CONVERSAS À MESA (TISCHREDEN) PT. 19/47 - DOS PREGADORES E PREGAÇÃO


Categoria: Conversas à Mesa [Tischreden]
Imagem: Martinho Lutero (no centro) - eBiografia
Publicado: 20 de Janeiro de 2023, Sexta Feira, 18h26

CCCLXXXVIII.
Existem certos críticos dos servos de Deus dizendo: E se a Palavra e os Sacramentos forem corretos, como de fato são, quando o próprio Deus fala deles; mas acabam não sendo corretos quando um homem fala deles.

CCCLXXXIX.
A divindade consiste em uso e prática, não em especulação e meditação. Todo aquele que lida com especulações, seja em assuntos caseiros ou no governo temporal, sem prática, está completamente perdido e não é fidedigno. Quando um comerciante faz a contagem do seu lucro anual e não põe nada em prática, ele trabalha com vãs especulações e logo descobre que seus cálculos foram insuficientes. E assim também acontece com os teólogos especuladores como se vê até hoje, e sei disso por experiência.

CCCXC.
Nenhum homem deve empreender nada, a menos que seja chamado para isso. O chamado é duplo ou divino, que é feito pelo poder supremo ou pela fé; ou então é um chamado feito por amor, de igual para igual, quando alguém é solicitado por um amigo para pregar um sermão. Ambas as vocações são necessárias para assegurar a consciência.

CCCXCI.
Os jovens devem ser educados para aprender as Sagradas Escrituras; já aqueles que possuem conhecimento e que foram designados para o ministério então devem se apresentar e oferecer seu serviço; quando uma paróquia possui uma vaga, eles não devem se intrometer. É como uma donzela que se aproxima da fase de mulher ao receber um pedido de casamento, podendo assim se casar com uma boa e tranquila consciência para com Deus e o mundo. Impulsionar o próximo é se intrometer, mas quando há uma vaga na igreja e você dizer: Eu o suprirei de bom grado, se quiseres fazer uso de mim; então és recebido, é uma verdadeira vocação ou chamado. Essa foi a maneira de Isaías que disse: “Aqui estou, envie-me”. Ele voltou a si quando ouviu que eles precisavam de um pregador; e é assim que deve ser; devemos ver se as pessoas precisam de nós ou não, e então seremos chamados ou não.

CCCXCII.
Aos pobres é declarado o Evangelho, pois os ricos não o consideram. Se o papa não preservar o que tem, embora seja muito contra sua vontade, poderíamos até morrer de fome por falta de comida. O papa deve vomitar todos os bens roubados que ele engoliu, como diz Jó: ele deve dá-los àqueles a quem ele deseja mal. A quinquagésima parte é mal aplicada ao lucro da igreja; o resto ele descarta; obtemos apenas as migalhas sob a mesa. Mas temos garantia de melhores recompensas depois desta vida; e, verdadeiramente, se nossa esperança não estivesse ali fixada, seríamos os mais miseráveis de todos.

CCCXCIII.
Eu não aprovo pregadores atormentando seus ouvintes com pregações longas e tediosas, pois o prazer de ouvir desaparece e os pregadores acabam se ofendendo com isso.

CCCXCIV.
Alguém me perguntou: O que é melhor – lutar contra os adversários ou admoestar e fortalecer os fracos? Eu respondi: Ambos são muito bons e necessários, apesar do último ser um pouco preferível; os fracos, lutando contra os adversários, são edificados e superados – ambos são dons de Deus. Ele que ensina e fornece assistência; aquele que admoesta, atende a sua admoestação.

CCCXCV.
O Dr. Forsteim perguntou a Lutero de onde procedia a arte de falar tão poderosamente fazendo com que as pessoas tementes a Deus e também os ímpios se comovessem tanto? Lutero então respondeu: procede do primeiro mandamento de Deus: “Eu sou o Senhor teu Deus”; isto é, contra os ímpios sou um Deus forte e ciumento, já com os justos e piedosos, um Deus misericordioso; Eu faço bem e mostro misericórdia a eles, etc. Ele nos faz pregar o fogo do inferno para os orgulhosos e arrogantes, e o paraíso para os piedosos; reprovar os ímpios e confortar os bons, etc. Os instrumentos e as ferramentas de trabalho de Deus são diferentes, assim como uma faca que corta melhor que a outra. Os sermões do Dr. Cordatus e do Dr. Cruciger são levados mais a sério do que a pregação de muitos outros.

