LEGADOS DA REFORMA NA PERSPECTIVA DO HISTORIADOR CARTER LINDBERG


Categoria: Historiografia
Imagem: Escultura de Martinho Lutero - Educa+ Brasil
Publicado: 07 de Março de 2018, Quarta Feira, 18h14

Separados por séculos distantes, abismos de morte e reinos decadentes, ouvimos;
mas não é fácil entender tudo.

Thomas Carlyle (1795-1881)

– CONFESSIONALIZAÇÃO
Uma das consequências mais óbvias da Reforma foi a divisão do catolicismo medieval em diversas Igrejas; a historiografia recente rotulou o processo pelo qual essas diversas comunidades estabeleceram sua própria identidade de “confessionalização”. Na erudição alemã, o termo tornou-se paradigma de história social. Confessionalização “designa a fragmentação da cristandade unitária (Christianitas latina) da Idade Média em ao menos três Igrejas confessionais: luterana, calvinista (ou “reformada”) e católico-romana pós-tridentina. Cada qual formou um sistema altamente organizado, inclinado a monopolizar a visão do mundo com respeito ao indivíduo, o Estado e a sociedade, e a estabelecer normas estritamente formuladas na política e moralidade” (Schilling, 1986, p. 22; 1992: Capítulo, 5). A teoria da “confessionalização” diz respeito ao conceito de “disciplina social”. Nessa visão, as Igrejas mencionadas se sujeitaram ao “Estado” e uniram forças com governos locais, no fim do século XVI, com o objetivo de educar e disciplinar as pessoas em suas respectivas confissões. A historiografia francesa análoga usa termos formulados por Jean Delameau, Robert Muchembled e Michel Foucault, como “cristianização”, “aculturação” e “governamentalismo”. Distinguindo-se da historiografia alemã, eruditos franceses falam da aculturação pela elite (isto é, “elitismo”). Considera-se, assim, que a população da Europa medieval, em sua maioria “pagã”, tenha sido progressivamente “cristianizada”, sujeitada à disciplina cristã pelas ações conjuntas de Igreja, Estado e camadas sociais privilegiadas. Desde 1550 a 1750 uma abordagem de cima para baixo criou na Europa um novo tipo de sociedade pela “inculcação” catequética das Igrejas, pela vigilância moral e regulamentação da vida diária (Schmidt, 2000. p. 24-7). Um exemplo do lado protestante é Estrasburgo, que lutou para regular a vida diária em termos de aplicação do evangelho. Fiéis desejavam purificar sua comunidade de vícios como prostituição, jogos de azar, blasfêmia e xingamento: todos os aspectos da vida tinham que se amoldar à lei de Deus como fruto da salvação pela graça. O movimento não tinha a intenção de separar, de forma acentuada, o mundo secular de uma Igreja concebida como um espaço puramente espiritual, porém, previa uma reforma que abrangia a totalidade da vida humana e a sacralização do mundo. A aplicação governamental da moralidade não confiava, assim, apenas na espada, mas também na pregação do evangelho (Schmidt, 2000, p. 39-40).

Em sua revisão dos aspectos positivos e negativos dessa historiografia, Lotz-Heumann (2008, p. 136-57, aqui 151) dá crédito ao conceito de confessionalização por sua abrangência:

A confessionalização integra desenvolvimentos políticos, sociais e culturais, analisa sua interação e, como um conceito evolucionário, concentra-se em processos de construção cultural e (tentativa de) difusão social. Pesquisas recentes mostram que o processo de confessionalização se estendeu até boa parte do século XVIII. Eruditos podem, portanto, fazer perguntas como: ‘Qual a relação entre confessionalização e secularização?’ Ou então, por um ângulo diferente, avaliar o conceito não a partir de uma tese macro-histórica, mas como um problema de pesquisa que se detém detalhadamente em processos e agentes que construíram significado religioso e secular no início do período moderno.

Benedict (2002b, p. 50) também questiona se teorias da confessionalização “não se preocupam demais em relacionar todo desenvolvimento inicial do período moderno em relação à metanarrativa do crescimento do Estado moderno”.

Enquanto o paradigma da confessionalização nos serve de lembrete útil quanto ao papel da religião no desenvolvimento sociopolítico do fim do século XVI, é importante lembrar também que tais efeitos são evidentes desde o início. Desde cedo, comunidades protestantes começaram a desenvolver sua própria identidade sociocultural, informada por teologias específicas, pela hostilidade de uma para com a outra e antipatia com relação à antiga fé. O catolicismo, delimitado agora pelo adjetivo “romano”, fez o mesmo. Tentativas intramurais do fim da Idade Média em reformar a Igreja tornaram-se exercícios extramurais de autodefinição. Nesse processo, a fluidez dos primórdios da Reforma ficou cada vez mais rígida à medida que cada comunidade construía uma identidade modelada a partir de sua própria confissão, diferente de outras.

Decisões do Concílio de Trento acerca de tópicos como justificação, Escritura e os sacramentos tornaram tão definitivas as divisões surgidas na Reforma que a esperança de uma Igreja reunificada só começaria a borbulhar outra vez durante o movimento ecumênico do século XX. Mesmo assim, questões relacionadas ao século XVI, como indulgências, autoridade papal e justificação continuam a suscitar controvérsias. O trabalho de uma década (1965-99) da Comissão Bilateral Católico-Luterana – que culminou na assinatura da “Declaração Conjunta Sobre a Doutrina da Justificação” – estabeleceu áreas de comum acordo e esclareceu posições que continuam em desacordo, inflamando, ao mesmo tempo, um protesto escrito contra o documento por cerca de 250 teólogos luteranos alemães. Além disso, os acordos geraram um turbilhão de publicações e websites a favor e contra. Enquanto isso, os dois papas mais recentes, João Paulo II e Bento XVI, continuam a emitir indulgências plenárias (150o aniversário de Lourdes, 2007; “Ano Jubilar dedicado a São Paulo”, 2008; Dia Mundial da Juventude, 2008; et al.). Por isso, um estudo de 2008 realizado por Reinhard Brandt critica a doutrina católica da indulgência, ensinada ainda hoje, com o título sagaz: Lasst ab vom Ablass: Ein evangelisches Plädoyer (“Desistam das indulgências: um apelo evangélico”). Estudos intensivos e extensivos do movimento moderno ecumênico estão além do escopo do nosso texto; no entanto, podemos ao menos mencionar que um dos pontos principais de contenda, responsável por controvérsias e divisões durante a Reforma – a Ceia do Senhor – tem sido foco de diálogo e reconciliação crescentes. Em 1973, consenso teológico e comunhão eucarística foram estabelecidos, na Europa, entre boa parte das igrejas luteranas, reformadas e unidas com a Concórdia de Leuenberg. O acordo, por sua vez, proveu a base para uma declaração de comunhão plena, Um chamado comum (1997), entre a Igreja Evangélica Luterana dos Estados Unidos, a Igreja Presbiteriana (Estados Unidos), a Igreja Reformada dos Estados Unidos e a Igreja Unida de Cristo.

Quando da conclusão do Concílio de Trento, a recordação que a segunda geração de reformadores tinha de uma Igreja “santa, católica e apostólica” estava sendo eclipsada por confissões doutrinárias e por impressões vívidas de mártires e confessores de sua própria comunidade particular. Lealdade aos “pais” da Igreja significava, cada vez mais, lealdade às confissões de fé da geração anterior. O diálogo entre as igrejas consistia, em grande medida, em condenação e anátema mútuos. Felipe Melanchthon refletiu sobre a intensidade e rancor desses conflitos teológicos ao suspirar aliviado, em seu leito de morte, que finalmente estava a ponto de se livrar das rabies theologorum – a “loucura dos teólogos”. Essa “loucura” contribuiu com as atrocidades cometidas na Guerra dos Trinta Anos (1618-48).

A competitividade entre as Igrejas levou a um tipo de mentalidade de cerco. Teólogos protestantes ficaram tão envolvidos na construção de sistemas teológicos como forma de proteção e bloqueio de ideias alternativas que o fim do século XVI e o início do século XVII vieram a ser conhecidos como o período da ortodoxia ou escolasticismo protestante. Luteranos e calvinistas formularam teorias de inspiração verbal e plenário a fim de salvaguardar, por um lado, a autoridade única da Escritura contra o uso católico-romano da tradição e, por outro, contra o uso da experiência e da “luz interior”, defendida por dissidentes. O entendimento original dos reformadores quanto à fé como confiança na promessa de Deus mudou, no calor da batalha, para fé em termos de consentimento intelectual à doutrina correta. Como resultado, elaboraram-se esquemas altamente racionalizados da salvação, exemplificados pela tabela de eleição e reprovação desenvolvida pelo puritano elisabetano William Perkins (1558-1602) (Hinson, 1976, Capítulo 7; Muller, 1978) e pelo Baixos. O sínodo também é conhecido como “sínodo TULIP” [tulipa] porque os decretos nele estabelecidos podem ser organizados de modo a formar o acrônimo que remete à famosa flor holandesa: total depravation [depravação total], unconditional election [eleição incondicional], limited salvation [salvação limitada] e perseverance of the saints [perseverança dos santos].

Protestantismo e catolicismo racionalistas e presos a um credo contribuíram politicamente para o desenvolvimento e a consolidação dos primórdios do Estado moderno e à sua concomitante imposição de disciplina social. Intelectualmente, contribuíram ao racionalismo, deísmo e devocionismo que alimentou o Iluminismo dos séculos XVIII e XIX. A aspiração medieval por uma sociedade cristã, o corpus Christianum, fragmentou-se nas aspirações de grupos confessionais diferentes. Sem um ideal sagrado para a integração da sociedade – e sem os recursos e a vontade de um determinado grupo de impor um ideal confessional particular para toda a Europa – a tolerância religiosa tornou-se o caminho para a paz social e eventual secularização da sociedade. A substituição de uma sociedade sagrada e unificada por comunidades confessionais também teve consequência éticas e psicológicas:

“Traduzido em termos psicológicos, significava a internalização da disciplina, baseada em decoro e piedade, e a supressão, ou, ao menos, redirecionamento da violência e do ódio […] Descrita de modo variado como ‘o processo civilizador’, ou ‘disciplina social’, a transformação de normas sociais se expressou também na difusão de valores burgueses, epitomados pela ênfase no aprendizado e na autodescoberta e pelo louvor simultâneo da vida familiar e definição mais rígida de seu limite sexual” (Hsia, 1989, p. 184).


“Liberae Religionis Typus”, c. 1590. A “procissão triunfal” antiluterana da “religião livre” inverte a caricatura protestante de católicos como destruídores da paz e saqueadores da terra. Nela, Lutero e Calvino, montados nos cavalos da frente, puxam, em um ritmo desigual, a carroça da “religião livre”, acompanhada logo atrás por destruição, crueldade, rebelião, pobreza e degeneração da moralidade e autoridade. Essas consequências são retratadas no fundo direito da imagem e proclamam, com fanfarra, que qualquer um pode interpretar a Bíblia a seu modo e desprezar a autoridade da Igreja antiga. Os quatro demônios desnudos nos cantos da carroça clamam pela rejeição da religião e pelo caos social. As três virtudes de piedade, paz e justiça fogem da anarquia causada pela “religião livre”. O desenho é um tipo de inversão do “desenho da carroça” de Karlstadt. Fonte: Bibliothèque Nationale, Paris.

– POLÍTICA
As reformas trouxeram à cultura ocidental o problema do pluralismo – religioso, social e cultural. Uma vez que o mundo moderno ainda luta com esse legado em salas de aula e tribunais, ruas e campos de batalha, não é de surpreender que as pessoas do século XVI tenham achado extremamente difícil viver com deveres alternativos e rivais, exacerbados pelo medo universal de anarquia e desordem social (Ozment, 1985, p. 22-7). A primeira resposta de todos os grupos foi compelir a conformidade. Contudo, convicções religiosas não são facilmente demovidas por lei ou pelo uso da força. Em alguns casos, o triunfalismo protestante contribuiu para o desenvolvimento da síndrome da “nação eleita”. A superação inglesa do medo imposto pela Armada espanhola (1588) e a falha dos recusantes (católicos ingleses que rejeitavam a Igreja Anglicana) em explodir o parlamento britânico e o rei (a Conspiração da Pólvora, 1605) foram interpretados como prova da eleição divina e bênção da nação. Esse sentido messiânico de pertencer à nação escolhida continuou no Novo Mundo e contribuiu para a identidade nascente dos Estados Unidos como a “cidade sobre o monte” e com um “destino manifesto”, características que continuam a exercer influência política.

