A PERSPECTIVA PENTECOSTAL COMO UM ALICERCE DO PROTESTANTISMO BRASILEIRO


Categoria: Historiografia, Sociologia
Imagem: Montagem Protestantismo.com.br
Publicado: 13 de Dezembro de 2017, Quarta Feira, 00h37

Por: ADM MARCELL DE OLIVEIRA (foto)

Projeto de Pesquisa apresentado ao Curso de Licenciatura em História da Faculdade Estácio de Sá, a ser utilizado como diretrizes para a manufatura do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)

Orientadora: Prof. Renata Ribeiro de Oliveira

Aluno: Marcell de Oliveira (Administrador do Protestantismo.com.br)

Vitória/ES, 2017

RESUMO
O presente artigo tem por objetivo analisar de que forma a expansão do Pentecostalismo vem transformando o paradigma do Protestantismo no Brasil, tornando-se assim uma nova estrutura que sustenta o legado deixado pela Reforma Protestante, que se iniciou na Alemanha do século XVI, em nosso país, nesses dois últimos séculos. Sendo assim, neste trabalho procuraremos mostrar que, apesar de o Protestantismo ter passado por inúmeras transformações no decorrer desses 500 anos de existência como, por exemplo, o surgimento do Puritanismo e do Metodismo na Inglaterra, e do Pietismo na própria Alemanha, é através do Pentecostalismo americano, que se expandiu para o Brasil no início do século XX, que surge um alicerce para a continuação do Cristianismo Reformado, baseado no destaque dado às causas sobrenaturais, políticas e sociais.

INTRODUÇÃO


Local onde ocorreu o tão questionado avivamento / Imagem: Google Images

Um prédio desocupado e em mal estado na Rua Azusa em Los Angeles nos EUA foi palco de um grande avivamento que tem marcado profundamente o Cristianismo nos últimos cem anos. O avivamento conhecido como Pentecostalismo, ou Movimento Pentecostal, até hoje levanta profundos debates entre pensadores e teólogos cristãos do mundo inteiro devido aos seus cultos não serem de acordo com a ortodoxia/tradição dos cultos protestantes/reformados.

No entanto, o propósito para a realização deste trabalho é apresentar a trajetória centenária do Pentecostalismo no Brasil que, apesar de ainda ser fortemente contestada pela maioria dos protestantes tradicionais, tornou-se, em sua essência, o sustentáculo do Protestantismo Brasileiro.

A importância desse estudo nos levará a configuração de laços gerados pelos pentecostais, por meio de relações fraternais de amizade, de confiança mútua e, também, de solidariedade para com os necessitados, tornando-se, segundo o sociólogo Ricardo Mariano[1], “uma religião dos pobres”.

Portanto, o presente artigo tem como objetivo de explanar a conduta pentecostal em seus aspectos historiográfico e sociológico, e como a constância do Protestantismo Brasileiro está atrelada a este movimento diante de um país considerado o mais católico do mundo. Analisaremos uma breve história do Pentecostalismo no Brasil, as semelhanças e diferenças com o Protestantismo, e o seu crescimento mesmo tendo um baixo prestígio social devido a sua crença exclusiva em questão de salvação ou da verdade divina.

O PENTECOSTALISMO NA PERSPECTIVA RELIGIOSA
A expressão “pentecostalismo” procede do vocabulário grego pentekosté que significa quinquagésimo. O dia de Pentecostes é uma das três festas do povo judeu: Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos. Tais festas, mencionadas nos livros do Antigo Testamento – Êxodo 34 e Levítico 23 -, eram comemoradas cinquenta dias após a Páscoa, por isso o significado “quinquagésimo”.

Segundo o professor do Antigo Testamento da Faeteo, Tércio Machado Siqueira, na base da festa de Pentecostes judaica existe uma tradição agrícola, que coincide com o início da colheita, seja de trigo ou de frutas e vegetais. Os judeus cultuavam a Deus oferecendo as primícias como ofertas e, posteriormente, tais celebrações foram levadas para os lugares de culto, particularmente, o Templo de Jerusalém.