CCCXCVI.
O mundo pode tolerar todos os tipos de pregadores, exceto nós, a quem eles não ouvirão; nos tempos passados, eles foram forçados, sob o papado, a ouvir os tiranos e a carregar em seus ombros aqueles que os atormentavam em corpo e alma, em riqueza e honra. Mas nós, que por ordem de Deus os reprovamos, eles não ouvirão; portanto o mundo será destruído. Nós iremos desaparecer por causa da pobreza, mas os papistas por causa da punição; seus bens não são provados e são rejeitados por Deus.

CCCXCVII.
Um bom pregador deve ter essas propriedades e virtudes: em primeiro lugar, ensinar sistematicamente; em segundo lugar, deve estar pronto; em terceiro lugar, ele deve ser eloquente; em quarto lugar, ele deve ter uma boa voz; em quinto lugar, uma boa memória; em sexto lugar, ele deve saber quando terminar a pregação; em sétimo lugar, ele deve ter certeza da doutrina que está pregando; em oitavo lugar, ele deve se engajar de corpo e alma na Palavra; em nono lugar, ele deve aceitar as críticas e suportar as zombarias dos outros.

CCCXCVIII.
Os defeitos de um pregador são vistos rapidamente; um pregador pode ser dotado de dez virtudes e de apenas uma falha, e esta única falha obscurecerá todas as suas virtudes e dons, de tão mau é o mundo deste tempo. O Dr. Justus Jonas possui todas as boas virtudes e qualidades que um homem pode ter; no entanto, pelo simples fato de ele cantarolar e cuspir, o povo não o suporta aquele bom homem.

CCCXCIX.
A esposa de Lutero disse a ele: Senhor, eu ouvi seu primo, John Palmer, pregar na igreja paroquial esta tarde, quem eu entendi melhor do que o Dr. Palmer, embora o Doutor seja considerado um excelente pregador. Lutero respondeu: John Palmer prega como vocês, mulheres, que costumam falar o que vem em mente. Um pregador deve permanecer no texto e entregar o que está no texto para que as pessoas possam entendê-lo. Mas quando um pregador fala tudo o que vem em sua mente é como uma empregada que vai ao mercado e encontra uma outra empregada e, juntas, faz uma bancada de mercadorias.

CCCC.
Um pastor justo aprimora seu rebanho para edificação e o defende com toda forma de resistência; caso contrário, se ele se ausentar, o lobo virá e atacará as ovelhas, de preferencia aquelas mais gordas e bem mais alimentadas. Por isso que São Paulo insiste para Tito dizendo que um bispo, com a sã doutrina, precisa ser capaz de exortar e convencer seus opositores; isto é, resistir à falsa doutrina. Um pregador deve ser além de pastor, um soldado. Ele deve nutrir, defender e ensinar; ele precisa de dentes fortes para morder e lutar.

Existem muitos pregadores que falam demais, mas não há nada neles exceto apenas palavras; eles podem falar muito, mas não são justos na maneira de ensinar. O mundo sempre teve tais Thrasos, tais clamores gabantes.

CCCCI.
Não conheço um dom maior do que aquela harmonia na doutrina, de modo que em todos os principados e cidades imperiais na Alemanha, eles ensinam em conformidade conosco. Embora eu tivesse dons para ressuscitar os mortos, o que seria se todos os outros pregadores ensinassem contra mim? Eu não trocaria essa harmonia pelo império turco.

CCCCII.
Deus muitas vezes coloca sobre o pescoço dos clérigos arrogantes todo tipo de cruzes e pragas para humilhá-los; então eles passam a ser corretamente tratados; porque eles terão honras que, no momento, só pertence a Deus. Quando somos verdadeiros em nossas vocações, então colhemos honra suficiente não nesta vida, mas na vindoura; ali seremos coroados com uma coroa de honra incorruptível; cada um de nós possui uma coroa reservada. Aqui na terra não devemos buscar nenhuma honra, pois está escrito: Ai de ti quando os homens te abençoarem. Não pertencemos a esta vida, mas sim na outra que é muito melhor. O mundo ama o que é seu; devemos nos contentar com o que ele nos concede – escárnio, desrespeito e desprezo. As vezes me alegro que meus amigos estudiosos sintam prazer em me dar tais salários; Não é um desejo de honras e coroas aqui na terra, mas sim da compensação de Deus que irei receber, o justo juiz no céu.