Outra resposta ao pluralismo político foi a asserção dos direitos de consciência individual. De diversas maneiras, a declaração de Lutero ao imperador na Dieta de Worms em 1521 tem sido eco político desde então: “Minha consciência é cativa à Palavra de Deus. Não posso me retratar de nada, nem mesmo o farei, uma vez que não é nem seguro, nem correto, agir contra a consciência. Não posso agir de outra forma: essa é a minha posição, que Deus me ajude. Amém” (LW, 32, p. 112-13). Posteriormente, Lutero foi igualmente taxativo em defender a liberdade da fé contra a direita (o Papa) e a esquerda (Karlstadt e Müntzer) teológica: “Não obrigarei homem nenhum pelo uso da força; a fé deve surgir livremente, sem compulsão” (LW, 51, p. 77; cf. LW, 45, p. 108). Resistência passiva não estava restrita a protestantes, mas era comum a todos aqueles que divergissem religiosamente com seus governantes, como no caso dos católicos na Inglaterra elisabetana.

Se uma autoridade regente estivesse errada, Lutero apoiava a objeção consciente: “E se um príncipe estiver errado? O povo deve acompanhá-lo no erro? Resposta: Não. Ninguém tem o dever de fazer o mal: devemos obedecer a Deus (que deseja o que é certo) mais do que os homens [Atos 5:29]” (LW, 45, p. 125). Não demorou para que juristas e teólogos luteranos desenvolvessem argumentos constitucionais e teológicos a favor de resistência, abrangendo desde magistrados menores até o imperador que desejasse coagir a fé de seus súditos. A resistência política luterana foi expressa na Confissão de Magdeburgo (1550-1), a qual, por sua vez, influenciou diretamente o pensamento francês político-calvinista (Whitford, 2001a; Whitford, 2002b). Argumentos huguenotes por um constitucionalismo que limitava o poder real e apoiavam a consciência individual foram defendidos por François Hotman em Franco-Gallia (1573) por Teodoro de Beza em Right of Magistrates [Direito dos Magistrados] (1574) e por Philippe du Plessis-Mornay em sua obra mais radical, Vindication Against Tyrants [Justificativa Contra Tiranos] (1579), que autorizava a rebelião pessoal com o fundamento explicitamente religioso de que Deus podia “levantar novos libertadores” fora do quadro constitucional. Na Inglaterra, Short Treatise of Political Power [Pequeno Tratado do Poder Político] (1556), de John Poynet – o primeiro rompimento com a concepção inglesa de obediência passiva – também foi influenciado por Lutero e pela Confissão de Magdeburgo (Schulze, 1985, p. 209; Hildebrandt, 1980; Hoss, 1963; Skinner, 1980; Witter, 2007b, p. 106-14).

A autoridade de reis tornou-se relativa diante de Deus, o Rei dos reis. Argumentos protestantes em favor da resistência contra a tirania continuou a fomentar mudanças políticas até a Revolução Americana do século XVIII (Whitford, 2001b). Esses argumentos “forneceram ingredientes importantes do constitucionalismo, resultado importante dessas ideologias. Traços de ideias do século XVI sobreviveram e podem ser percebidos, por exemplo, em meados do século XX, quando foram então usados na luta contra o totalitarismo moderno. Ideias contra tirania continuam conosco” (Kingdon, 1988, p. 219). Que a exposição teológica de Lutero sobre a obrigação da resistência política a governos injustos não é meramente de interesse histórico é algo que pode ser visto na resistência norueguesa e alemã contra o nazismo. Na frase lapidar de Lutero posteriormente retomada por Dietrich Bonhoeffer: “Se o condutor da carroça estiver bêbado, temos que frear as rodas” (cf. Duchrow, 1987; 34, capítulo 3; De Grouchy, 1988, p. 124-30; Berggrav, 1951, p. 300-19; Simon-Netto, 1995). Raízes reformistas do direito constitucional moderno e dos direitos humanos constituem um campo crescente de estudos, liderados especialmente pelo historiador jurídico John Witte Jr.: “Teorias calvinistas de lei natural, soberania popular, direitos e liberdades de indivíduos e associações”, desenvolvidas no caldeirão da revolta holandesa, “teceram diversas linhas teológicas fortes na produção do constitucionalismo americano” (Witte, 2007b; 150, 31-2; cf. também Witte, 2002).

Com exceção da crise situacional intensa que levou Bonhoeffer a participar do complô para assassinar Hitler, reformadores entendiam que o púlpito era o primeiro meio religioso para desafiar problemas políticos. Mais uma vez, isso pode surpreender nossa era moderna, que papagueia o mantra de que a religião deve se manter fora da política (exceto, claro, quando a religião serve de apoio à política eleitoral). Reformadores foram o símbolo do que ficou conhecido em estudos bíblicos e clássicos como “linguajar franco”, isto é, a não hesitação no uso de linguagem ofensiva para expor mentiras e eliminar a autoridade mística reivindicada por papas, teólogos e políticos (Furey, 2005, p. 478, 488). Para Lutero, uma das funções da pregação é “desmascarar a injustiça oculta, salvando, assim, a alma de cristãos enganados e abrindo os olhos de autoridades seculares ao seu mandato de estabelecer justiça civil” (Oberman, 1988, p. 444). Tal desmascaramento da injustiça deve ocorrer aberta e ousadamente por aqueles que foram chamados ao ofício da pregação:

“A repreensão de governantes não é uma atitude facciosa, desde que seja feita pelo ministro, o qual, da parte de Deus, recebeu a incumbência de fazê-lo […] Seria muito mais sedicioso se um pregador não repreendesse o pecado dos governantes: o povo ficaria enraivecido e desconfiado – e o governante tirano, fortalecido. Além disso, o ministro passaria a ser coparticipante do pecado, assumindo parte da responsabilidade por ele” (LW, 13, 4-50).

Em um sermão de 1529, Lutero declarou:

“Devemos expor a conduta do magistrado e denunciá-lo, quer ria, quer fique irado. Cristo instruiu que nós, pregadores, não retivéssemos a verdade dos que foram investidos com autoridade, mas sim exortássemos essas pessoas, repreendendo-as quando houver injustiça […] Precisamos confessar a verdade e repreender o mal […] O cristão deve dar testemunho da verdade e morrer por ela. No entanto, como alguém pode morrer pela verdade sem que antes a tenha confessado? (WA 28, p. 360-1).

Em 1968, Martin Luther King foi assassinado depois que seus sermões começaram a estabelecer a relação entre o racismo americano, o imperialismo e a Guerra do Vietnam.

O legado da Reforma na política não serviu apenas para o protesto profético contra a injustiça; muitas das posições doutrinárias do movimento contribuíram para o aumento de uma conscientização democrática. Esse ponto não deve ser tomado de modo anacrônico, já que o Renascimento havia reforçado séculos de pensamento político que viam a “democracia” como um governo de massas indisciplinadas e sem princípios, sujeito a demagogos egoístas (Kingdon, 1973, p. 187). No entanto, a tradução luterana da Bíblia e sua ênfase na educação universal para facilitar sua leitura – caminho que outros reformadores também seguiram – foi um passo a mais em relação a impedir que a elite tivesse controle exclusivo tanto sobre as palavras quanto sobre a Palavra. A doutrina do sacerdócio de todos os batizados anunciava que o pregador ou ministro ordenado distinguia-se de todos os outros cristãos apenas por seu ofício: “Não há leigo e clero na Igreja: apenas cristãos batizados que servem uns aos outros de acordo com o ofício concedido por Deus” (Wengert, 2008, p. 5). Para Lutero, a Igreja não era mais uma instituição hierárquica, mas uma comunidade de cristãos na qual “ninguém vive mais para si, mas se entrega a outros por amor”. Assim, o Reformador traduzia ecclesia não como “igreja” (Kirche), mas como “comunidade” (Germeinde), “congregação” (Gemeine) e “assembleia” (Versammlung). Seu livreto de 1523, The Right and Power of a Christian Congregation or Community to Judge All Teaching and to Call, Appoint, and Dismiss Teachers, Established and Proved from Scripture [O direito e poder de uma comunidade ou congregação cristã, estabelecido e provado pela Escritura, de julgar todo ensinamento e convocar, designar e dispensar mestres] tem sido visto como “um ‘apoio gritante’ de igualdade e autonomia comunais” (Ozment, 1985, p. 9). O conceito calvinista de Igreja como uma comunidade pactual contribuiu para a ideia de contrato social; processos anti–hierárquicos e niveladores corroeram estruturas políticas e eclesiásticas. Nas palavras de William Tyndale: “A oração do mendigo é tão boa quanto a do cardeal, e a de um açougueiro, tão boa quanto a de um bispo. A bênção de um padeiro que conhece a verdade vale tanto quanto a do Papa, nosso mais santo pai” (Richardson, 1994, p. 29). Igualitarismo religioso podia levar também a igualitarismo sociopolítico. Como John Knox declarou: “Tirar de nós a liberdade de nos reunirmos em assembleia é o mesmo que tirar de nós o evangelho” (Spitz, 1971, p. 552).

Por mais sugestivo que os temas teológicos sejam com relação ao desenvolvimento político moderno, importa-nos lembrar de que o período confessional coincidiu com o absolutismo e que confissões particulares não equivalem, de maneira simplória, a progressos políticos:

“Não existe uma correlação simples entre confissões particulares e reforma política. Pesquisas recentes demonstraram que precisamos repensar associações tradicionais de Contrarreforma com absolutismo, luteranismo com conformidade política e calvinismo com o republicanismo democrático” (Hsia, 1989, p. 53; Schilling, 1986, p. 21).

Todavia, como elucida o estudo magistral de Witte, Law and Protestantism [Direito e Protestantismo], instituições e direitos jurídicos – incluindo o entendimento moderno de direitos humanos – foram profundamente moldados a partir do ensino teológico de Lutero (Witte, 2002, passim, p. 298-303).

– CULTURA
A Reforma tocou em todos os aspectos da cultura: trabalho, economia, artes plásticas, literatura e música. A doutrina da justificação somente pela graça e por meio da fé liberou um tipo de energia a este mundo que, até então, devotava-se a alcançar o outro mundo. Os vivos não estavam mais presos a serviços dos mortos. Com seu novo entendimento de vocação ou chamado, os reformadores destruíram o dualismo medieval que dividia o trabalho em sagrado e secular. No mundo medieval, apenas religiosos (ministros, monges, freiras) tinham uma vocação sagrada ou chamado de Deus. Aqueles que trabalhavam no mundo secular eram vistos por todos como um plano menor e menos agradável a Deus. Em contrapartida, os reformadores enfatizavam que qualquer trabalho feito no mundo em prol do próximo e da edificação da comunidade humana agradaria a Deus. Todos os trabalhos comum – de trocar fraldas a mudar leis – imbuem-se de significado religioso, não porque obras humanas contribuam para a salvação, mas porque Deus deseja que cada um sirva ao seu próximo. Como Lutero explicou certa vez acerca de seu próprio ministério: “Uma vaca não vai para o céu por dar leite, mas é para dar leite que ela existe na terra” (Bainton, 1957, p. 299).

– REFORMAS E O PAPEL DA MULHER
Em nenhuma outra esfera da vida medieval a aplicação prática do entendimento sobre vocação surtiu um efeito mais explosivo do que nas áreas de casamento e sexo. De acordo com Ozment (1980):

“Nenhuma mudança institucional feita pela Reforma foi mais visível e sensível aos apelos do fim da Idade Média e conducente a uma nova atitude social do que o casamento do clero protestante. Nem houve outro ponto no programa protestante em que teologia e prática se corresponderam de maneira tão bem-sucedida.”