No Novo Testamento, o dia de Pentecostes ocorreu cinquenta dias após a ascensão de Cristo e é marcada pela ação do Espírito Santo. Esta festa é relatada no livro de Atos dos Apóstolos capítulo 2 versículos 1 ao 4:

Chegando o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído, como se soprasse um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados. Apareceu-lhes então uma espécie de línguas de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Ficaram todos cheios do Espírito Santo e começaram a falar em línguas conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem.

Bíblia Sagrada versão católica Ave Maria

Podemos perceber que o ritual em falar em línguas estranhas, línguas cuja gramática é desconhecida em meios acadêmicos, como descrito em Atos 2, passa a ser uma identidade do Pentecostalismo hoje. A ênfase do pentecostalismo sobre este carisma envolve um enorme agrupamento de cristãos que tem aceitado o batismo no Espírito e os dons espirituais.

Os teólogos pentecostais apontam o avivamento na Rua Azusa nos EUA como um retorno ao fenômeno bíblico ocorrido em Atos 2 e, também, o início do Pentecostalismo moderno. Uma das principais características deste avivamento norte-americano ocorrido no início do século XX foi a sua espontaneidade, pois não havia sido planejado. Não houve uma teologia para dar sustentação racional ou senso de direção a este fenômeno. Este movimento teve sua teologia formulada de uma forma tardia, e ainda não há consenso de como se conseguiu reunir sob o mesmo teto, cristãos com orientações teológicas tão divergentes que afluíam em torno daquele sentimento de piedade espiritual.

O Dr. Eddie Hyatt, historiador e teólogo, em seu livro Fire on the Earth: Eyewitness Reports from the Azusa Street Revival, nos mostra um registro deixado por uma testemunha deste avivamento:

Eles gritaram durante três dias e três noites. Era Páscoa. As pessoas vieram de todos os lugares. No dia seguinte, foi impossível chegar perto da casa. Quando as pessoas entraram, elas caíram debaixo do poder de Deus; e a cidade inteira foi tocada. Eles gritaram até as fundações da casa cederem, mas ninguém foi ferido. Durante esses três dias, havia muitas pessoas que receberam o batismo. Os doentes foram curados e os pecadores foram salvos assim que eles entraram.

HYATT, 2006:5

Não há como comprovar a autenticidade desse relato, mas é possível levantar comparações desse avivamento do início do século XX com a conduta de um fiel pentecostal nos dias de hoje. As exaltações e a eloquência do orador presente nos cultos, as críticas levantadas contra os cultos pentecostais por serem “barulhentos” e, também, a polêmica que envolve pentecostais e candomblecistas devido a intolerância. De acordo com Sérgio F. Ferreti[2], as religiões afro como o Candomblé, são essencialmente religiões de êxtase ou de transe, onde entidades são invocadas e cultuadas por certas categorias de devotos em estado especial de consciência. E apesar dos pentecostais não invocarem entidades, seus cultos também demonstram um certo êxtase ou um transe que desempenha um papel fundamental de adoração à Deus.

Entretanto, a essência pentecostal está presente na grande maioria das igrejas evangélicas e nem todas essas igrejas apresentam tais exaltações. Um simples ato de bater palmas durante os louvores, ou a forma de cumprimentar o próximo dentro da igreja, ou até mesmo adorar a Deus em voz alta era algo raro nas igrejas protestantes antes do Pentecostalismo surgir.

O PENTECOSTALISMO NA PERSPECTIVA HISTORIOGRÁFICA
Segundo o historiador francês Michel de Certeau, é algo complexo encontrar o “ponto zero” e, a partir dele, construir um discurso historiográfico de um determinado movimento religioso. Inúmeras fontes apontam que o Pentecostalismo teve seu início registrado no livro de Atos dos Apóstolos capítulo 2, já outras fontes alegam que o Pentecostalismo iniciou através do grande avivamento ocorrido na Rua Azusa em Los Angeles nos EUA no início do século XX.