Desde o ano de nosso Senhor 1518 até o presente, toda quinta-feira santa, lá em Roma, eu tenho sido excomungado pelo papa e lançado ao inferno; mas continuo vivo. Toda a quinta-feira santa de todos os anos, os hereges são excomungados em Roma, entre os quais eu sempre sou o principal. É isso que eles fazem nesse dia santo e abençoado ao invés de agradecer a Deus pelo grande benefício de sua santa ceia e por sua amarga paixão e morte. Esta é a honra e também a coroa que devemos receber neste mundo. As vezes Deus pode aceitar honras de médicos e advogados; mas esses sacerdotes Ele não tolerará; pois um pregador orgulhoso e ambicioso condena o próprio Cristo que com o seu sangue redimiu os pobres pecadores.

CCCCIII.
Um pregador precisa diferenciar quem são os pecadores, os impenitentes e confiantes, os desamparados e os penitentes; caso contrário, toda Escritura fica engessada. Quando Amsdorf estava pregando diante dos príncipes em Schmalcalden, com grande seriedade ele disse: O evangelho pertence aos pobres e desamparados, e não a vocês príncipes, nobres e cortesãos que vivem em contínua alegria e deleite, em segurança e vazio de toda tribulação.

CCCCIV.
Há um ódio contínuo entre o clero e os leigos, e há uma causa por trás; todo o povo é descontrolado, cidadãos comuns, nobreza, burguesia, além dos grandes príncipes; todos eles recusam a repreensão. Mas é o dever do pregador em reprovar todo aquele que mente, que peca abertamente, e ofende as duas tábuas dos mandamentos de Deus; a repreensão é algo penoso para eles ouvirem e acabam olhando para os pregadores com olhares cortantes.

CCCCV.
O melhor pregador é aquele que fala deliberadamente e lentamente; pois assim ele pode entregar seu sermão de uma maneira mais eficaz. Sêneca já chegou a escrever sobre Cícero, o modo que ele falava deliberadamente com o coração.

CCCCVI.
No Antigo Testamento, Deus chegou a enriquecer os sacerdotes Anás e Caifás que tiveram grandes rendimentos. Mas os ministros da Palavra, na qual é oferecida a vida eterna e a salvação pela graça, sofrem de fome e pobreza, de expulsões e perseguições.

CCCCVII.
Devemos nos direcionar na pregação de acordo com a condição dos ouvintes, pois é nesse ponto que a maioria dos pregadores falha, e acaba pregando o que pouco edifica ao povo carente. Pregar com clareza e simplicidade é uma grande arte: Cristo mesmo falava em cultivar a terra, em sementes de mostarda, etc.; Ele utilizava parábolas e semelhanças singelas.

CCCCVIII.
Quando um homem sobe ao púlpito pela primeira vez, com certeza ele deve ficar perplexo ao ver tantas cabeças diante dele. Quando estou lá, não foco em ninguém, e imagino um conjunto de blocos diante de mim.

CCCCIX.
Eu não aprovo pregadores usando o hebraico, o grego, entre outras línguas estrangeiras; na igreja precisamos falar como costumamos fazer em casa, na língua materna simples, com a qual todos estão familiarizados. Pode até ser adequado usar línguas estrangeiras com os mais instruídos, os juízes, os advogados, etc. O doutor Staupitz é um homem muito instruído, mas é um pregador cansativo; e eu mesmo vejo as pessoas preferindo ouvir um irmão simples que prega com clareza, do que ouvir as pregações do doutor Staupitz. Não devemos buscar por louvores e exaltações nas igrejas. São Paulo nunca usou palavras tão elevadas e pomposas como Demóstenes e Cícero, mas ele pregou apropriadamente com palavras apresentando assuntos elevados e pomposos. São Paulo se saiu muito bem.