De fato, conforme notamos anteriormente, o casamento clerical tornou-se “uma profissão pública da doutrina reformada e continuou sendo um dos pontos básicos de controvérsia, impedindo a reconciliação entre protestantes e católicos” (Wunder, 1998, p. 45).

Roper (2001, p. 294) repara que, enquanto diversos estudos focalizaram o impacto dessa reforma sobre a mulher, “a abolição do status sexual do clero masculno – em teoria o celibato – teve provavelmente um impacto mais profundo”. Como vimos no caso de Lutero, havia pressão sobre os ministros que abraçavam a Reforma para que também acolhessem uma esposa. A primeira geração de ministros católicos que se tornaram pastores protestantes estava mal preparada para tal compromisso, o qual restringia a privacidade, aumentava a responsabilidade e encurtava o orçamento. O problema central da falta de dinheiro fica claro nas inúmeras cartas que os reformadores escreveram urgindo membros de congregações que pagassem ao menos um salário-base aos pastores. Do lado positivo, havia o novo regozijo do companheirismo e da vida familiar. Walpurga, mulher de Bugenhagen, acompanhava-o nas diversas funções ministeriais que exercia em Hamburgo, Lübeck e Copenhagen, ajudando-o de tal forma que Lutero a chamou certa vez de “pastora”. Da mesma forma, Anna Rhegius, esposa do Reformador Urbanus Rhegius, conhecia hebraico e “estava em posição de debater seriamente com seu marido sobre tópicos como interpretação da Escritura e teologia reformada” (Mager, 2004, p. 30-1, 33). Esposas de reformadores proeminentes exerceram papéis importantes na Reforma. Vimos como Lutero apreciava Katie e como a obra de outros reformadores “não seria concebível sem a ajuda de suas esposas”, como no caso, por exemplo, de Katharina Melanchthon, Anna Zuínglio, Idelette Calvino, Elizabeth Bucer, Margarete Brenz, entre outras. Uma mulher – Wibrandis Rosenblatt – destacou-se claramente e excedeu o “dever cumprido”. Rosenblatt foi casada com três reformadores (Johannes Oecolampadius, Wolfgang Capito e Martin Bucer) e, assim, envolveu-se nos movimentos reformistas da Basiléia, de Estrasburgo e, até certo ponto, da Inglaterra (Jung, 2002, p. 11; Bainton, 1974, p. 79-95).

Outra mudança radical para o clero desposado foram os filhos que: “não eram mais vistos como ilegítimos. Podemos apenas especular o custo, em termos psicológicos, da paternidade ilegítima ao clero pré-reformado. Erasmus Alberus nos dá uma ideia ao observar emotivamente: ‘Agora, o filho de um ministro evangélico devoto não é tido como fruto de prostituição, mas tratado como um filho honroso. Por essa boa obra, jamais teremos como agradecer a Deus o bastante!'” (Roper, 2001, p. 295-6).

Os reformadores criticavam vigorosamente a imposição celibatária da Igreja Católica sobre ministros, monges e freiras – não apenas por causa da visão do celibato como uma obra que contribuía para a salvação, mas também pela remoção de homens e mulheres do serviço ao próximo, da ordem divina do casamento e da legitimidade da vida familiar, além da negação da sexualidade. Para Lutero e Calvino, o casamento não é apenas a legitimação da satisfação sexual, mas, acima de tudo, o contexto para a criação de uma nova percepção de comunidade humana, com suas dores e alegrias. Por isso, Lutero declarou: “O casamento não consiste apenas no ato de dormir com uma mulher – qualquer um pode fazer isso – mas na manutenção do lar e na educação de filhos” (LW, 54, p. 441). Aqueles que seguiam Lutero viam no casamento não somente uma apreciação nova e alegre da relação sexual, mas também um novo respeito pelo companheirismo feminino. Lutero não conseguia imaginar a vida humana sem a mulher: “Lares, cidades, vida econômica e governo iriam praticamente desaparecer. O homem não consegue viver sem a mulher. Mesmo que lhe fosse possível gerar filhos, o homem não conseguiria ficar sem ela” (LW, 54, p. 161). Para Lutero, isso incluía a inteligência, piedade e ética feminina. Inúmeros tratados da época ilustram o esforço de inculcar as novas ideias a respeito do casamento: “Por exemplo: Em seu Book of Marital Discipline [Livro da disciplina conjugal] (1578), Johann Fischart tentou convencer os homens de que o casamento não era lugar apenas para a sexualidade lícita, mas também amor” (Wunder, 1998, p. 49).

Por outro lado, nosso enfoque seria restrito demais se omitíssemos o patriarcalismo, o sexismo e mesmo a misoginia do período medieval, que continuaram a se manifestar nas reformas. Nesse e outros assuntos que captam a conscientização contemporânea, é importante que não nos tornemos anacrônicos: “Toda Europa (provavelmente incluindo as mulheres) tinha em pouca estima o sexo feminino; a Reforma articulou, mas não concluiu, uma mudança acentuada nessa atitude” (Karant-Nunn, 1989, p. 40). Assim, o humanista espanhol Juan Luis Vives era a favor de que as mulheres fossem educadas, desde que permanecessem em silêncio: “Considerando que a mulher é ‘um animal doente por natureza’, Vives concluiu que ‘muito mais importante do que ter mulheres educadas e bem articuladas é ter mulheres boas e honestas'”. Fray Luis de León, em seu retrato da esposa perfeita do fim do século XVI, La perfecta casada, postulou que “a mulher foi criada como uma ideia posterior de Deus, apenas como ajudante e consoladora do homem. A mulher está sobrecarregada com a necessidade constante de se redimir do pecado, já que ‘por ela o pecado entrou no mundo e, por ela, todos morremos'”. (Costa, 1989, p. 90).

Tais visões misógenas não se limitavam aos católicos. Entre os calvinistas, John Knox é notório por sua “explosão” contra mulheres que exerciam posição de autoridade, embora sua sogra tenha sido fundamental para o seu desenvolvimento teológico (Healey, 1994; Frankfurter, 1987). O próprio Calvino cria que o governo de mulheres “desviava-se da ordem legítima da natureza […] algo que podia ser comprovado pela razão que Deus nos deu” (Duke et al., 1992, p. 40). Contudo, esse mesmo Calvino trocou farta correspondência com mulheres nobres que se preocupavam com reformas e estava aberto, teológica e, até certo ponto, praticamente, à ordenação da mulher como pastora na Igreja (Douglass, 1985; Thompson, 1992). O exemplo mais extremo de misoginia durante a Reforma foi o tratamento dispensado às mulheres em Münster, forçadas à poligamia. Sugeriu-se, no entanto, que, juntamente com o desejo masculino por controle, a prática era um tipo de ascetismo que via o sexo apenas em função do crescimento da “tribo” dos eleitos (Marr, 1987, p. 353). Em geral, os anabatistas compartilhavam da avaliação católica negativa da sexualidade humana e rejeitavam a apreciação positiva dos Reformadores com respeito à relação sexual, vista como um dom da criação de Deus. Além do mais, a ênfase anabatista na pureza da Igreja forçava maridos e esposas a rejeitar cônjuges apóstatas: “Em termos práticos, mulheres anabatistas eram tratadas com igualdade apenas no martírio” (Wiesner, 1988, p. 153).

Uma dúvida frequente é se a Reforma fez, ou não, qualquer diferença para as mulheres: a Reforma lhes serviu de ajuda ou de impedimento? Wiesner (2008, p. 397) repara que “hoje, poucos pesquisadores que trabalham no campo responderiam essa pergunta com qualquer outra frase além de: ‘Depende…’, seguida de um debate longo sobre diferenças na experiência feminina”. Reformadores enfatizavam a relação conjugal como “coisa terrena”, não como um sacramento. Há forte desavença entre historiadores sobre se essa mudança teológica beneficiou a mulher ou continuou – ou mesmo fortaleceu – o domínio social masculino (cf., p. ex.: Scharffenorth, 1983; Lindberg, 2000b; Karant-Nunn, 1997, p. 6-42; Wiesner-Hanks, 2008; Wunder, 1998, p. 44-62; “Marriage in Early Modern Europe” [Casamento no início da Europa moderna]. Entretanto, a mudança que a Reforma trouxe no entendimento a respeito do assunto (o casamento passou a ser visto como contrato em vez de um sacramento: Witte, 1997), proveu de fato a possibilidade de divórcio e novo casamento, uma inovação proibida pela legislação canônica. Bucer afirmava que um casamento sem amor e mutualidade é, em todos os sentidos, destrutivo e contra o ensinamento bíblico. Segundo ele, casamentos assim podiam ser dissolvidos, liberando os cônjuges a se casarem novamente (Witte, 2002, p. 229, 254-5; cf. também Kingdon, 1995; Witte e Kingdon, 2005).

Enquanto o claustro era visto como um jardim paradisíaco terreno na perspectiva religiosa medieval – o contexto ideal para que as “noivas de Cristo” obtivessem a salvação -, a Reforma o via como um “cativeiro babilônico” que colocava a alma de mulheres em risco (Steinke, 2006, p. 1-2). Certamente houve casos de mulheres que se regozijavam pela libertação desse “cativeiro babilônico”. Ursula von Münsterberg, por exemplo, escreveu aos duques Jorge e Henrique da Saxônia, seus primos, explicando que deixara o mosteiro no qual “[estivera] presa sob o Cativeiro Babilônico” porque agora alcançara a salvação “somente pela fé” (Wiesner-Hanks e Skocir, 1996, p. 61, 45). Ursula e outras duas freiras que haviam abandonado a vida monástica permaneceram por muitas semanas, em 1528, com a família Lutero. Não é de se estranhar que o Reformador tenha escrito o prefácio à publicação da carta de Ursula: “Christian Reasons for Abandoning the Convent of Freiberg” [Razões cristãs para o abandono do convento de Freiberg], já que sua própria mulher, Katharine von Bora, havia se tornado uma das “freiras renegadas” mais famosas da época. Marie Dentière (1495-1561) foi outra que se destacou como teóloga. Convertendo-se a partir da leitura das obras de Lutero, abandonou seu convento agostiniano em Tournai. Juntamente com Simon Robert, seu primeiro marido e ex-ministro da cidade, exerceu um ministério pastoral na Igreja Reformada francesa. Após a morte de Robert em 1533, Dentière se casou com outro pastor reformado e mudou-se para Genebra, onde trabalhou energicamente para persuadir freiras a aceitar a Reforma e abandonar o convento. Dentière também escreveu em apoio ao papel teológico da mulher na Igreja, bem como em defesa de Calvino durante seu exílio. Sua carta a Margarida, rainha de Navarra, questionava diretamente se havia dois evangelhos, um para homens e outro para mulheres. Dentière prosseguiu dizendo que as mulheres não deviam esconder o que Deus lhes havia revelado: “Profundamente preocupada com questões de liberdade, justiça e o papel teológico da mulher, Marie defendia, com base em sua cristologia (Gálatas 3:26-8) e exemplos bíblicos femininos, o direito da mulher de usar sua voz pública, interpretar a Escritura como teóloga e pregar…”. Dentière reparou que a traição de Jesus, bem como heresias e profecias falsas, foram ditas, na Bíblia, não por mulheres, mas por homens – observação da qual Calvino e outros não gostaram! (cf. Stjerna, 2009, p. 135-47, aqui 141).

Nos primeiros anos da Reforma, houve uma grande pressão por parte de pregadores, parentes e autoridades civis para que as mulheres abandonassem o convento. Afirma-se que o fechamento da opção monástica restringia a vida da mulher ao papel de esposa e mãe, enquanto, no convento, tinham a oportunidade de se engajar em negócios, administração e educação:

“É possível que algumas freiras, conscientes de sua relativa independência e autonomia no claustro, soubessem que estariam desistindo dessas coisas caso saíssem […] Havia, entretanto, razões mais práticas na decisão pelo monastério, como evitar um casamento indesejado ou os riscos do parto. A expectativa de vida de freiras era maior do que a de mulheres que não participavam da vida monástica, já que muitas morriam no ato da concepção. Além disso, as freiras evitavam diversas doenças comuns” (Leonard, 2005, p. 148).