No entanto, para melhor compreensão, é necessário dividir o Pentecostalismo em dois grupos: O Pentecostalismo Bíblico e o Pentecostalismo Moderno. O Pentecostalismo Bíblico está relacionado a perspectiva religiosa conforme já mostrado neste trabalho, pois envolve a questão da tradição judaica e a questão sobrenatural da Era Apostólica.

Portanto, neste tópico, focaremos brevemente no Pentecostalismo Moderno. Pode-se dizer que o avivamento ocorrido na Rua Azusa no início do século XX não foi um fato isolado, mas sim um resultado de grandes transformações ocorridas desde a Reforma Protestante no século XVI. Após o movimento da Reforma se concretizar em diversas regiões na Europa, o Protestantismo em si passou por um período de grande formalismo devido a intervenção dos príncipes e chefes de Estado. O rompimento ocorrido na Cristandade Católica no século XVI trouxe uma certa liberdade à burguesia e aos mais poderosos em modificar a estrutura eclesiástica local. Temos o caso do Rei Henrique VIII, da Inglaterra, que teve a liberdade em romper os laços da Igreja Anglicana com a Igreja Católica devido ao seu pedido de divórcio não ter sido aceito pelo papa.

No final do século seguinte, XVII, a preocupação com a secularização da igreja protestante e com doutrinas formuladas por meio de um intenso formalismo sistemático, levou o teólogo Philip Jacob Spener a levantar um movimento chamado Pietismo. Segundo o filósofo da religião, Paul Tillich, “o pietismo era mais moderno do que a ortodoxia. Estava mais próximo da mente moderna por causa da sua subjetividade”. Ou seja, Spener não se preocupava com o tradicionalismo, mas sim com o espiritualismo. Ele abriu espaço para uma renovação onde a sociedade pudesse ir para a igreja não por uma simples questão de hábito, mas sim para ter uma experiência religiosa com Deus.

O historiador e pesquisador Dr. Douglas H. Shantz alega que o pietista é aquela pessoa que dá mais ênfase a piedade pessoal do que ao cultivo de crenças, à comunhão entre os crentes do que o pertencimento a uma igreja organizada sujeita a um clero profissional. Tais características religiosas influenciaram no surgimento do Metodismo entre os anglicanos, do Puritanismo entre os calvinistas e do evangelicalismo atual como conhecemos, o Pentecostalismo, o Movimento Carismático, entre outros.

Nota-se que essas transformações que ocorreram após a Reforma Protestante foram um conjunto de movimentos que deram início a um breve afastamento da liturgia tradicional para tornar a igreja um pouco mais “democrática”, mais próxima do povo. Hoje em dia, é notório encontrar igrejas pentecostais em locais mais pobres, nas periferias, nas favelas, onde as próprias residências comuns, de madeira, de pau a pique, podem abrir espaço para pequenos grupos de oração e ali mesmo se transformar em uma igreja, sem ter aquela necessidade em ter um altar, objetos sagrados como a cruz ou velas, e vestimentas como a batina.

O SURGIMENTO DO PENTECOSTALIMSO BRASILEIRO
Neste ano de 2017, a Reforma Protestante completará 500 anos de existência no mundo e 200 anos de caminhada no Brasil. São 500 anos de história iniciada através da fé e ousadia de um monge agostiniano alemão chamado Martinho Lutero, após ter fixado suas 95 teses na porta da Igreja de Wittenberg contra a venda de indulgências pela Igreja Católica. Tais teses se espalharam por toda a Europa transformando a política e a sociedade dos europeus, e foram uma das causas que abalaram a estrutura que conhecemos como Idade Moderna