CCCCX.
Se eu escrevesse sobre o fardo pesado que um pregador justo e piedoso precisa carregar e suportar, tendo como base minhas próprias experiências, tenho certeza que iria assustar todo homem que possui o desejo de pregar. Por outro lado, eu garanto que Cristo falará comigo amigavelmente no último dia, embora Ele tenha falado de uma maneira não muito gentil para comigo ultimamente. Trago sobre mim a malícia do mundo inteiro, o ódio do imperador, do papa e de toda a sua comitiva. Bem, em nome de Deus; já que eu estou incluso em muitas dessas listas, então vou lutar contra tudo isso. E eu sei que a minha briga e causa são justas e corretas.

CCCCXI.
É de suma importância a vocação de pregador; se o nosso próprio Senhor Deus não tivesse levado essa vocação adiante, haveria muito pouco ou quase nada de resultado. Os pregadores devem ser dotados de um grande espírito para servir as pessoas de corpo e alma, de riqueza e honra, sofrendo o maior dos perigos e ingratidões. Por isso que Cristo perguntou a Pedro por três vezes seguidos: “Pedro, tu me amas?” e, em seguida completou: “Alimente minhas ovelhas”; como estivesse dizendo: Pedro, se você quer ser um pregador justo e honesto com as almas, então você deve me amar; caso contrário, é impossível para ti ser um pastor justo e honesto; teu amor por mim deve fazer a ação.

CCCCXII.
Nosso modo de viver é tão perverso quanto o dos papistas. Wycliffe e Huss atacaram a conduta imoral dos papistas; mas me oponho à doutrinas deles. Afirmo com clareza que eles não pregavam a verdade. Para isso que fui chamado; pego o ganso pelo pescoço e coloco a faca em sua garganta. Já que tive a capacidade de mostrar que a doutrina papista é uma farsa, então também posso facilmente provar que seu modo de vida é mau. Pois quando a palavra é pura, o modo de vida, ainda que esteja errado, também é puro. O papa tirou a palavra pura e sua doutrina colocando no lugar uma outra palavra e doutrina, e as pendurou na igreja. Eu estremeci todo o papado neste único ponto que ensino honestamente sem nenhum tipo de mistura. Devemos levar adiante a doutrina para quebrar o pescoço do papa. O profeta Daniel retratou perfeitamente o papa, que ele seria um rei que faria um acordo com a sua própria vontade, isto é, não levaria em conta nem a espiritualidade e nem a temporalidade, mas diria categoricamente: Dessa maneira eu o terei. Pois o papa não direciona sua instituição no direito divino e nem no direito humano; ele é uma criatura humana e intrusa auto-escolhida. O papa precisa confessar que não governa por ordem divina e nem por ordem humana. Daniel o chama de deus, Maosim; ele quase falou claramente a multidão, cuja palavra está escrita, Deut. xxvi. São Paulo leu Daniel e quase usa suas palavras onde diz: O filho da perdição se exaltará acima de tudo, etc., 2 Tess. ii.

CCCCXIII.
A humildade dos hipócritas está acima de todos os orgulhos, como a do fariseu que se humilhou e deu graças a Deus, mas logo estragou tudo quando disse: “Não sou como os outros, etc., nem como este publicano”. Há pessoas que são esnobes condenando as opiniões dos outros; eles não aprovam nada, apenas o que lhes agradam.

CCCCXIV.
O pregador ambicioso é o pior veneno para a igreja. É um fogo consumidor. A Sagrada Escritura ensina que devemos destruir os desejos da carne; portanto, não devemos buscar por honra temporal. Eu me espanto ao ver o orgulho e a arrogância das pessoas e por qual motivo elas são assim; nascemos em pecado e podemos morrer a qualquer momento. Temos orgulho das nossas próprias feridas e cicatrizes? Nós que somos totalmente impuros.

