O FORMALISMO DEPOIS DA REFORMA (1529-1530) NA PERSPECTIVA DE A. KNIGHT E W. ANGLIN


Categoria: Historiografia
Imagem: The Protestant Reformation created a rift in the Christian faith (Credit: Emile Delperée / Wikipedia) - bigthink.com
Publicado: Originalmente publicado em Agosto/2008 e republicado no dia 07 de Agosto de 2021, Sábado, 18h45

A Política e a Reforma
Vamos agora tratar deste importante período, que foi previsto na carta à igreja de Sardo, no Apocalipse, e devemos ter muito cuidado em distinguir entre a obra da Reforma e o formalismo morto que se desenvolveu a par dela, pois que logo que experimentaram bem o poder emancipador das doutrinas reformadas, aqueles que as tinham abraçado, esquecendo a suficiência do seu Cabeça que estava no Céu, e receando novos assaltos da parte de Roma, colocaram-se sob a proteção dos magistrados civis. Satisfeitos com esta segurança, entregaram-se imediatamente ao gozo dos seus novos privilégios, e em pouco tempo tinham caído num estado deplorável de inércia e torpeza espirituais. As palavras do Espírito à igreja que está em Sardo são estas: “Eu sei as tuas obras, que tens nome de que vives, e estás morto. Sê vigilante, e confirma o resto que estava para morrer; porque não achei as tuas obras perfeitas diante de Deus. Lembra-te pois do que tens recebido, e guarda-o, e arrepende-te” (Ap 3.1-3).

Todos os historiadores concordam em que o segundo Conselho da Spires marca o começo do protestantismo, mas talvez nem todos haviam de concordar com a seguinte opinião que, não obstante, merece a nossa consideração: “Na Reforma“, diz Kelly, “ao fugirem do papismo, os cristãos caíram no erro de pôr a igreja nas mãos dos magistrados civis, ou fizeram a própria igreja depositária desse poder; enquanto que Cristo, pelo seu Espírito, deve ainda exercer o ofício de Senhor da Igreja“.

O protestantismo errou, desde o princípio, no ponto eclesiástico, porque considerava o chefe civil como aquele em cujas mãos estava investida a autoridade eclesiástica, de modo que, se a Igreja tivesse sido, sob o papismo, o chefe do mundo, o mundo ter-se-ia tornado, sob o protestantismo, o chefe da Igreja. O leitor pode estranhar, à primeira vista, o que fica dito; mas estamos persuadidos de que, meditando e orando, há de chegar a igual conclusão.

Proteção dos Príncipes ao Movimento
A reforma alemã não começou pelas classes mais baixas, como aconteceu na Suíça. Na Alemanha os príncipes puseram-se à frente, ajudando a causa, e adotando as opiniões dos reformadores, mas quando os luteranos começaram a sentir seriamente a necessidade de uma constituição eclesiástica para as igrejas, em vez de seguirem as instruções da Palavra de Deus, adotaram para seu uso um sistema de leis e princípios que o príncipe de Hesse coordenou. E assim as igrejas reformadas tiveram logo uma constituição puramente humana e política.

O bondoso príncipe de Saxônia Frederico, o Sábio, morreu no ano 1525, e o seu sucessor João, um luterano valente, deu um grande impulso à obra da Reforma. Como um meio de reprimir a autoridade do papa, assumiu uma completa jurisdição em matéria religiosa, demitindo homens incompetentes e preenchendo os lugares destes com luteranos piedosos e aprovados. Outros príncipes seguiram seu exemplo, introduzindo na igreja sistemas de governo que eram meramente organizações humanas, e assim se estabeleceram as primeiras igrejas luteranas. Sempre que se tomem medidas precipitadas em matérias de importância há de se encontrar oposição. Até aqui a moderação de Frederico tinha conservado os partidos católicos e luteranos até certo ponto, porém as medidas enérgicas e extremas do seu sucessor alarmaram os príncipes católicos, que formaram uma aliança entre si para reprimir o progresso das doutrinas reformadas nos seus respectivos territórios. A separação tornou-se irremediável. Uma grande parte da Saxônia, o antigo distrito de frisões, e as colônias orientais de Alemanha eram agora protestantes; enquanto que a Áustria, Baviera, e os bispados alemães do Sul conservaram a velha religião. A guerra civil parecia inevitável, mas os pormenores desta contenda pertencem mais à história política do que à eclesiástica, e por isso não nos ocuparemos com eles.