Entretanto, a motivação principal para que uma mulher permanecesse no convento era religiosa. Como observa Leonard (2005, p. 148): “As mulheres entravam no convento para servir a Deus e levar uma vida espiritual”. Katherine Rem, do convento dominicano de Sta. Catarina, em Augsburgo, rejeitou o ataque de seu irmão, que caracterizava a vida monástica como um trabalho inútil, autoimposto e contrário à Bíblia. (Wiesner-Hanks e Skocir, 1996, p. 37, 29, 31):

“Você não deve pensar que somos tão tolas a ponto de colocar nossa esperança no convento e nas nossas obras. Pelo contrário: colocamos nossa esperança em Deus […] a quem servimos mais voluntariamente no convento do que no mundo, com sua graça e ajuda.”

Katherine acrescenta que não aceitaria mais os juízos e pedidos de seu irmão para deixar a vida monástica.

Duas das freiras mais bem conhecidas que defenderam seus conventos são Jeanne de Jussie (1503-61) e Caritas Pirckheimer (1467-1532). Jeanne de Jussie, mulher nobre da Ordem de Santa Clara, liderou uma oposição ferrenha à Reforma até ser forçada a deixar o convento em Genebra e estabelecer-se em Annecy, onde se tornou a abadessa. É interessante saber que Marie Dentière foi uma das primeiras a tentar dissuadir Jeanne a fechar o convento. Jeanne escreveu um relato notável e comovente acerca da destruição do convento e da expulsão das religiosas: Calvinist Germs or the Beginning of Heresy in Geneva [Germes calvinistas ou o início da heresia em Genebra] (cf. Kingdon, 1974, p. 87-95; Lindberg, 2000a, p. 168-9), descrevendo no livro o terror das freiras durante a destruição iconoclástica de seu claustro e sua expulsão da cidade de Genebra. Caritas Pirckheimer, abadessa do convento de Sta. Clara, em Nuremberg, foi bem-sucedida em defender seu claustro. Erudita em grego e latim, Caritas era respeitada como humanista antes da Reforma; algumas de suas correspondências com o poeta laureado imperial Conrad Celtis e o artista Dürer foram preservadas. O conselho municipal de Nuremberg fez tudo o que estava ao seu alcance para fechar o convento, trazendo, ao final, Philip Melanchthon para negociar um acordo. Caritas convenceu Melanchthon de que as freiras não confiavam em suas obras, mas sim na graça de Deus. Melanchthon acalmou os ânimos, reiterando que o evangelho não podia ser forçado. Assim, a resolução do conselho foi permitir que as freiras permanecessem até sua morte, mas que nenhuma noviça devia ser recebida.

Leonard (2005, p. 9, 106, 108) formula o argumento interessante de que a sobrevivência de convertidos em certas áreas da Reforma, como Estrasburgo e Nuremberg, “desafia algumas das historiografias dominantes da Reforma: a tese da confessionalização”. A acomodação alcançada nessas regiões entre aderentes das duas confissões milita contra a tese do “desenvolvimento de culturas religiosamente orientadas em cooperação com o início do Estado moderno”. À medida que as freiras assumiam papéis diversos em prol do bem comum, como a educação de jovens e a provisão de serviços sociais, o conselho municipal abrandou a visão que tinha com relação a elas: “O que formava uma sociedade verdadeiramente cristã não era (pelo menos aos magistrados de Estrasburgo, para o desagrado do clero luterano) ligado inextricavelmente à Confissão de Augsburgo, mas às necessidades da comunidade urbana”. A introdução recente do estudo de gênero permite uma nova abordagem ao assunto. “Gênero” amplia o assunto além dos efeitos da Reforma em homens e mulheres per se e abrange determinações sociais com relação ao que significa ser homem e mulher: “Diferentemente de sexo biológico, gênero é um construto social e varia, com o tempo, de sociedade para sociedade” (Wiesner, 1992, p. 159). Hickerson explora o papel do gênero em seu estudo sobre os relatos de mulheres mártires na Inglaterra da dinastia Tudor. Em Livro dos Mártires, mulheres mártires são retratadas por Foxe como “modelo de desobediência, símbolos politicamente periogosos”. Além disso, muitas delas são “de classe baixa, assertivas, articuladas, sagazes e bem informadas […] símbolo não de feminilidade moral e virtuosa […] mas da própria Igreja perseguida. A verdadeira Igreja é uma mulher, a esposa de Cristo que, ousada, mas temerosamente, arrisca tudo em favor de seu marido”. “Desobediência (e, como tal, resistência) nunca é mais subversiva do que quando procede daqueles que têm menos direito a ela”. Assim, a mulher, especialmente a de “classe baixa”, é mais perigosa do que o homem quando vista como enfraquecedora da ordem social e política, “ameaçando um sistema construído com base em noções enraizadas de gênero e hierarquia de classe”. “Essas mulheres, ícones protestantes, desafiam expectativas históricas no que diz respeito a ideias modernas sobre comportamento feminino virtuoso” (2005, p. 160-3). No entanto, em edições sucessivas e simplificadas do trabalho de Foxe, essa subversão de gênero é cada vez mais domesticada, “instilando passividade onde antes havia arrogância, fé singela onde havia erudição bíblica e silêncio onde antes havia autoexpressão. Se os críticos católicos de Foxe achavam problemáticas as mulheres mártires, o mesmo ocorria, aparentemente, com diversos admiradores de seu livro”. “Desobediência justa” feminina transformou-se em “comportamento virutoso feminino” (Hickerson, 2005, p. 178-9).

O próprio Lutero não era misógino, nem mantinha uma medida dupla para homens e mulheres. Em resposta ao provérbio vulgar de que todas as mulheres são iguals sob luzes apagadas, Lutero respondia que o mesmo se aplica aos homens, além de repreender os que insultavam mulheres (WA 54, p. 174-5). Lutero procurou redefinir o que a sociedade pensava ser apropriado ao homem e à mulher. Seguindo Agostinho e Aquino, por exemplo, sociedade e teologia medievais sancionavam a prostituição e os prostíbulos legalizados a partir da lógica de que drenavam o excesso da energia sexual masculina como o esgoto escoa resíduos. A Igreja tolerava a prostituição porque seus valores de gênero denegriam o sexo e pressupunham que a sexualidade masculina era uma força anárquica e incontrolável, a qual, sem uma forma de escape, poluiria mulheres respeitáveis. Cria-se que prostíbulos legalizados impediam males piores, como adultério e estupro.

A resposta de Lutero e seus colegas não foi moralista, mas um ataque à pressuposição cultural com relação ao homem; segundo seu argumento, a cura (o prostíbulo) era pior do que a doença (o desejo sexual masculino). Em seu À nobreza cristã de 1520, Lutero lamenta a tolerância de prostíbulos. O Reformador estava ciente da lógica cultural, mas “não deveria o governo, que é temporal e também cristão, perceber que tal maldade não pode ser prevenida por esse tipo de prática pagã?” (LW, 44, p. 214-15). O esforço consistente de Lutero em redefinir a questão do gênero é evidente em suas aulas sobre Gênesis, ministrada no fim de sua vida:

“O exemplo relativo às casas de má fama e toleradas em cidades grandes não merece discussão. Não há dúvidas de que conflitam com a lei de Deus […] É tolice pressuporem alguns que o afloramento da devassidão e do adultério é reduzido pela existência de prostíbulos […] Por causa desses estabelecimentos, a cobiça aumenta em vez de diminuir…” (LW, 3, p. 259; Ozment, 1983, p. 56).

Acontecimentos em Zwickau indicam que essas perspectivas tiveram certo impacto. Já em 1497 havia sífilis na cidade, mas o prostíbulo só foi fechado em 1526: “Foi a Reforma, não a presença de doenças venéricas, que fez o prostíbulo fechar” (Karant-Nunn, 1982, p. 24). Lutero e seus seguidores tentaram redefinir o entendimento de sua cultura sobre o gênero masculino, ensinando que, em vez de impulso sexual, o homem tem responsabilidade social (Lindberg, 2000b, p. 137). Essa redefinição incluiu esforços na redução de abuso conjugal (Wengert, 2007, p. 337-9). Contudo, conforme Stjerna (2009, p. 222) nos relembra:

“A questão da igualdade de gênero e do status da mulher não era a preocupação maior dos Reformadores: seu interesse jazia na salvação de almas e no resgate da Igreja cristã. Os Reformadores entendiam que, para a proteção de valores religiosos renovados, a preservação do status quo e de questões de ordem social eram tidos como essenciais. O lado feminino da história nos serve de lembrete sobre a correlação fracamente demarcada entre os planos ideal e real”

– TOLERÂNCIA E O “OUTRO”
Tolerância não foi uma marca forte das reformas:

“Dentre as convicções da época e de sua lei, a crença de que a morte por execução em suas formas mais horríveis era a recompensa certa para aqueles que negavam a lealdade básica e definitiva permaneceu firmemente enraizada […] É claro que o povo pode ter diversas visões sobre a verdade da Igreja de Cristo na terra – como de fato tinham. Contudo, precisamos reconhecer que representantes dessas visões variadas concordavam na necessidade de uma sanção definitiva” (Elton, 1977, p. 206-7).

É óbvio que havia exceções à regra, como demonstram Castellion e outros defensores franceses da liberdade religiosa, bem como espiritualistas que baseavam o ecumenismo na experiência religiosa. Sebastian Franck o exemplifica ao dizer: “Tenho irmãos dentre os turcos, papistas, judeus e todos os povos. Não que eles sejam turcos, papistas e sectários, ou permaneceram com essa classificação. Ao anoitecer, serão todos chamados à vinha e receberão o mesmo salário que nós” (Edwards, 1988, p. v).

De modo similar, a lenda medieval dos três anéis, contada em Decameron, de Boccaccio (1313-75), advogava tolerância. A lenda fala de como um grande senhor declarou que seu herdeiro seria conhecido pela posse de seu anel precioso. Antes de sua morte, o rei mandou fazer três cópias exatas do anel, dando-os a cada um de seus três filhos, cada qual acreditando ser o herdeiro. Em 1599, Menochio contou a história ao seu inquisidor com a moral de que Deus dera sua lei aos cristãos, turcos e judeus. Cada qual crê que é o único herdeiro, mas não podemos dizer qual deles é o correto. Menocchio, portanto, defendia que a tolerância fosse também estendida aos hereges. A recompensa por esse insight foi sua execução por ordem do Santo Ofício (Ginzburg, 1982, p. 49-51).

A despeito de exceções, como no caso de Franck, os turcos eram vistos amplamente não apenas como o “outro”, mas como as forças do anticristo, cujo avanço na Europa meridional e central representava uma ameaça espiritual quanto militar. A ironia, claro, é que a ameaça militar turca ao império ocupou tamanho tempo e recursos de Carlos V que ele foi incapaz de agir com vigor contra a Reforma; assim, de uma perspectiva puramente política, Lutero podia ter visto os turcos como aliados contra o papado. Mas a preocupação principal de Lutero era teológica e não política. Desse modo, ele via os turcos particularmente como a vara da ira de Deus contra um império pecador, e o islã em geral como inimigo de Deus, uma vez que Maomé nega que Cristo é o Filho de Deus e Salvador do mundo. É interessante notar que Lutero rejeitava o chamado de sua época a uma cruzada contra os turcos da mesma forma como repudiava sanções religiosas à violência, defendidas por Müntzer. Para o Reformador, o evangelho não pode ser propagado ou protegido à força. O conflito armado contra os turcos podia ser levado a cabo apenas pelas autoridades em defesa de seu país: “O lado que começar uma guerra está errado” (LW, 46, p. 118):

“A ideia de que nenhuma cruzada ou guerra santa era permissível representava um ponto de ruptura importante da teologia medieval corrente. Desde Gregório I [m. 604], teólogos argumentavam que a correção de hereges era uma causa legítima de guerra” (Miller, 2002b, p. 48, 50; Miller, 2007, p. 52-3).