CCCCXV.
A honra pode ser buscada em Homero, Virgílio e Terêncio, e não nas Sagradas Escrituras; pois Cristo diz: “Santificado seja teu nome – não nosso, mas teu seja a glória”. Cristo nos incumbe de pregar a Palavra de Deus. Nós, pregadores presentes neste mundo, devemos ser estimados como injusti stulti, até o fim; Deus seja justus, sapiens, et misericors; esse é o seu título que ele não dividiu com nenhum outro. Quando reconhecermos Deus, seu nome, seu reino e sua vontade, então ele nos dará o pão nosso de cada dia, perdoará os nossos pecados e nos livrará do diabo e de todo o mal. Apenas sua honra ele terá para si mesmo.

CCCCXVI.
Seria sensato que eu tivesse algum descanso e paz na minha velhice, mas aqueles que deveriam estar do meu lado, agora caem sobre mim. Já tenho maldições suficientes com meus adversários, então os meus irmãos não deveriam me irritar. Mas quem é capaz de resistir? São pessoas jovens e vigorosos, mas vivem na ociosidade; agora estou velho e tive muito trabalho e dores. Nada causa mais orgulho a Osiander do que sua vida ociosa; pois ele prega apenas duas vezes por semana, mas tem um salário anual de quatrocentos florins.

CCCCXVII.
Deus com sua maravilhosa sabedoria nos tirou da escuridão dos sofistas, e me lançou do jogo depois de quase vinte anos. A princípio eu era frágil quando comecei a escrever contra os erros grosseiros das indulgências. Naquela época, o doutor Jerome se opôs à mim e disse: O que você vai fazer se eles não tolerar isso? Então eu disse que eles terão que tolerar.

Logo depois veio Sylvester Prierio que entrou na fila; ele relampejou e trovejou contra mim usando seus silogismos dizendo: Todo aquele que duvida de qualquer sentença ou ato da igreja romana é um herege, Martinho Lutero duvida disso; logo ele é um herege. Então continuou dizendo que o papa faz uma tríplice distinção da igreja. Primeiro um substancial, ou seja, o corpo da igreja. Em segundo lugar, uma igreja significativa, ou seja, os cardeais. Em terceiro lugar, uma igreja operativa e poderosa; isto é, o próprio papa. Nenhuma menção é feita a um concílio, pois o papa é visto como a própria igreja que está acima dos concílios e da própria Sagradas Escrituras.

CCCCXVIII.
A grande maioria dos nossos auditores é epicurista; eles avaliam a nossa pregação conforme acham bom, e acabam tendo dias fáceis.

Os fariseus e os saduceus eram inimigos de Cristo, mas o ouviram de bom grado; os fariseus estavam loucos para prendê-lo; os saduceus o zombavam com todas as suas forças. Os fariseus são os nossos frades; os saduceus a nossa nobreza, cidadãos e camponeses; nossos cavalheiros nos ouvem e nos aceitam, mas farão apenas o que parece bom; isto é, eles permanecem epicuristas.

CCCCXIX.
Um pregador deve ter lógica e retórica, ou seja, deve ser capaz de ensinar e admoestar; quando ele prega sobre um artigo é necessário distingui-lo. Em seguida, o pregador precisa definir, descrever e apresentar o assunto. Em terceiro lugar, o pregador precisa produzir sentenças das Escrituras, para assim poder provar e fortalecer o que está escrito. Em quarto lugar, ele deve levantar exemplos ou hipóteses para uma boa explicação. Em quinto lugar, o pregador deve enriquecer o assunto com semelhanças para assim poder admoestar e despertar os preguiçosos, reprovar os desobedientes e condenar todas as doutrinas falsas e seus autores; tudo isso tem que ser feito não por malícia, mas para a honra de Deus, o lucro e a saúde salvadora do povo.

CCCCXX.
“Seus padres ensinam por aluguel”. Há alguns que abusam dessa sentença, lançando-a contra os pregadores e mestres justos e piedosos, como se não fosse certo que recebessem o salário ordenado para os ministros da igreja com o qual devem viver. Eles produzem a frase em que Cristo diz: “De graça recebestes, de graça dai.” Eles apontam também o exemplo de São Paulo que se manteve pelo trabalho de suas mãos a fim de não ser um fardo para a igreja.