O Imperador Resolve Convocar Outro Conselho
Quanto ao imperador, havia muito que ele tinha na sua ideia reunir um Conselho com o fim de se certificar, ele próprio, pela boca dos principais protestantes, quais eram as razões por que eles se separavam da antiga igreja.

O papa, que ainda se lembrava do procedimento dos Conselhos de Worms e Spires, opôs-se a isso, e aconselhou medidas enérgicas. “As grandes congregações“, dizia ele, “só servem para introduzir opiniões populares. Não é com decretos de concílios, mas com a ponta da espada que devemos decidir as controvérsias“. Carlos prometeu refletir sobre este conselho, mas, depois de vacilar por algum tempo entre as duas opiniões, optou pela sua, e convocou um conselho em Augsburgo. Logo que se conheceram as razões do imperador para convocar o conselho, os protestantes prepararam uma fórmula de confissão para ser submetida. Foi escrita por Melanchton, e nela se enumeravam claramente as principais doutrinas dos reformadores, sendo a matéria fornecida principalmente por Lutero que leu o documento e deu-lhe a sua aprovação, dizendo: “Eu nasci para ser um rude polemista; limpo a terra, arranco o joio, encho os fossos e endireito as estradas. Mas quanto ao edificar, plantar, semear, regar, embelezar o campo, isso pertence, pela graça de Deus, a Felipe Melanchton“. O documento foi chamado “Confissão de Augsburgo”.


Apresentação da Confissão de Augsburgo / Fonte: teologiaeliturgialuterana.blogspot.com

Encontro do Imperador com os Príncipes
No dia 15 de junho de 1530, o imperador entrou em Augsburgo com uma comitiva importante. Os príncipes protestantes, apeando-se dos seus cavalos, foram ao seu encontro, e Carlos, com uma amabilidade igual à lealdade deles, também se apeou e estendeu cordialmente a mão a cada um deles, por sua vez. No entanto, o legado papal, o cardeal Campeggio, ficou imóvel na sua mula (parecendo haver entre eles na verdade, alguma afinidade), mas vendo que tinha cometido um erro, procurou remediá-lo lançando a bênção aos príncipes reunidos. Quando levantava as mãos para esse fim o imperador e a sua comitiva ficaram de joelhos, mas os príncipes protestantes conservavam-se de pé. Esta circunstância não tinha sido prevista, e os do partido do papa ficaram um tanto perplexos com o incidente. Mais tarde havia de se dizer uma missa na capela de Augsburgo, para solenizar a abertura do Conselho, e os protestantes ganharam mais uma vitória recusando-se a assistir a ela. Mas o astuto prelado ainda se não deu por vencido. O príncipe de Saxônia, como marechal do Império, era obrigado em tais ocasiões a ir à frente do imperador, de espada na mão, e o cardeal apresentou a ideia de que Carlos lhe ordenasse que cumprisse com o seu dever na missa do Espírito Santo, que devia preceder à abertura das seções. O príncipe concordou em assistir, mas deu a entender ao imperador que era unicamente no desempenho de um cargo civil. Ao legado estava reservado sofrer mais um desengano. A elevação da hóstia toda a congregação caiu de joelhos em adoração, mas o príncipe conservou-se de pé.