Uma das conquistas de Lutero foi seu reconhecimento de que o chamado à luta legítima contra a ameaça do exército otomano não devia se igualar ao conflito entre o islã e o cristianismo (Ehmann, 2007, p. 91). Para Lutero, a ameaça turca era primeiramente uma questão religiosa, relativa ao desafio do islã à fé cristã; assim, o Reformador usou sua influência para possibilitar a tradução do Alcorão feita, em 1542, por Theodore Bbliander, argumentando que apenas aqueles que o conhecessem seriam capazes de refutá-lo (Miller, 2004, p. 188-9; Rajashekar e Wengert, 2002). Diferentemente de Raimundo Lúlio e Nicoalu de Cusa, intérpretes medievais do islamismo, Lutero não via a religião mulçumana como um tipo de “cristianismo anônimo” ou seita cristã. Para ele, não podia haver diálogo inter-religioso com um “outro” que não reconhecesse Jesus Cristo como o Redentor da humanidade (Kandler, 1993, p.8): “Como no caso dos judeus, [Lutero] não estava preocupado em converter turcos, aos quais considerava obstinados, mas em informar os cristãos” (Brecht, 1993, p. 354; Kaufmann, 2006, p. 75-6). A visão da Reforma com relação ao conflito cristão-islâmico como uma confrontação escatológica entre Deus e Satanás ainda exerce uma influência nociva dentre alguns grupos de protestantes modernos:

“A despeito da natureza variável dos ‘combatentes’ (de árabes e turcos, cristãos e ocidentais), essa narrativa magistral postula, na realidade, apenas dois autores definitivos: cristianismo e islamismo. Ambos golpeiam um ao outro, como dois boxeadores. Não é difícil ver o poder previsível de tal narrativa na história das relações cristãs e islâmicas…” (Miller, 2005, p. 156).

O assunto mais delicado da relação entre as Reformas e o “outro” é o tratamento dos judeus. Hostilidade cristã contra os hebreus não foi, claro, sui generis na Reforma, mas tem uma história longa e sórdida, estendendo-se desde os tempos do Novo Testamento e da Igreja Primitiva. Às vésperas da Reforma, os judeus não eram apenas vistos como rejeitados por Deus por terem negado a Jesus e o crucificado, mas também culpados pela peste, acusados do assassinato ritual de jovens cristãos, profanadores da hóstia eucarística, suspeitos de conspiração para a destruição da cristandade e amplamente odiados por razões econômicas (Robinson, 1992, p. 9-22). Lendas de assassinato ritual – judeus que capturavam e matavam meninos cristãos na Sexta-Feira Santa como forma de imitação da crucificação de Jesus e para o uso ritualístico do sangue do menino – começaram a circular no século XII:

“Histórias de supostos homicídios rituais eram publicadas na vida dos santos, em livros de mártires, catecismos e outros materiais cuja intenção era a instrução de leigos até o século XX, ignorando dúvidas que os próprios papas levantaram sobre esses supostos rituais. A Igreja Católica finalmente se distanciou dessa honra de mártires fantasiosos, proibindo cultos em sua memória no Concílio Vaticano II (1962-5)” (Wenzel, 2006, p. 412).

Tão perniciosas como fonte de progroms judaicos foram as peças que encenavam a paixão e as acusações de profanação da hóstia, as quais legitimara, na mente popular, o assassinato dos judeus (Wenzel, 2006, p. 404-7). Esses mitos, lendas e ressentimentos encontraram expressão iconográfica que refletia e concretizava o preconceito. O IV Concílio de Latrão (1215) exigiu que os judeus usassem emblemas amarelos (revividos tragicamente durante a era nazista) para que fossem identificados com facilidade e, assim, separados socialmente. Por volta do século XI, personificações esculturais de sinagogas e igrejas, ainda presentes em catedrais góticas da Europa, contrastavam um judaísmo divinamente rejeitado como uma mulher vendada e abatida, deixando cair as tábuas da lei mosaica, com uma Igreja vitoriosa, uma mulher coroada e de olhos lúcidos, segurando nas mãos uma bandeira e um cálice (Edwards, 1988, p. 22; Mellinkoff, 1993: I, 48-9). A iconografia mais humilhante retratava a associação de judeus, há muito popular, com porcos e excrementos. “Judensau”, uma imagem do século XIII que retratava os judeus amamentando de uma porca, continham, por volta do século XV, a representação adicional de judeus como que comendo e bebendo escrementos da traseira do animal (Mellinkoff, 1993: I, 108; II, pl. IV, 24; Schöner, 2006, p. 362, 382; Wenzel, 2006, p. 416).


Arenito do século XIV retratando um “Judensau”, localizado em uma moldura no canto sudoeste da Igreja de Wittenberg. Lutero se referiu à imagem em diatribes contra os judeus.

Contrapondo-se ao “Judensau” e em memória aos acontecimentos horríveis do Holocausto, a homenagem foi posta, em 1988, em um muro dessa mesma igreja. O texto alemão diz: “O nome verdadeiro de Deus / insultado Jeová-Jireh / que judeus, antes de cristãos / tinham como inefavelmente santo / pereceu na vida de seis milhões de judeus / sob o sinal da cruz.” Fonte: Carter Lindberg.

O poder de tais imagens visuais afetava o comportamento das pessoas. Aos milhares, judeus foram mortos em progroms e expulsos, em grande escala, da Inglaterra (1290), França (1306), Espanha (1492) e Portugal (1497): “Em 1555, Paulo IV criou um gueto romano e começou a impor algumas das restrições mais rigorosas sobre a liberdade dos judeus em toda Itália, encorajando atrocidades judiciais contra os hebreus no Estado Papal” (O`Malley, 1993, p. 188). Mesmo Erasmo, o príncipe do humanismo, a despeito da aura de seu chamado por um cristianismo não dogmático, estava submerso em um “ódio absolutamente assustador contra judeus” (Friedman, 1992, p. 144; Pabel, 1996). Entretanto, o antecedente do antissemitismo radical moderno pode bem ser as leis de “pureza de sangue” instituídas pela Inquisição espanhola, que “afirmava que o sangue judeu era degenerado e impermeável ao batismo e à graça […] O judaísmo, então, não era uma declaração de fé, ou mesmo uma série de práticas étnicas, mas uma consideração biológica” (Friedman, 1987, p. 16).

À luz dessa tradição, o surpreendente é a separação inicial de Lutero do legado medieval antijudaico. Em seu trato de 1523, That Jesus Christ Was Born a Jew [Jesus Cristo nasceu judeu], o Reformador enfatizou que Deus honrou os judeus acima de todos os povos e que, portanto, os cristãos deviam tratá-los de modo fraternal (LW, 45, p. 200-1). Além disso, em contraste com a proibição medieval canônica do casamento entre cristãos e judeus, Lutero escreveu:

“Assim como posso comer e beber, andar e falar com um pagão; assim como posso falar e negociar com judeus e turcos ou comprar de hereges, da mesma forma posso me casar e manter laços matrimoniais com essas pessoas. Não dê ouvidos ao preceito de tolos que o proíbem. Descobrirás diversos cristãos – de fato, boa parte deles – que são piores, em sua vida particular, que qualquer judeu, turco, pagão ou herege. Pagãos são homens e mulheres, ou seja, criação de Deus, tanto que São Paulo, São Pedro e Santa Lúcia, da mesma forma como o cristão negligente e espúrio” (LW, 45, p. 25).

Assim, o seguidor de Lutero, Urbanus Rhegius (1489-1541), defendia uma tolerância consciente dos judeus como concidadãos (Henrix, 1990), e Andreas Osiander (1496-1552), Reformador luterano de Nuremberg, escreveu um tratado expondo as acusações de assassinato ritual como mentiras. Entretanto, Osiander o publicou anonimamente para evitar a acusação de estar ao lado dos judeus. João Maier respondeu com um trato que “refutava” Osiander (Wenzel, 2006, p. 412; Kammelring, 2006, p. 234-47).

Trágica e vergonhosamente, Lutero, ao fim de sua vida, enraiveceu-se contra os judeus e aconselhou a destruição de lares, sinagogas e livros hebreus, bem como a proibição de direitos civis judaicos. À luz do uso nazista desses supostos escritos antissemitas, é importante enfatizar que Lutero, assim como outros escritores evangélicos e católicos, deve ser visto em seu contexto histórico (Oberman, 1984; Lindberg, 1994; Rowan, 1985; Nijenhuis, 1972, p. 38-72), e, o mais importante, que a animosidade de Lutero contra os judeus era de cunho teológico, não racista:

“Lutero identificava um judeu por sua crença religiosa, não por sua raça; de fato, a identificação do judeu a partir de raça é um conceito estranho para o século XVI. Se um judeu se convertesse ao cristianismo, tornava-se irmão ou irmã em Cristo. Já no caso do antissemitismo racial, crença religiosa é, em grande medida, irrelevante” (Edwards, 1983, p. 139).

Como em seus escritos sobre os turcos, Lutero não escrevia aos judeus, mas aos cristãos com relação ao que via como erros judaicos de teologia (Hagen, 1999). Mesmo assim: “declarações hostis feitas por personalidades do Renascimento e da Reforma tendem a ser vistas de forma ainda pior hoje, em vista de Auschwitz, do que na época em que foram ditas originalmente” (Edwards, 1988, p. 51-2; cf. Kaufmann, 2006, p. 103-4).

As Reformas encontraram o “outro” não apenas na Europa, mas também em outras partes do mundo. Missionários jesuítas foram ativos na China e no Japão, iniciando os primeiros passos em direção ao que é conhecido hoje como “enculturação” (Moran, 1993; Witek, 1988); esses missionários trajavam vestes e seguiam costumes locais. Por suas viagens à Índia, China e Japão, Francisco Xavier (1506-52), membro original dos jesuítas, sensibilizou-se com as questões envolvendo a apresentação da fé cristã a culturas Orientais. Matteo Ricci (1552-1610, Spence, 1984) deu continuidade, na geração seguinte, ao trabalho de Xavier:

“No Brasil, os jesuítas se posicionaram de forma corajosa contra os abusos do trabalho escravo e despertaram grande admiração dos nativos. Espalhou-se a notícia entre as florestas que, dentre os portugueses, havia aqueles que os defendiam” (O`Malley, 1993, p. 78).

O opositor mais renomado da exploração espanhola de americanos nativos é Bartolomé de Las Casas (1474-1566). Bartolomé, dominicano espanhol, combateu e expôs, em cortes americanas e espanholas, as atrocidades dos colonizadores espanhóis. O dominicano promoveu sua causa com os livros Brevíssima relação da destruição das índias (1552; Las Casas, 2003) e In Defense of the Indians [Em defesa dos índios] (c. 1550). Infelizmente, Las Casas estava praticamente sozinho em seu argumento a favor de uma visão não eurocêntrica do mundo e de igualdade para todos (Friede e Keen, 1971; Hanke, 1974).

Ao contrário da atividade católico-missionária do século XVI, missões protestantes datam geralmente da evangelização puritana de ameríndios no século XVI. Houve, no entanto, uma missão genebrina de curto prazo em meados do século XVI, aparentemente com o apoio de Calvino. As motivações eram diversas: da busca por um refúgio das guerras religiosas ao senso motivado pela doutrina do milênio de que todos os povos deviam ser evangelizados antes do apocalipse (Lestringant, 1995). Johan Campanius, pastor luterano sueco, ministrou aos índios de Delaware de 1643 a 1648. Sua tradução do Catecismo Menor de Lutero para a língua dos Lenapes “é a primeira tentativa, por parte de um europeu, de reduzir uma língua norte-americana à escrita” (Skarsten, 1988, p. 59).