Essas acusações contra os pregadores procedem de Satanás que é um inimigo mortal. Esses ímpios que alimentam os ouvidos dos mais simples com tais discursos, não só levam a condenação dos pregadores, mas também impedem o avanço das pregações; considerando que eles devem, com toda a diligência, esforça-se para que os ministros possam novamente ser restaurados à sua honesta dignidade por causa da Palavra.

É verdade que Cristo disse: “De graça recebestes, de graça dai;” pois ele é o objetivo principal da pregação para ser direcionado apenas à honra de Deus e à salvação do povo; mas não procede a ideia que seja contra Deus que a igreja mantenha seus ministros, aqueles que verdadeiramente são fieis à Palavra; mas é contra a Deus e todo o Cristianismo manter ministros que omitem a causa final e que focam apenas no salário, ou visam apenas no lucro, e não procedem da maneira correta no ofício de ensino.

Assim como os ministros da igreja, por ordem de Deus, têm o dever de buscar e promover a honra de Deus, a saúde salvadora e a salvação do povo com doutrina verdadeira, assim também a igreja possui a ordem de Deus para manter seus ministros com cuidados e cestas básicas; pois Cristo também diz: “Todo trabalhador é digno de seu salário”. Então se um ministro ou pregador é digno de receber seu salário, nenhum homem deve lançar seus dentes contra ele. São Paulo se expressou com clareza a respeito: “O Senhor também ordenou que aqueles que pregam o evangelho, vivam o evangelho”. Ele assume o ofício da lei e diz: “Não sabeis que aqueles que ministram sobre as coisas sagradas vivem das coisas do templo? E os que esperam junto ao altar são participantes do altar.” Além disso, ele faz uso de uma semelhança muito boa dizendo: “Quem vai à guerra a qualquer momento por conta própria? Quem planta uma vinha e não come do seu fruto?” Mas observe especialmente a comparação que ele faz em sua epístola aos coríntios: “Se nós semearmos para vocês coisas espirituais, é um grande problema se colhermos suas coisas carnais?” De fato, todo cristão, especialmente aqueles que possuem um ofício na igreja, ministros e pregadores, devem se comportar de uma maneira para não cair na ganância e ambição; não deve ser visto como errado o receber da igreja, visto que é necessário para a manutenção do corpo.

Portanto, nenhum homem deve se ofender com o fato dos governantes justos proverem as igrejas, mantendo honestamente seus verdadeiros ministros; lamentamos que a maioria dos príncipes e governantes negligencie a verdadeira e pura religião, e não providencie para nossos filhos e posteridade, de modo que, por meio de tal mesquinhez, não haverá muitos ministros indoutos.

CCCCXXI.
A Escritura requer corações humildes que buscam a Palavra de Deus em honra, amor e valor, e que oram sem cessar: “Senhor, me ensine os teus caminhos e estatutos.” Mas o Espírito Santo resiste aos soberbos e não habita neles. Muitas pessoas estudam as Sagradas Escrituras, ensinam e pregam a Cristo justamente, mas quando elas tornam-se orgulhosas, o próprio Deus as exclui de sua igreja. Portanto, todo espírito orgulhoso é um herege, não em suas ações, mas diante de Deus.

Por outro lado, é bem difícil para alguém que tem um dom e qualidade bem superior ao próximo não ser arrogante, orgulhoso, presunçoso e não condenar o próximo; Então Deus permite que aqueles que têm grandes dons caiam várias vezes em pesadas tribulações para que possam aprender que, quando Deus se ausenta, eles não possuem nenhum valor. São Paulo foi constrangido com o espinho que carregava em seu corpo para impedi-lo da arrogância. E se Philip Melanchthon não fosse de vez em quando atormentado, ele ensinaria conceitos estranhos.

CCCCXXII.
Eu aprendo muitas coisas nas minhas pregações sobre o que é o mundo, a carne, a malícia e a maldade do diabo, tudo o que não podia ser conhecido antes da revelação e da pregação do Evangelho, pois até então eu pensava que havia apenas dois pecados a intemperança e a luxúria.