No Brasil, o Protestantismo teve seu início nos séculos XVI e XVII com a chegada dos franceses (1555) e holandeses (1630). O diplomata francês Nicolas Durand de Villegaignon que comandou uma expedição à baía de Guanabara, era simpatizante à Reforma e chegou a escrever uma carta ao reformador João Calvino, em Genebra, na Suíça, solicitando pastores e colonos evangélicos para sua colônia. O príncipe Maurício de Nassau, maior líder do Brasil holandês, concedeu uma boa medida de liberdade religiosa entre católicos e judeus, mas também facilitou para os holandeses levantarem uma igreja estatal nos moldes da Igreja Reformada da Holanda. Durante duas décadas, foram organizadas 22 igrejas e congregações, dois presbitérios e um sínodo.

No entanto, a partir do século XX, a estrutura do Protestantismo no Brasil passou por um momento de transformação com a chegada do movimento Pentecostal. O historiador norte-americano David Martin formulou a “teoria das ondas” mostrando que o pentecostalismo brasileiro passou por três ondas de implementação de igrejas. A primeira onda foi a implementação das igrejas Congregação Cristã no Brasil (1910) e Assembléia de Deus (1911). A segunda onda ocorreu entre os anos 50 e 60 devido a uma fragmentação que fez surgir as igrejas Quadrangular (1951), Brasil para Cristo (1955) e Deus é Amor (1962). O contexto desta pulverização é paulista. E a terceira e última onda ocorreu no final dos anos 70, surgindo as igrejas Universal do Reino de Deus (1977) e a Igreja Internacional da Graça de Deus (1980). Tal contexto é fundamentalmente carioca.

O sociólogo Antonio Gouveia de Mendonça, após analisar as mudanças repentinas dos ensinamentos pentecostais, levantou a “teoria dos surtos”. O primeiro surto do pentecostalismo brasileiro ocorreu nos anos 1910 e 1911, que era um pentecostalismo enfatizando o batismo no Espírito Santo. O segundo surto ocorreu nos anos 50, e enfatizava a cura divina e não mais o batismo no Espírito Santo. Em seguida, veio o terceiro surto intitulado Neopentecostalismo que enfatizava o dualismo (o bem e o mal), a expulsão de demônios e a Teologia da Prosperidade.

Nos anos 70, os católicos constituíam 91,8% da sociedade brasileira e, em 2010, esta porcentagem diminuiu para 64,4%. “Quem mais cresce são os evangélicos, que, nesses quarenta anos saltaram de 5,2% da população para 22,2%. O aumento desse seguimento foi puxado pelos pentecostais que se disseminaram pelo país na esteira das migrações internas. Nas periferias, na ausência do estado e da Igreja Católica, os pentecostais atuaram como guias espirituais e como figuras centrais do assistencialismo.” (AZEVEDO, 2012).

A seguir, discutiremos as semelhanças e diferenças entre o Protestantismo e o Pentecostalismo, e como a constância do Protestantismo brasileiro está atrelada ao movimento Pentecostal.

O PROTESTANTE ALEMÃO DO SÉCULO XVI E O PENTECOSTAL BRASILEIRO DO SÉCULO XXI
Analisar a conduta de um protestante da Alemanha do século XVI e de um pentecostal brasileiro do século XXI é algo que requer precaução. Pois são épocas e lugares diferentes, além de princípios, costumes, culturas sociais e políticas que não podemos encaixar diretamente no contexto atual brasileiro. São 500 anos de transformações que não podemos simplesmente pegar um sujeito do século XVI e analisá-lo com lentes regradas do nosso século, mas, por outro lado, é notório o legado deixado pela Reforma Protestante no Pentecostalismo brasileiro.

O protestante alemão do século XVI viveu em uma época onde a Europa passava por uma transição das estruturas medievais para a modernidade, e a Reforma Protestante do século XVI fomentou esta mudança de paradigma. Antes disso, a ideologia católica condenava o lucro e a usura, ou seja, o acúmulo primitivo de riqueza, mas não condenava este acúmulo de riqueza para si mesma.

