizada, os papista haviam feito a cabeça do imperador para acreditar que a nossa doutrina era totalmente insignificante; e quando ele viesse para a Dieta, iria silenciar a todos nós para que nenhum de nós pudéssemos falar uma palavra sequer em defesa da nossa religião; mas esse plano caiu por terra, pois confessamos publicamente e livremente o Evangelho perante o imperador e todo o seu império, e confundimos nossos adversários da melhor maneira possível. O imperador discriminou com compreensão e discrição, e portou-se principesco nesta causa religiosa; ele nos viu de uma maneira muito diferente do que os papistas o informaram; e que não éramos pessoas ímpias, levando vidas perversas e ensinando contra a primeira e a segunda tábuas dos Dez Mandamentos de Deus. Por esta causa, o imperador enviou confissões e desculpas a todas as universidades; seu concílio também emitiu suas opiniões dizendo: “Se as doutrinas desses homens fossem contra a santa fé cristã, então sua majestade imperial deve suprimi-las com todo o seu poder. Mas se for apenas contra cerimônias e abusos, como parece ser, então deve ser encaminhado à consideração e julgamento de pessoas instruídas com bons e sábios conselhos.”

Óh! A Palavra de Deus é poderosa! Quanto mais é perseguida, mais e mais se espalha pelo mundo. Eu gostaria que a refutação papista pudesse aparecer para o mundo; pois eu colocaria aquela velha túnica rasgada e esfarrapada, e então alinhava-a para que seus pontos voem; mas eles evitam a luz. Desta vez, por doze meses, nenhum homem teria dado um tostão pelos protestantes de tão certo que os papistas ímpios estavam conosco. Pois quando o meu mui gracioso senhor e mestre, o príncipe eleitor da Saxônia, veio antes dos outros príncipes para a Dieta, os papistas ficaram maravilhados pois realmente acreditavam que ele não iria aparecer, porque como eles imaginaram, sua causa era muito ruim e suja para ser trazida à luz. Mas o que foi derrubado? A sua maior segurança foi dominada pelo maior medo porque o príncipe eleitor, como um príncipe justo, apareceu bem cedo em Augsburg. Os príncipes papistas partiram rapidamente para Inspruck onde mantiveram um sério concílio com o príncipe George e o marquês de Baden, e todos eles se perguntavam o que significava aquela abordagem tão precoce do príncipe eleitor à Dieta, e o próprio imperador ficou surpreso e duvidou que pudesse ir e vir em segurança; então os príncipes foram obrigados a prometer que ficariam pelo bem do imperador, um oferecendo seis mil cavalos, outro milhares de soldados de infantaria, etc., para que sua majestade pudesse ter melhor segurança. Então foi uma maravilha das maravilhas ver Deus ferindo com medo e covardia os inimigos da verdade. E naquela época o príncipe eleitor da Saxônia estava sozinho, sendo a centésima ovelha e a única de pé, pois as outras noventa e nove caíram e tremeram de medo. Quando eles chegaram no ponto e começaram a tomar as rédeas do negócio, apareceu uma pequena pilha de pessoas que ficou ao lado da Palavra de Deus. Mas aquela pequena pilha trouxe conosco um Rei forte e poderoso, um Rei acima de todos os imperadores e reis, a saber, Cristo Jesus, a poderosa Palavra de Deus. Então todos os papistas clamaram dizendo: Oh, é insuportável que um grupo tão pequeno e mesquinho de pessoas se coloque contra o poder imperial. Mas o Senhor dos Exércitos frustrou os concílios dos príncipes. Pilatos tinha poder para matar nosso bendito Salvador, mas voluntariamente não fez. Anás e Caifás teriam feito isso de bom grado, mas também não puderam.

O imperador, por sua vez, é bom e honesto; mas os bispos e cardeais papistas são sem dúvida um bando de canalhas. E visto que o imperador agora se recusa a banhar suas mãos com sangue inocente, os príncipes frenéticos se agitam, desprezam e condenam o bom imperador no mais alto grau. O papa, com sua fúria, está prestes a explodir em pedaços porque a Dieta deve ser dissolvida sem derramamento de sangue; portanto, ele envia a espada para o duque da Baviera com a intenção de tirar a coroa da cabeça do imperador e colocá-la na cabeça de Baviera; mas isso não vai se cumprir. Dessa maneira Deus ordenou as negociações e os reis, príncipes e até mesmo o papa caíram diante do imperador, e nós nos juntamos a ele, o que foi uma grande maravilha da providência de Deus, pois aquele a quem o diabo pretendia usar contra nós, Deus toma e usa para nós. Óh maravilha acima de todas as maravilhas!

 

Fonte: CRTA - Center for Reformed Theology and Apologetics - reformed.org
Tradução: Marcell de Oliveira


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