CCCCXXIII.
No tribunal algumas regras devem ser observadas: devemos chorar em voz alta e acusar; pois nem o Evangelho e nem a modéstia pertencem ao tribunal; devemos ser duros e colocar nossos rostos como pederneiras; devemos, em vez de Cristo que é brando e amigável, colocar Moisés com seus chifres na corte. Portanto, eu aconselho meus capelães e ministros a reclamar no tribunal de seus desejos, misérias, pobrezas e necessidades; pois eu mesmo preguei sobre o mesmo perante o príncipe eleitor que é bom e piedoso, mas seus cortesãos fazem o que bem entendem. Philip Melanchthon e Justus Jonas foram recentemente questionados na corte pelo bem do mundo; mas eles responderam: Lutero tem idade suficiente para saber como e o que pregar.

CCCCXXIV.
Malditos são todos os pregadores na igreja que almejam coisas altas e difíceis, que não se preocupam com a saúde salvadora dos mais pobres e leigos, buscando cada um a sua própria honra, louvor e agradando apenas uma ou duas pessoas ambiciosas.

Eu prego com tamanha profundeza. Não dou muita atenção aos médicos e nem aos magistrados dos quais estão aqui nesta igreja acima de quarenta; estou de olho mais na multidão de jovens, crianças e servos que são mais de dois mil. Eu prego para aqueles que mais se dirigem a mim para ouvir. O resto não me ouvirá? A porta está aberta para eles; e se quiserem podem até ir embora. Vejo que a ambição dos pregadores vem aumentando constantemente; isso pode causar um maior dano na igreja produzindo grande inquietação e discórdia; pois eles vão ensinar assuntos importantes visando no louvor e honra para si mesmos; e agradarão aos sábios mundanos esquecendo da multidão simples e leiga.

Um pregador íntegro, piedoso e verdadeiro deve dirigir sua atenção aos mais simples e leigos, como uma mãe que, com paciência, acalma e brinca com seu filho, oferecendo-lhe o leite materno sem precisar da malvasia e nem da muscadina para isso. Os pregadores devem se comportar dessa maneira, ensinando e pregando com clareza, para que as pessoas simples e leigas possam compreender e reter o que é ensinado. Se caso eles vierem até a mim, a Melancthon, ao Dr. Palmer, etc., deixe-os mostrar sua astúcia, de quão eruditos eles são; eles devem apresentar bem seus trunfos. Mas semear o hebraico, o grego e o latim em seus sermões públicos, aí tornam-se poupadores de exibição.

CCCCXXV.
No Salmo está assim registrado: A voz deles se espalhou para o mundo inteiro. E São Paulo diz aos Romanos: “O som deles se espalhou por toda a terra”, que é tudo a mesma coisa. Muitas frases estão na Bíblia nas quais São Paulo as observou na tradução da Septuaginta, pois ele não os condenou; pois quando ele pregava para os gregos, ele foi levado a pregar na língua que eles entendiam.

Desta forma, São Paulo usou a seguinte frase, 1 Cor. XV.: “A morte é tragada pela vitória”, enquanto no hebraico é “no fim”; todos carregam o mesmo sentido. São Paulo era muito rico e fluente em palavras; uma de suas palavras contém três orações de Cícero, ou a totalidade de Isaías e Jeremias. Óh! Ele era um excelente pregador e não foi em vão de ter sido chamado de vas electum. Nosso Senhor Deus disse: Darei ao mundo um pregador que será precioso. Nunca houve ninguém que compreendeu o Antigo Testamento tão bem quanto São Paulo, exceto João Batista e João, o Divino. São Pedro também se destaca. São Mateus e os demais descrevem bem as histórias que são extremamente necessárias; mas em relação aos assuntos e palavras do Antigo Testamento eles não chegaram a mencionar o que está expresso nele.

São Paulo traduziu muito do hebraico para o grego, o que ninguém foi capaz de fazer; quando lidava com um capítulo, ele geralmente expõe quatro, cinco ou seis capítulos. Oh, ele tinha uma grande admiração por Moisés e Isaías, pois eles, junto com o rei Davi, eram os principais profetas. As palavras de São Paulo eram tiradas desses grandes profetas.

Os jovens teólogos devem estudar o hebraico a fim de serem capazes de comparar as palavras gregas e hebraicas, e discernir suas propriedades, natureza e força.

 

Fonte: CRTA - Center for Reformed Theology and Apologetics - reformed.org
Tradução: Marcell de Oliveira


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