Muitos senhores pagavam uma enorme quantia para que seu nome fosse mencionado nas missas, mesmo após sua morte. Então, como grande propriedade de terras, a igreja também era uma senhora feudal e possuía os privilégios desta posição. Suas terras eram arfadas pelos servos e, da mesma maneira que ocorria com os demais senhores feudais, recebia uma parte dessas colheitas.

[3]

A Reforma Protestante do século XVI não só questionou os princípios religiosos da Igreja Católica, mas também, passou a moldar um novo patamar na Cristandade.

As ideias luteranas [Reforma Protestante] se espalharam como um incêndio pela Europa. […] Os burgueses estavam especialmente interessados nas novas doutrinas que se espalhavam pela Europa porque não condenavam o lucro, nem o comércio lícito. E, também, estimulavam o trabalho e a prosperidade de seus fieis, o que vinha exatamente ao encontro dos anseios burgueses.

[4]

Por outro lado, não houve uma transição medieval para a modernidade no Brasil. O país teve seu início já nos moldes da modernidade europeia. Segundo Lurdes Rosa[5], “embora no Brasil não tenha existido Idade Média, os historiadores que são formados no cânone ocidental consideram que o passado medieval deles [brasileiros] é o europeu, e mais especificamente, o português”.

Os princípios da Reforma Protestante do século XVI são constituídos por Cinco Pilares conforme foram apresentados na Declaração de Cambridge[6]:

1 – Sola Scriptura: A Igreja reafirma a Escritura como inerrante e fonte única de revelação divina escrita, única para constranger a consciência. A Bíblia ensina tudo o que é necessário para a salvação do pecado, e é o padrão pelo qual todo comportamento cristão deve ser avaliado.

2 – Solus Christus: A Igreja reafirma que a salvação é realizada unicamente pela obra mediadora do Cristo histórico. Sua vida sem pecado e sua expiação por si só são suficientes para justificação e reconciliação com o Pai (Deus).

3 – Sola Gratia: A Igreja reafirma que na salvação, o pecador é resgatado da ira de Deus unicamente pela sua graça. A obra sobrenatural do Espírito Santo é o que leva o pecador a Cristo.

4 – Sola Fide: A Igreja reafirma que é exclusivamente baseado na Graça de Deus, através somente da fé daquele que crê, por causa da obra redentora de Cristo, que são perdoados as transgressões da Lei de Deus.

5 – Soli Deo Gloria: A Igreja reafirma que, como a salvação é de Deus e realizada por Deus, ela é para a glória de Deus e devemos glorificá-lo sempre. Devemos viver nossa vida inteira perante a face de Deus, sob a autoridade de Deus, e para sua glória somente.

(BOICE, VEITH, HORTON, 1999)

Enquanto que o protestante alemão do século XVI foi um agente importante para a construção da modernidade, se envolvendo em questões religiosas, econômicas e políticas, o pentecostal brasileiro do século XXI está mais focado em experiências religiosas, no sobrenatural. Apesar da presença da bancada evangélica no Congresso Nacional sempre atuante em questões extra-religiosas, o perfil de um pentecostal brasileiro está bem distante da tradição como é de costume para um protestante que segue uma igreja histórica.

No entanto, os cinco pilares levantados pela Reforma Protestante está presente no Pentecostalismo brasileiro. Vejamos:

1 – Sola Scriptura: “Cremos na inspiração divina verbal e plenária da Bíblia Sagrada, única regra infalível de fé e prática para a vida e o caráter cristão.” (Credo da Igreja Assembléia de Deus)[7];

2 – Solus Christus: “Cremos que o Filho, achado na forma de homem, manteve-se sem pecado algum dispondo-se à morte substitutiva e remidora, ressuscitando corporalmente dentre os mortos e subindo triunfante aos céus.” (Credo da Igreja O Brasil para Cristo)[8];