– EDUCAÇÃO, ECONOMIA E CIÊNCIA
Talvez o ponto no qual a proclamação dos reformadores sobre vocação recebeu mais atenção no mundo moderno tenha sido na intersecção entre religião e economia. Desde a publicação de A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber, tem sido comum associar o capitalismo ao calvinismo. A chamada “tese de Weber” é de que a teologia calvinista enfatizava tanto a predestinação que cristãos ansiosos começaram a buscar sinais de sua eleição divina pelo sucesso mundano, como nos negócios. Em resposta a essa concepção popular da contribuição da concepção de Weber às teorias de modernização (cf. Schilling, 1992, p. 240, 305, 356-7; Green, 1959; Eisenstadt, 1968), devemos notar que a economia do lucro ou as primeiras formas do capitalismo claramente antecederam a Reforma e que Calvino não associava sucesso material à posição de um indivíduo perante Deus. O entendimento de Calvino sobre a predestinação e providência não era individualista, mas comunal e histórico-mundial. A doutrina da predestinação é uma afirmação de que, a despeito de maldade e sofrimento, o destino definitivo do mundo e da história jaz nas mãos bandosas e infalíveis de Deus.

Tendo em vista que a teologia de Calvino não era individualista, mas comunal, ele via a prosperidade como uma bênção vinda de Deus. Para o Reformador, riquezas não demonstravam a aprovação do indivíduo, mas a bênção de Deus sobre ele, a qual devia ser compartilhada com toda a comunidade. Em contrapartida, a pobreza era uma expressão da ira de Deus a toda comunidade como consequência do pecador; por isso, levar o fardo e ajudar o necessitado era uma obrigação de todos. A ideologia do “culpe a vítima, elogie o vencedor” dos tempos modernos é um tipo de teologia do pacto secularizada e individualizada, que associa sucesso e fracasso mundano à virtude moral. A resposta bíblica a esse tipo de “história deuteronômica”, que atribui fracasso e pobreza à falha de caráter e sucesso à conquista moral, é o livro de Jó. Jó é a figura idealizada daquele que cumpre a aliança com Deus e que mesmo assim sofre terrivelmente. Os amigos do patriarca, convencidos de que a bondade traz recompensa e que a maldade incorre em punição, alegam que a única explicação para a situação de Jó era que ele havia pecado. Com amigos assim, quem precisa de inimigos? A resposta Reformada de Lutero e Calvino é lembrar a Igreja de que o próprio Deus sofreu e que, por isso, os cristãos não devem esperar que a fé resulte em um jardim de rosas. Já em 1518, no debate de Heidelberg, Lutero afirmara que fé e sucesso mundano não são equivalentes, atacando toda reivindicação ao contrário como “teologia da glória”.

No campo da economia, Lutero e Calvino atacaram vigorosamente o capitalismo como ganância irrestrita, pedindo ao governo para que o controlasse. Por outro lado, Lutero, Zuínglio e Calvino contribuíram para o desenvolvimento do bem-estar social moderno. Programas nacionais e locais de assistência social foram instituídos em resposta às causas estruturais de desemprego e subemprego, à necessidade de formação profissional e responsabilidade civil para a prevenção e redução da pobreza.

As doutrinas reformadas da justificação e vocação também tiveram impacto no desenvolvimento da educação e das ciências. Baseando-se na contribuição dos humanistas, reformadores enfatizavam a educação como o recurso pelo qual as pessoas eram preparadas para servir toda a comunidade. Como mencionado anteriormente, os reformadores livraram a Palavra e, ao fazê-lo, libertaram também as palavras do cativeiro da elite. Se o sacerdócio pertence a todos os cristãos, então todos, incluindo mulheres, devem aprender a ler. É possível que a alfabetização tenha aumentado a autoestima feminina, mas sua consequência também era vista como perigosa ao status quo masculino. Assim, Henrique VIII tentou proibir que as mulheres lessem a Bíblia, mas não foi bem-sucedido. Não foi acidental o fato de a alfabetização universal ter sido primeiramente alcançada na Escócia e nas regiões protestantes da Alemanha. Como Melanchthon declarou: “Nosso grande objetivo não é a virtude particular apenas, mas o bem-estar público”. Por volta de 1560, Knox e seus colegas haviam elaborado a visão de um sistema nacional de educação na Escócia.

Contudo, podemos dizer que a maior contribuição de Lutero não se restringe a tratados que escreveu sobre assuntos práticos: como cidades devem estabelecer escolas e bibliotecas públicas, como pais devem assegurar a frequência dos filhos na escola, etc. A maior contribuição do Reformador foi o modo como introduziu uma nova forma de pensamento (nos dias de hoje, é moda chamá-lo de “mudança de paradigma”). A rejeição luterana de Aristóteles e outras “autoridades” clássicas não foi nada menos do que uma mudança paradigmática da epistemologia medieval, baseada na dedução de autoridades textuais, a uma epistemologia de indução e experiência. A física se libertou da metafísica. Em seu contexto teológico, Lutero declarou: “Não é por entendimento, leitura ou especulação que alguém se torna teólogo, mas por viver, morrer e ser condenado” (WA 5, p. 163). De modo menos dramático, reiterou: “Nenhuma das artes pode ser aprendida sem prática: que tipo de médico seria alguém que fica na escola o tempo todo? Quando, por ifm, o médico colocar seu remédio para funcionar e lidar cada vez mais com a natureza, então perceberá que ainda não dominou sua arte” (LW, 54, p. 50-1). Essa mudança da dedução para a indução foi reconhecida por pessoas da época, que chamavam o médico pioneiro Paracelso (1493-1541) de “o Lutero dos médicos”; a ideia era que Paracelso compartilhava do ponto de vista de Lutero no que diz respeito à autoridade. De modo semelhante, o pensador inglês Francis Bacon (1561-1626) comparou Aristóteles ao anticristo, acusando filósofos gregos de extrair da mente o conhecimento científico em vez de buscá-lo na natureza. Suspeitas relacionadas à metafísica levaram à fundação, na obra de René Descartes (1596-1650), do racionalismo moderno, corrente filosófica que posiciona evidência e matemática como chaves para a interpretação do mundo em termos de regularidade mecânica.

Em termos institucionais, Lutero e Melanchthon foram essenciais no desenvolvimento da faculdade de medicina da Universidade de Wittenberg. Do ponto de vista pessoal, o filho de Lutero, Paulo, tornou-se um médico respeitado, enquanto o genro de Melanchthon, Caspar Peucer (1525-1602) foi tanto médico quanto teólogo. Por volta do sécuo XVII, a faculdade de medicina da Universidade de Wittenberg tinha um corpo docente renomado. O desvio em relação às autoridades antigas ficou evidente nas contribuições importantes de Salomon Alberti (1540-1600) em estudos anatômicos e na colaboração de outros de seus colegas à botânica.

Ironicamente, controvérsias teológicas após a morte de Lutero também contribuíram para o desenvolvimento da ciência. Johannes Kepler (1571-1630), por exemplo, não foi aceito como ministro ordenado porque sua teologia da Ceia do Senhor não era considerada ortodoxa – fator que o levou a se tornar assistente de Tycho Brahe (1546-1601), astrônomo dinamarquês luterano. A despeito de seu desapontamento sobre a rejeição para o ministério, Kepler escreveu em sua primeira publicação: “Queria me tornar teólogo; por conta disso, fiquei inquieto durante muito tempo. Agora, porém, veja como, por meu esforço, Deus tem sido celebrado na astronomia”. Kepler ainda influenciou Newton e contribuiu para o triunfo da teoria de Copérnico sobre a de Ptolomeu com relação ao movimento planetário.

De modo similar, a Real Sociedade de Londres concentrou-se em estudos científicos porque estava livre de dogmatismo e ceticismo. Contudo, Kepler falou em nome de muitos dos seus colegas cientistas ao descrevê-los como aqueles que “descobrem os pensamentos de Deus”. De modo geral, esses cientistas eram homens religiosos, zelosos por descobrir e admirar a obra de Deus na natureza.

– LITERATURA E ARTES
A historiografia tem exercido um papel importante desde o início da Reforma. Lutero a usou para defender que o papado de seu dia era uma aberração dos primeiros séculos da Igreja, e biógrafos de mártires, como John Foxe, usaram a história de forma seletiva para defender sua causa pela verdade em testemunho do protestantismo. Dissidentes argumentaram que toda Igreja havia caído ao se transformar no establishment durante o reinado de Constantino no século IV. A primeira história abrangente da Igreja surgiu nesse contexto. Em treze volumes, as “Centúrias de Magdeburgo”, sob a edição geral do teólogo luterano Matthias Flacius (1520-75), cobriu os treze primeiros séculos da Igreja a partir da perspectiva de que o Papa era o anticristo, cujo império, a Igreja romana, havia se oposto constantemente à obra de Deus. A resposta católica foi a Annales Ecclesiastici, de César Barônio (1538-1607), obra igualmente tendenciosa que apareceu em diversos volumes, de 1588 a 1607. Embora essas histórias tenham sido elaboradas para fazer com que a história geral servisse às suas respectivas teologias, mesmo assim estimularam o desenvolvimento da alta crítica.

Desde o início, as reformas foram acontecimentos literários que estimularam e tiveram como apoio as línguas vernaculares da época. Elas são “uma história de leitura e escrita […] Enquanto uma personalidade religiosa antes da Reforma podia ser celebrada por milagres de cura, Lutero foi celebrado […] como portador de textos […] Sua atividade literária é vital ao entedimento de sua religião e, por extensão, da Reforma como um todo” (Cummings, 2002, p. 9). Ebeling (1964, p. 1-17) descreveu Lutero como “um acontecimento linguístico” (“Luther als Sprachereignis”) Eis uma descrição mais acurada do sentido que se perde na tradução: “Inovação linguística de Lutero” (Ebeling, 1970, p. 13-26). A contribuição da Reforma nos Campos de literatura e gramática é impressionante.

Literaturas nacionais foram influenciadas por seus respectivos grandes reformadores e seu impulso constante de integrar a fé às línguas vernaculares. Há tantas grandes contribuições que seria impossível listá-las. Todavia, menciono o dramaturgo elisabetano William Shakespeare (1564-1616), cujo brilhantismo literário e cuja perspicácia acerca da vida humana permanecem inigualáveis. Por trás de boa parte da enxurrada estimulada pela Reforma, estava a Bïblia vernacular, que “funcionou como uma parteira que ajudou a dar à luz diversas obras de literatura. A Bíblia na linguagem popular permitiu a um funileiro de Bedford escrever ‘O Peregrino’. Em uma era na qual Milton cria que Deus havia escolhido seus compatriotas ingleses para realizar sua obra especial, foi a Bíblia que fortaleceu os braços de Oliver Cromwell e o espírito dos pioneiros da Nova Inglaterra” (Dickens, 1991, p. 157).

Bíblias vernaculares também foram importantes na normatização das línguas. A Biblia de Lutero continua a ser publicada na Alemanha. A Bíblia do Rei Jaime [King James] (1611), comissionada por Jaime I na conferência de Hampton Court em 1604, tem influenciado expressões da língua inglesa até hoje.

A Reforma também estimulou intensa controvérsia sobre arte religiosa a partir da perspectiva de diversos teólogos Reformados. A teologia anti-iconoclástica de Lutero é evidente em sua apreciação pela arte, que, segundo o Reformador, contribuía à fé e à política (Hofmann, 1983; Zapalac, 1990). Em 1524, Lutero escreveu no “prefácio” de seu Hinário de Wittenberg: “Nem sou da opinião de que o evangelho deva arruinar as artes, como alguns falsos religiosos reivindicam. Pelo contrário: gostaria de ver todas elas, especialmente a música, usadas a serviço Daquele que as criou e concedeu” (LW, 53, p. 316). Um ponto particular de discórdia entre os reformadores era o fato de imagens promoverem, ou ao menos tentarem, a idolatria quando colocadas nas igrejas; outro era de que o dinheiro usado para a arte seria mais bem gasto a serviço dos pobres. Havia ainda um terceiro ponto de desavença: aqueles que patrocinavam a arte sacra muitas vezes pensavam estar contribuindo para a sua salvação. A orientação iconoclástica não se estendia à proibição de obras impressas, já que eram vistas como material menos arriscado à tentação de idolatria:

“Além disso, tendo em vista que material impresso era barato e de fácil disseminação, era o meio ideal para propósitos didáticos […] Albrecht Dürer, Hans Baldung Grien, Lucas Cranach, Hans Holbein e outros criaram verdadeiras obras de arte impressas” (Baumann, 2008, p. 51-2).