Abertura do Conselho
A abertura do conselho teve lugar no dia 20 de junho, e o imperador presidiu a ela. Imaginava-se que se trataria do assunto de religião antes de qualquer outro, mas pouco se fez nesse dia; e a leitura da “Apologia” – outro nome dado à “Confissão” – foi marcada para o dia 24.

A grande esperança dos católicos era que os protestantes não tivessem oportunidade de expor a sua causa publicamente, e no dia 24 fizeram tudo quanto estava ao seu alcance – prolongando os outros assuntos do dia – para demorar a leitura da Confissão até ser tarde demais para isso.

Foi extraordinário o tempo que o cardeal levou a apresentar as suas credenciais, e a entregar a mensagem do papa. Por seu lado o imperador também foi muito minucioso a pedir pormenores das devastações dos turcos na Áustria, e da captura de Rhodes. Assim se gastaram momentos preciosos até quase a hora de encerrar a sessão. Então fez-se notar que já era tarde demais para a leitura da Apologia. “Entregai a vossa confissão aos oficiais competentes,” disse Carlos, “e ficai certos de que responderemos a ela depois de ser devidamente ponderada“.

Mas aqui levantou-se uma certa oposição. Nunca ocorreu a Carlos que a sua jurisdição não se estendia às consciências dos seus súditos, nem que ele estava excedendo a sua prerrogativa pelas suas evasivas e artifícios, e não estava preparado para a resposta que recebeu. “A nossa honra está em perigo“, disseram os príncipes, “e as nossas almas também; somos acusados publicamente e é publicamente que devemos responder“. Que se havia de fazer? Os príncipes mostraram-se respeitosos, mas também firmes e intransigentes. “Amanhã“, replicou o imperador, “ouvirei o vosso sumário – não nesta sala, mas na capela do palácio Paladino“.

No dia seguinte – dia memorável na história do Cristianismo -, os chefes protestantes apresentaram-se perante o imperador. Havia duas cópias da Confissão, uma em latim, outra em alemão. Carlos desejava que se lesse a cópia latina, porém o príncipe lembrou-lhe que estavam na Alemanha, e não em Roma, e que, portanto, devia ser permitido talar em alemão. A sua proposta admitiu-se, e o chanceler Bayer levantou-se do seu lugar e leu a Confissão de um modo vagaroso e claro, sendo ouvido a uma distância considerável. Esta leitura levou pouco mais ou menos duas horas, e Pontano, um reformador notável, entregou as duas cópias da Confissão ao secretário do imperador, dizendo: “Como a graça de Deus, que há de defender a sua Causa, esta Confissão há de triunfar contra as portas do Inferno“.

Resultado da Leitura da Apologia
O efeito que a leitura da Confissão produziu no público foi o mais animador possível. A extrema moderação dos protestantes era a admiração de muitos; e, diz Sekendorf: “Muitas pessoas sumamente ilustradas fizeram um juízo muito favorável do que tinham ouvido, e declararam que não teriam deixado de ouvi-lo nem por uma grande soma“. “Tudo quanto os luteranos disseram é a verdade“, disse o bispo de Augsburgo, “não o podemos negar“. E testemunhos destes havia muitos. O duque de Baviera disse ao Dr. Eck, o maior campeão de Roma na Alemanha: “O doutor tinha-me dado uma ideia muito diferente desta doutrina e deste negócio, mas, no fim de contas, pode porventura contradizer com razões boas a Confissão feita pelo príncipe e seus amigos?” – “Não pelas Escrituras“, replicou Eck, “mas pelos escritos dos padres da Igreja e dos cânones dos concílios podemos“. “Então já entendo“, respondeu o duque, censurando, “os luteranos tiram a sua doutrina das Escrituras e nós achamos a nossa fora das Escrituras“.

 

Fonte: A História do Cristianismo - Dos Apóstolos do Senhor Jesus Cristo ao Século XX, A. Knight & W. Anglin, Ed. CPAD


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