3 – Sola Gratia: “Cremos que a salvação dos pecadores é inteiramente pela graça, que não temos justiça alguma ou bondade em nós mesmos, por onde procurar o divino amparo, havendo que lançarmo-nos, portanto, à inabalável misericórdia e amor daquele que nos comprou e nos lavou no seu próprio sangue, clamando os méritos e a justiça de Cristo o Salvador, firmados na sua palavra e aceitando o livre dom de seu amor e perdão.” (Credo da Igreja Quadrangular)[9];

4 – Sola Fide: “Nós cremos na justificação pela fé somente.” (Credo da Igreja Congregação Cristã do Brasil)[10];

5 – Soli Deo Gloria: “Na necessidade e na possibilidade de termos vida santa e irrepreensível por obra do Espírito Santo, que nos capacita a viver como fieis testemunhas de Jesus Cristo.” (Credo da Igreja Assembléia de Deus)[11];

BRASIL EVANGÉLICO: UM PROTESTANTISMO MOLDADO NO PENTECOSTALISMO
Na América Latina, principalmente no Brasil, o termo evangélico abrange todas as igrejas protestantes históricas (Luterana, Presbiteriana, Congregacional, Anglicana, Metodista, Batista, Adventista), as pentecostais (Congregação Cristã no Brasil, Assembléia de Deus, Evangelho Quadrangular, etc.) e as neopentecostais (Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus, etc.). Em contrapartida, o pentecostalismo se distingue do protestantismo histórico, do qual é herdeiro, devido a crença nos dons de línguas (glossolalia), cura e discernimento de espíritos, e por defender a retomada de crenças e práticas do cristianismo primitivo, como a cura de enfermos, a expulsão de demônios, a concessão divina de bênçãos e a realização de milagres.

No entanto, segundo Souza (2004, apud FERNANDES, 2006):

[…] dissociar Pentecostalismo e Reforma [Protestante] seria mutilar o fenômeno sob a alegação de uma taxionomia, uma necessidade de classificação, meramente teológica e sem o menor respaldo do método de análise sociológica.

É importante destacar que os registros históricos do movimento o associam em partes às igrejas protestantes, de onde os membros fundadores de igrejas pentecostais saíram, em função de uma renovada dimensão de espiritualidade. (BAXTER, 1992, apud FERNANDES, 2006).

De acordo com o Censo do IBGE de 2010[12], os evangélicos foram o segmento religioso que mais cresceu no Brasil. Em 2000, os evangélicos representavam 15,4% da população. Em 2010, este número aumentou para 22,2%, um aumento de aproximadamente de 16 milhões de pessoas. Em 1991, este percentual era de 9,0% e, em 1980, 6,6%. Ou seja, em 30 anos, o percentual de evangélicos passa de 6,6% para 22,2%.

Segundo pesquisa realizada pelo Frei Bento[13] e publicada no jornal mineiro Hoje em Dia[14], estima-se que, a cada ano, são abertos, no Brasil, 14 mil novos templos evangélicos. Entre eles, os neopentecostais que, em sua grande maioria, se encontram nas periferias da cidade, e 63,7% recebem por mês no máximo um salário mínimo. Daí o interesse pela Teologia da Prosperidade[15], que propõe como valor religioso a ascensão social dentro da mobilidade urbana. Tal fenômeno se deve ao êxodo rural, à urbanização desenfreada, à quebra de vínculos familiares tradicionais, ao inchamento das periferias e à massificação dos meios de comunicação, fatores que estão na origem da explosão evangélica. Com efeito, os pentecostais passaram a transformar qualquer sala ou galpão em local de culto. Sendo assim, muitos templos pentecostais mantém suas portas abertas 24h por dia com a participação ativa dos fieis.