A crítica dos reformadores com relação às imagens de santos também tirou a ênfase de “mediadores” mortos e a colocou no retrato dos vivos (Baumann, 2008, p. 51-2). Podemos especular que o foco da Reforma no sacerdócio de todos os batizados e o entendimento da vocação como celebração do prosaico no reino da criação pode ter contribuído não apenas com o interesse do retrato artístico, mas também do mundo natural. A mudança de arte eclesiástica para arte secular também reflete a diminuição do mecenato e, desse modo, a necessidade de artistas encontrarem patrocinadores seculares. Lutero sabia que o cidadão comum geralmente não tinha meio de dar suporte financeiro aos artistas; por isso, vale destacar que exortou ao governo para que desse apoio às artes (Leaver, 2007, p. 38-9).

Talvez os artistas mais associados com a Reforma sejam Lucas Cranach, o Velho (1472-1553), e seu filho, Lucas Cranach, o Jovem (1515-86), que tinham um ateliê em Wittenberg. Cranach foi amigo chegado de Lutero e criou expressões clássicas da teologia reformada, tais como o “Passional Christi et Antichristi” e a “Alegoria da Lei e do Evangelho”. Estudos de Bonnie Noble (2003; 2006) acerca dos retábulos elaborados por Cranach apontam sua diferença acentuada em relação aos retábulos medievais católicos. Enquanto ornamentações católicas enfocavam os santos e a celebração de uma missa distante do povo, o “Retábulo de Wittenberg” (1547) retrata a Ceia do Senhor como um ato comunal com a congregação em vez de um sacrifício sacerdotal. Cidadãos reais da cidade foram usados na estrutura ornamental, incluindo Lutero, Melanchthon e Bugenhagen. O próprio Lutero, vestido como leigo, aceita o cálice do vinho, enfatizando que a ceia devia ser servida com ambos os elementos à congregação. Em um painel lateral, Melanchthon, um leigo, batiza uma criança e, do outro lado do painel, Bugenhagen, pastor da Igreja de Wittenberg, exerce poder, segurando nas mãos a chave do perdão. A parte inferior do painel, uma pintura da Ceia do Senhor, retrata a pregação de Lutero com uma Bíblia aberta, apontando para Cristo na cruz. O Cristo crucificado está no centro da pintura e a congregação local, do lado oposto a Lutero: “As personalidades retratadas no quadro e o observador confrontam um ao outro de igual para igual, isto é, representam literalmente a mesma coisa: a Igreja – em termos de povo congregado e estrutura física – da cidade de Wittenberg” (Noble, 2006, p. 108). O retábulo luterano “designava um espaço santo, porém o fazia um ritual em que tanto o clero quanto o povo celebravam o sacramento. O ornamento guiava a experiência religiosa dos espectadores não por alojar uma relíquia, operar um milagre ou inspirar uma visão, mas pelo ensino da salvação evangélica. Ainda mais importante era o fato de a imagem em si não ser santa, servindo apenas de ferramenta pedagógica, não como objeto de veneração” (Noble, 2003, p. 1027).

Também na música as reformas estimularam composições que continuam a enriquecer a vida moderna. Todos os reformadores protestantes trabalharam para tornar a liturgia acessível ao povo, mas nem todos a complementaram com arte e música como dons gloriosos de Deus. Lutero colocou a música a serviço do evangelho por meio de sua composição extensa, que tinha como objetivo o envolvimento de toda congregação (Brown, 2005). Hinos “transformam a Palavra de Deus em música”; por isso, por volta de 1524, Wittenberg tinha um hinário para a congregação e um coral ostentando a organização polifônica de Johann Walter (Leaver, 2007, p. 19), músico e colega de Lutero. O próprio Reformador afirmava que, “ao lado da Palavra de Deus, a música é digna da maior honra” (LW, 53, p. 323). De fato, incitando a uma “disposição calma e alegre”, a música repele o diabo: “O diabo, criador de preocupações entristecedoras e inquietantes, foge ao som da música quase da mesma forma como foge da palavra teológica” (LW, 49, p. 427-8; Leaver, 2007, p. 93; cf. também, p. 65-70). O próprio Lutero teve poucos rivais como compositor melódico: “Aquilo que conhecemos por coral luterano foi, em muitos aspectos, criação de Lutero, a ponto de muitos hinários do século XVI incluírem, na capa, palavras como ‘contém hinos de Martinho Lutero e outros compositores'” (Leaver, 2007, p. 59). Por volta do fim do século XVI, cerca de 4 mil hinos protestantes haviam sido escritos: “O jesuíta alemão Adam Contzen lamentou, em 1620, que, do ponto de vista jesuíta, Martinho Lutero havia destruído mais almas com seus hinos do que com todos os livros e pregações” (Brown, 2005, p. 1). Muitos dos hinos de Lutero continuam a ser conhecidos e cantados hoje, especialmente “Castelo Forte” e as melodias que serviram de referência posterior aos trabalhos de Michael Praetorius (1571-1621), Heinrich Schütz (1585-1672), Dietrich Buxtehude (c. 1637-1707) e, claro, Johann Sebastian Bach – epítome da música barroca e do coral luterano. De fato, na época de Buxtehude e Bach, a tradição luterana de adoração musical “havia florescido em uma experiência em termos musicais, espirituais e litúrgicos, variando nas congregações em nível de coro, voz, e instrumentos musicais” (Leaver, 1990, p. 157; TER 18, p. 602-29). Que o próprio trabalho musical de Bach estava enraizado na teologia e liturgia de Lutero é evidente não apenas pelas anotações que fez nos dois volumes de sua coletânea das obras completas do Reformador, mas também em seu uso de temas luteranos. Justificação somente pela fé, lei e evangelho e teologia da cruz, temas familiares da Reforma, ecoam nas obras de Bach tanto em melodia quanto em palavras (Chafe, 1985; Lee, 1985; Leaver, 2007, p. 277-304): “Música era uma parte importante da identidade luterana […] Lutero […] deu à música um lugar de destaque, posicionando-a ao lado da teologia em sua Igreja” (Oettinger, 2001, p. 209).

Isso não aconteceu nas reformas de Zuínglio e Calvino. Em Zurique, Zuínglio, pressupondo que a música distraía da adoração – e que o culto devia ser “puro”, isto é, envolvendo apenas a Palavra – baniu todas as formas de cântico e, em 1524, lacrou todos os órgãos (Garside, 1966, p. 44). Berna seguiu o mesmo exemplo. Já vimos as contribuições de Clement Marot e do próprio Calvino ao desenvolvimento de salmodias e do saltério huguenote. Contudo, o órgão e a música instrumental foram também proibidos nas igrejas de Genebra:

“Já que a Bíblia não especifica nada acerca de música polifônica (o cântico complexo de diversas linhas, tonalidades e textos), do uso do órgão, ou da composição livre de novos hinos, igrejas de Genebra usariam apenas materiais bíblicos (geralmente salmos parafraseados) como sua música. Alguns resultados da prática, como as tonalidades e textos do Saltério de Genebra de Calvino, não tiveram contribuição musical memorável, apenas limitada” (Noll, 2007, p. 16-17).

Em sua perspectiva musical, os suíços reformados eram coerentes com sua orientação iconoclástica no que diz respeito às artes em geral. Em comparação com a convicção sacramental luterana e católica de que o finito é capaz de conter o infinito, o esforço Reformado de eliminar toda forma de idolatria partia da teologia sacramental, que negava a “presença real” e, dessa maneira, limitava a arte estritamente à esfera secular (Irwin, 1993, p. 28). Da mesma forma como Karlstadt havia defendido a abolição de imagens, Calvino também declarava válida sua proibição, ordenada no Antigo Testamento. Segundo eles, o uso de imagens sempre levaria à idolatria: “Só pode ser esculpido e pintado aquilo que o olhar é capaz de ver. Desse modo, não deixem que a majestade de Deus, que será acima da percepção dos olhos, seja rebaixada por representações indecorosas” (McNeill e Battles, 1960: 1, 112).


“A Lei e o Evangelho” ou “Alegoria da Lei e da Graça”, produzida pelo artista de Wittenberg, Lucas Cranach, o Velho (c. 1530), é uma das versões artísticas da teologia de Lutero. À esquerda, o diabo, a morte e a Lei de Moisés impulsionam Adão ao inferno. À direita, João Batista aponta Adão ao Cristo crucificado, o cordeiro que carrega os pecados do mundo. A figura conecta o destino da humanidade e a morte de Cristo e apresenta passagens bíblicas centrais, supridas nas margens. A representação se repetiu em diversos altares e Bíblias luteranas, dentre outros lugares. Fonte: Foto de Eberhard Renno, Weimar Schlossmuseu.

Igrejas Reformadas deviam ser completamente destituídas de imagens: “É difícil enfatizar o bastante a força e importância do impulso anti-idólatra em modelar atitudes reformistas com respeito às artes visuais” (Benedict, 1999, p. 30). Esse “impulso anti-idólatra” levou alguns reformadores a renumerar os Dez Mandamentos. Enquanto a numeração medieval, retida por luteranos e católicos, envolvia a proibição da idolatria no primeiro mandamento [Êxodo 20:3-4], a tradição Reformada passou a dividi-lo em dois, tornando a proibição de imagens uma ordenança independente. Desse modo, alguns catecismos combinaram ambos os sistemas de numeração (9 e 10) para manter o número dos mandamentos em dez (cf. “O Catecismo de Heidelberg”, Noll, 1991, p. 156-8). A revisão do Decálogo proveu uma autorização bíblica para o iconoclasmo, realçado pela referência de uma série de textos do Antigo Testamento (p.ex., Deuteronômio 7:5; 12:3; Números 33:52), textos que traziam ordens divinas para a destruição de imagens, de preferência queimando-as. Calvino harmonizou esses textos em relação ao segundo mandamento (Aston, 1993, p. 292-3). Todas as confissões reformadas – da Confessio Tetrapolitana de 1530 até o Livro de Disciplina escocês de 1560 – “martelavam” contra a idolatria e o uso de imagens. Entretanto, as artes visuais permaneceram meios possíveis de edificação (especialmente cenas do Antigo Testamento) e propaganda (xilogravuras satíricas, como a “Passional Christi et Antichristi”, de Cranach). Duas das histórias bíblicas mais populares retratadas na arte religiosa holandesa são: a parábola do filho pródigo (p.ex., Rembrandt), demonstrando o favor imerecido de Deus, e o chamado de Mateus, o coletor de impostos, ilustrando, mais uma vez, a graça divina e o chamado à reforma.

O impacto econômico em artistas, escultores e ourives que abraçaram a fé Reformada foi significativo, já que o mecenato da Igreja por seu trabalho cessou imediatamente. Benedict (1999, p. 35-8), contudo, frisa que artistas reformados às vezes aceitavam comissões católicas:

“Se não podemos presumir nenhuma relação simples entre as implicações teológicas de uma determinada tela e as crenças religiosas do artista que a produziu, não restam dúvidas de que, onde a Reforma protestante triunfava, também mudavam, imediata e substancialmente, as condições de patrocínio e produções artísticas.”

A iconoclastia reflete tanto a crítica anterior humanista da exteriorização da religião baseada no dualismo platônico entre espírito e matéria e uma rejeição do desejo medieval por visualização – “o olhar que salva” – que havia levado à adoração de relíquias e da hóstia em vez de participação na Ceia do Senhor:

“Por definição, a tradição Reformada mantinha as modalidades verbais de modo tão central que o aspecto visual foi rejeitado […] Para a eucaristia, uma celebração simples da ceia era suficiente. Por isso, os ângulos de visão da adoração eram diferentes: todos enfocavam um único ponto, prestando atenção apenas na audição. Não havia lugar para outros sentidos – visão, paladar, olfato. A concentração devia estar apenas na Palavra por intermédio de palavras, não de visão” (Dillenberger, 1999, p. 190).