Para Ricardo Mariano[16], os pentecostais perfazem dois terços dos evangélicos que saltaram 5,6% para 10,4% da população entre os anos de 1991 a 2000, ao passo dos protestantes históricos que passaram de 3% para 4,1%. Embora as taxas de crescimento do protestantismo histórico no Brasil sejam inferiores às do pentecostalismo, são muito elevadas, sobretudo tendo em vista que na década anterior o protestantismo apresentou uma taxa de crescimento anual negativa (-0,4%). As igrejas pentecostais souberam aproveitar e explorar eficientemente, em benefício próprio, os contextos socioeconômicos, cultural, político e religioso do último quarto de século no Brasil. Cabe também destacar o enfraquecimento da Igreja Católica, a liberdade e o pluralismo religioso, a abertura política e a redemocratização do Brasil.

Portanto, segundo o professor Helio Sabino[17], a expansão do Pentecostalismo no Brasil também está ligada ao seu acolhimento, principalmente nas regiões periféricas. De acordo com suas análises, tais igrejas oferecem “visibilidade” a pessoas socialmente “invisíveis”.

De repente, o indivíduo se vê em um ambiente em que ele é chamado pelo nome e acolhido na entrada, em um lugar onde pode ter a oportunidade de cantar, dançar e tocar instrumentos.

SABINO, 2017

Por fim, as igrejas pentecostais são as que mais crescem devido a maneira de oferecer respostas imediatas para situação de exclusão. Elas não se limitam na distribuição de cestas básicas, mas, também, organizam instituições com voluntários e profissionais contratados para atender a população carente, resgatando e abrigando pessoas em situações de rua, dependentes químicos, entre outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através das viagens realizadas no Estado do Espírito Santo e no interior do Estado do Rio de Janeiro, é comum perceber que uma igreja evangélica histórica (como a Luterana) possui menos fieis que uma igreja católica. Por outro lado, uma igreja pentecostal (como a Assembleia de Deus) possui mais fieis que as igrejas evangélica histórica e católica juntas.

No entanto, apesar das diferentes características socais presentes em diversas regiões no Brasil – onde possivelmente há mais adeptos protestantes e católicos, e menos pentecostais -, torna-se notório, através das análises realizadas neste projeto de pesquisa, a configuração do Pentecostalismo como uma nova fase do Protestantismo, especialmente no Brasil.

Tendo como base as pesquisas bibliográficas aqui levantadas e as análises dos dados apontados pelo IBGE, notamos que o Pentecostalismo tem se expandido gradativamente no decorrer das últimas décadas. O Brasil possui, aproximadamente, 200 milhões de habitantes (dados de 2016), sendo 43 milhões declarados evangélicos. Dentre esses 43 milhões de evangélicos, 24 milhões se declaram pentecostais. Apesar do número de católicos ser superior (aproximadamente 138 milhões), motivo pelo qual o Brasil é considerado o maior país católico do mundo, constatamos que o Brasil é, também, na perspectiva evangélica, o maior país pentecostal do mundo.

Portanto, podemos aqui concluir que, apesar das diferenças doutrinárias que envolvem o Pentecostalismo e o Protestantismo histórico, o legado deixado pela Reforma Protestante do século XVI na Alemanha continua atuante. Enquanto as igrejas evangélicas históricas carregam a Reforma Protestante por meio de suas tradições um tanto que “burocráticas” para não violar a liturgia, os pentecostais carregam a Reforma por meio de um “cristianismo democrático” através de ações sociais, onde todos que são acolhidos possuem a liberdade em testemunhar o Evangelho, não somente o sacerdote como é de costume. Tais fatores fomentaram o Pentecostalismo como um alicerce do Protestantismo brasileiro.

Notas:
1 Graduado em Ciências Sociais pela USP, onde também realizou o mestrado e doutorado em Sociologia.

2 Antropólogo e museólogo brasileiro, professor da Universidade Federal do Maranhão.

3 Trecho do Capítulo 7 – Uma Disputa Secular: Gládio Espiritual e Gládio Temporal. Disciplina História Moderna: Do Feudalismo às Reformas Religiosas, 3o período do curso Lic. História, Faculdade Estácio de Sá.

4 Trecho do Capítulo 7 – Uma Disputa Secular: Gládio Espiritual e Gládio Temporal. Disciplina História Moderna: Do Feudalismo às Reformas Religiosas, 3o período do curso Lic. História, Faculdade Estácio de Sá.

5 Investigadora da Universidade de Lisboa.

6 Cento e vinte ministros evangélicos, professores e líderes de organizações para-eclesiásticas se reuniram em Cambridge, Massachusetts, em abril de 1996, durante quatro dias, para juntos elaborarem a Declaração de Cambridge. Através desta declaração, foi expressada de forma sucinta a necessidade de retornar aos princípios teológicos da Reforma, expressos no Cinco Solas.

7 CPAD. Assembléias de Deus: Cremos. Disponível em: < http://www.editoracpad.com.br/assembleia/cremos/ >. Acesso em: 27 set. 2017.

8 O BRASIL PARA CRISTO. Quem somos. Disponível em: < http://www.obpcfv-centro.org.br/quem-somos.html >. Acesso em: 27 set. 2017.

9 IGREJA QUADRANGULAR. Declaração de Fé. Disponível em: < https://goo.gl/HqxxgW >. Acesso em: 27 set. 2017.

10 NC!. Confissão de Fé CCB. Disponível em: < https://noscremosccb.wordpress.com >. Acesso em: 27 set. 2017.

11 ASSEMBLEIA.ORG.BR. Em que cremos. Disponível em: < http://assembleia.org.br/em-que-cremos/ >. Acesso em: 27 set. 2017.

12 Agência IBGE Notícias (29/06/2012), Censo 2010: número de católicos cai e aumenta o número de evangélicos, espíritas e sem religião.

13 Frade dominicano e escritor brasileiro. Autor de 58 livros, no Brasil e no exterior, estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia.

14 HOJE EM DIA. Católicos e Evangélicos. Disponível em: < http://hojeemdia.com.br/opinião/colunas/frei-betto-1.334186/católicos-e-evangélicos-1.423834 >. Acesso em: 27 set. 2017.

15 Doutrina cristã que defende a bênção financeira como um desejo de Deus para os cristãos e que a fé, o discurso positivo e as doações para os ministérios cristãos irão sempre aumentar a riqueza material do fiel.

16 Doutor em sociologia pela FLLCH-USP e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

17 Professor da Universidade Federal de Minas Gerais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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CORREIO BRAZILIENSE. Igrejas evangélicas que se proliferam em locais carentes se transformam em base para a comunidade. Disponível em: < http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2009/06/23/interna_cidadesdf,120778/igrejas-evangelicas-que-se-proliferam-em-locais-carentes-se-transformam-em-base-para-a-comunidade.shtml >. Acesso em: 25 set. 2017.

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FERREIRA, F. Pilares da Fé: A Atualidade da Mensagem da Reforma. 1. ed. São Paulo: Vida Nova. 2017. 208p.

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SHANTZ, D. H. An Introduction to German Pietism: Protestant Renewal at the Dawn of Modern Europe. 1. ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2013. 520p.

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO. O Pentecostalismo no Brasil, Cem Anos Depois. Uma Religião dos Pobres. Disponível em: < http://portal.metodista.br/fateo/materiais-de-apoio/artigos/o-pentecostalismo-no-brasil-cem-anos-depois-uma-religiao-dos-pobres >. Acesso em: 16 set. 2017.

VEJA. O IBGE e a religião: Cristãos são 86,8% do Brasil; católicos caem para 64,6%; evangélicos já são 22,2%. Disponível em: < http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/o-ibge-e-a-religiao-cristaos-sao-86-8-do-brasil-catolicos-caem-para-64-6-evangelicos-ja-sao-22-2/ >. Acesso em: 25 set. 2017.


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