“A luz do Evangelho reacendida pelos reformadores” (c. 1630). Representações triunfalistas da Reforma geralmente apresentavam Lutero em papéis de destaque, como evangelista, santo, modelo de virtude e mesmo legislador, como Moisés. Este cartaz holandês apresenta de forma excepcional a união harmoniosa dos reformadores europeus mais importantes e seus precursores, Wycliffe e Huss, em uma cena que alude à Última Ceia de Cristo, cercado pelos discípulos. No lugar de Cristo está a “trindade”: Lutero com a Bíblia aberta, Calvino e o calvinista italiano Girolamo Zanchi. Do lado oposto estão, no lugar de Judas, um cardeal, o diabo, o Papa e um monge, que representam a forma quádrupla da fé católica falsa. A vela acesa em frente à Biblia representa a verdadeira luz divina que veio à tona por intermédio dos reformadores (Mateus 5:15). Os reformadores reunidos são vistos como preservadores, propagadores e mártires da verdadeira luz divina em contraste com seus oponentes católicos, servos das trevas, que tentam apagar a vela. Fonte: Kunstsammlungcn der Veste Coburg.

Havia também o motivo ético de que era melhor ajudar o pobre do que decorar igrejas. Erasmo escreveu: “Quantos acendem velas à Virgem e mãe de Deus ao meio-dia, sem nenhum proveito? Igualmente, quão poucos se dedicam a uma vida de castidade, modéstia e amor às coisas espirituais?” (Hofmann, 1983, p. 8; Wandel, 1995). A ênfase calvinista de que a verdadeira decoração da Igreja consiste em moderação, piedade e virtudes que surgem de uma vida reformada em vez de materiais caros teve o efeito da “moralização da beleza” (TRE 20, p. 282). Reivindica-se que a Reforma “cooperou decisivamente para a secularização da arte ocidental do ponto de vista teórico, por sua descentralização; do ponto de vista prático, pela redução de sua função eclesiástica” (TRE 20, p. 284).

O Concílio de Trento respondeu à iconoclastia protestante durante sua última seção (1563) com o decreto: “Sobre a invocação, veneração e relíquia de santos, e sobre Imagens sagradas”. Trento expressou preocupação com o uso indevido da arte, enfatizando que a honra e veneração dada às imagens devem ser, na verdade, destinadas àqueles que elas representam. Imagens de Cristo, de Maria e dos santos relembram as pessoas da graça de Deus, provendo exemplos de vida e morte a partir da história de santos e mártires. Com relação à morte, havia a ênfase particular em retratos realísticos dos horrores e sofrimentos da crucificação de Cristo e da morte dos mártires. Retratos precisavam corresponder à vida para instruir e encorajar o discipulado e a imitação. Em resposta aos ataques protestantes ao sacramento católico da eucaristia, a arte da Contrarreforma mostrava o próprio Jesus consagrando-a, afirmando, deste modo, a doutrina da transubstanciação: “O mesmo ponto dogmático encontrava afirmação ousada em diversas composições alegóricas, celebrando dramaticamente o triunfo do sacramento, incluindo a exposição solene do cálice ou ostensório” (Christensen, 1996, p. 78). Outro tema recorrente era a defesa do sacramento da penitência pela representação de indivíduos arrependidos, especialmente Maria Madalena e Pedro. Trento também procurou reduzir a “lascívia” nas artes. O caso mais conhecido dessa preocupação por decoro foi a cobertura da nudez contida na grande obra “O juízo final”, de Michelangelo. No entanto, o catolicismo romano reteve a convicção de que imagens podiam tocar o coração, fazendo as pessoas se lembrarem da Palavra de Deus, e exibiu exuberância confiante no desenvolvimento da arte barroca (cf. Mullett, 1999, p. 196-214).

– DE VOLTA PARA O FUTURO: AS REFORMAS E A MODERNIDADE
A relação entre Reforma e modernidade é considerada um assunto controverso e tem levantado diversas questões no que diz respeito à interpretação de ambos os períodos. Historiadores, críticos da hegemonia passada de interpretações intelectuais e teológicas, rejeitam reivindicações simplistas acerca do patrimônio da Reforma no período moderno. A Reforma deve ser entendida por si só, não (mal) usada com o objetivo de especulação contemporânea, histórica e religiosa. Essa é uma advertência importante contra interpretações liberais da Reforma, que a veem como a iniciação de um progresso inevitável em direção ao triunfo da verdade: “A Reforma continua, em primeira instância, a ser um movimento contextualizado na história; seu relacionamento com a modernidade é enganoso. Historiadores precisam de mais modéstia” (Nipperdey, 1987, p. 539).

Precisamos dizer, contudo, que, se o estudo da história envolve o propósito de nos livrar “da mão morta da história”, então nossa reflexão sobre o passado implica mais do que uma coleção de antiguidades: “Quando deixamos de lamentar a ganância, a tolice e o fanatismo do século XVI, a Reforma continua se destacando, como uma montanha volumosa na paisagem do cristianismo ocidental. O movimento tratou de questões de importância tal que ainda hoje nos desconcertam e dividem” (Dickens, 1991, p. 394-5). Há, entre os historiadores, uma disposição cada vez maior que admitir que a Reforma foi um momento decisivo na história universal, muito além de implicações religiosas. A importância desse fato tem sido descrita em termos de dessacralização e desritualização, fenômenos que, na crítica de instituições e hierarquias, abriu espaço para a autodeterminação individual, a internalização da disciplina e “o processo civilizatório” (Hsia, 1989, p. 183; Rublack, 1993; Blaschke, 1993, p. 511). A crítica profética a todo esforço de atribuir “caráter último ao penúltimo” não foi uma força em prol do passado, mas a libertação de impulsos intelectuais, sociais e políticos direcionados à modernização (Schilling, 1992: Capítulo, 7), produzindo, assim, novas formas de pensamentos e vida sociopolítica. Emprestando um conceito da medicina moderna, forças religiosas, políticas e sociais se interligaram como em uma síndrome, criando os efeitos específicos dessa inter-relação (Schilling, 1988, p. 86).

Lutero certamente não tinha a intenção de modernizar a sociedade, iniciar a Idade Moderna ou mesmo ativar uma revolução social. O período moderno já estava a caminho enquanto o Reformador se engajava em sua luta religiosa para encontrar um Deus misericordioso. Contudo, foi sua descoberta de que a justiça de Deus é recebida, não conquistada, que desobstruiu caminho, liberando-o de obstáculos que impediam o avanço do mundo moderno (Blaschke, 1993, p. 520).

Se o leitor me permite brincar um pouco com a semântica, isso afirma a relevância da irrelevância. Diferentemente de outros da época que se preocupavam com o ajuste das engrenagens da sociedade para que ela pudesse funcionar melhor, Lutero e os demais reformadores concluíram que a questão não era o funcionamento da sociedade, mas se estava mesmo na direção certa. Os reformadores chegaram a essa conclusão a partir de seu estudo das fontes da sociedade, não de seus propósitos e de suas conquistas. É claro que estamos muito distantes do século XVI, mas também notavelmente próximos de algumas das mesmas questões. Hoje, também vivemos em uma cultura não menos debilitante e enraizada na piedade do mérito – embora sua ênfase esteja não na esfera religiosa, mas na secular. A preocupação moderna com a salvação da economia não é menos desgastante que a preocupação medieval com a economia da salvação. Além disso, catedrais contemporâneas do capitalismo e outras ideologias exigem “boas obras” de sacrifício, como na Idade Média. Desse modo, o estudo do mundo distante das reformas nos dá um horizonte e nos oferece uma perspectiva para o presente: “O estudo da Reforma questiona a assertividade de nossa existência moderna. Mesmo tratando-se de um movimento remoto, nem por isso deixa de ser atual” (Nipperdey, 1987, p. 535).

É claro que o período da Reforma não foi uma era dourada: aqueles que anseiam pelos “bons e velhos tempos” não entendem bem como foi a vida naquela época. Contudo, o esquecimento do passado contribui para a incompreensão do presente. Dois exemplos breves são o bastante para demonstrá-lo. O primeiro está relacionado ao fato de como cidadãos do mundo ocidental moderno parecem ter dificuldade em entender como algo além dos planos econômico e político é capaz de motivar atos contemporâneos de terrorismo e influenciar a política interna e externa de outras culturas. Esquecemo-nos de como nossos próprios antepassados matavam e morriam voluntariamente com base em comprometimentos religiosos. Ignoramos, por nossa conta e risco, a dinâmica religiosa. O segundo é como, em nossa cultura, promovemos o direito individual à custa do bem comum. Vemos, por exemplo, a disciplina exercida no consistório de Genebra como forma de controle social punitivo. Ao mesmo tempo, estranhamos a alienação e o colapso das relações sociais nas grandes cidades – consequências da anomia. Esquecemo-nos de que havia um propósito construtivo de serviço e cuidado mútuo na prática social de comunidades nas quais um ficava de olho nos assuntos do outro (cf. Kingdon, 1993b; 679; 1994, p. 34).

Conhecer a contribuição das reformas para o desenvolvimento do nosso mundo nos ajuda a entender como chegamos até aqui e nos dá um horizonte crítico pelo qual conseguimos avaliar os resultados.

– SUGESTÕES DE LEITURA
* Dean Phillip Bell e Stephen G. Burneet, eds., Jews, Judaism, and the Reformation in Sixteenth-Century Germany [Judeus, judaísmo e a Reforma na Alemanha do século XVI]. Leiden: Brill, 2006.

* Christopher Boyd Brown, Singing the Gospel: Lutheran Hymns and the Success of the Reformation [Cantando o evangelho: hinos luteranos e o sucesso da Reforma]. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2005.

* Jane Dempsey Douglass, Women, Freedom and Calvin [Mulheres, liberdade e Calvino]. Filadélfia: Westminster, 1985.

* John Edwards, The Jews in Christian Europe 1400-1700 [Os judeus na europa cristã: 1400-1700]. Londres: Routledge, 1988.

* R. Po-Chia Hsia, Social Discipline in the Reformation: Central Europe 1550-1750 [Disciplina social na Reforma: Europa Central: 1550-1750]. Londres: Routledge, 1989.

* Amy Leonard, Nails in the Wall: Catholic Nuns in Reformation Germany [Unhas na parede: freiras católicas na Alemanha Reformada]. Chicago: University of Chicago Press, 2005.

* Heiko A. Oberman, The Roots of Anti-Semitism in the Age of the Renaissance and Reformation [Raízes do antissemitismo nas eras do Renascimento e da Reforma]. Filadélfia: Fortress Press, 1984.

* Steven Ozment, When Fathers Ruled: Family Life in Reformation Europe [Quando os pais governavam: vida familiar na Europa reformada]. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1983.

* Heinz Schilling, Religion, Political Culture and the Emergence of Early Modern Society: Essays in German and Dutch History [Religião, cultura e o surgimento da sociedade moderna]. Leiden: E. J. Brill, 1992.

* Kirsi Stjerna, Women and the Reformation [Mulheres e a Reforma]. Oxford: Blackwell, 2009.

* Merry Wiesner-Hanks, “Society and the Sexes Revisited” [Uma revisão da sociedade e dos gêneros] em Whitford, 2008, 396-414.

– RECURSOS ELETRÔNICOS
“Other Women’s Voices: Translations of women’s writing before 1700” [A voz de outras mulheres: tradução de escritos femininos antes de 1700]:
http://chnm.gmu.edu/worldhistorysources/r/1/wwh.html

Imagens de igreja sinagoga:
http://www.bluffton.edu/homepages/facstaff/sullivanm/index/index2.html
http://www.sju.edu/int/academics/centers/ijcr/archives/Synagoga-Ecclesia.html

Imagens de um “Judensau”:
https://www.tripadvisor.com/LocationPhotoDirectLink-g187407-d545980-i106156960-Stadtkirche_a_World_Heritage_Treasure-Wittenberg_Saxony_Anhalt.html

 

Fonte: História da Reforma, Carter Lindberg, Editora Thomas Nelson Brasil - Capítulo 15: Legados da Reforma, pg. 407-442


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