REFORMA NA FRANÇA E SUÍÇA FRANCESA (1520-1592) NA PERSPECTIVA DE A. KNIGHT E W. ANGLIN


Categoria: Historiografia
Imagem: Calvin presiding over a conference in Geneva in 1549 - MuséeProtestant.org
Publicado: Originalmente publicado em Agosto/2008 e republicado no dia 08 de Agosto de 2021, Domingo, 01h31

A instituição da Reforma na França e na Suíça Francesa deve ser considerada como uma obra um tanto moderna, relativamente à Reforma na Alemanha e na Suíça Alemã. A sua história é uma história de sangue, começando pelo martírio do eloquente mas imprudente João Leclerc, e acabando na mortandade dos Huguenotes, em que perto de 70.000 pessoas que professavam a fé reformada foram massacradas em poucos dias.

Guilherme Farel
Guilherme Farel, natural de Delfinado, pode ser considerado como o apóstolo da Reforma Suíça Francesa. Aprendeu as doutrinas reformadas com um piedoso e sábio doutor de Etaples, chamado Tiago Lefèvre, e ensinou-as primeiro em Paris, onde gozou a amizade e a proteção do bispo de Meaux, Guilherme Briçonnet, o qual ensinava pessoalmente as novas doutrinas. Contudo a perseguição tornou-se, por fim, tão violenta, que foi obrigado a refugiar-se na Suíça, onde travou conhecimento com Oecolâmpade, Bucer, e outros reformadores. Em Basiléia, Montbeliard, Agle, Vallengin, St. Blaise e Neuchatel, todos lugares na Suíça Francesa, trabalhou com êxito variado, e tal foi o poder da sua pregação nessa última localidade, que o povo declarou que queria viver na fé protestante, e não ficou satisfeito enquanto a Reforma não foi legalmente estabelecida no cantão. Em Genebra onde tinha ido duas vezes, seu trabalho foi cheio de dificuldades e perigos, e tanto monges como padres fizeram várias tentativas para assassiná-lo. Por muitas vezes foi apedrejado e espancado; esteve quase para ser afogado no Reno em duas ocasiões, e uma vez foi milagrosamente salvo de morte mais penosa causada por veneno. Mas a benção do Senhor estava sobre os seus trabalhos, e em breve a missa foi oficialmente suspensa por um decreto do Concílio dos Duzentos, e apareceu um edito ordenando que os serviços de Deus haviam de ser dali por diante feitos conforme os estudos do Evangelho; e que todos os atos de idolatria papal haviam de cessar completamente.

Foram cunhadas medalhas para celebrar este acontecimento, e os cidadãos escolheram para si esta nova divisa: “Depois das trevas, luz”. Resultados igualmente felizes coroaram os trabalhos do intrépido reformador em Lausane, embora a sua primeira visita ali não desse bom resultado. A importante questão foi decidida numa discussão pública que durou oito dias; e acabou por um assinalado triunfo para os protestantes.

João Calvino
Enquanto esteve em Genebra no ano de 1536, Farel travou conhecimento com Calvino, que era então um jovem de vinte e oito anos. Já se tinha tornado notável pela publicação dos seus “Institutos Cristãos”, e Farel pensou que se pudesse persuadir o seu jovem amigo a ficar em Genebra para olhar pelo trabalho, ele poderia ajudar muito os interesses da Reforma. Propôs, pois, isto, mas Calvino estremeceu à ideia de tomar sobre si o peso de uma tal empresa, e recusou. Desculpou-se dizendo que não tinha conhecimento bastante para empreender aquela tarefa; que a sua educação ainda não estava completa, e pelo menos, por enquanto, só podia prestar seu auxílio por meio da pena. Mas Farel, sentindo que ele estava fugindo à vontade de Deus, respondeu à sua recusa com palavras fortes, dizendo: “Que Deus amaldiçoe o seu descanso e os seus estudos se por amor deles fugir da obra que Ele tem para lhe dar a fazer!“.


Calvino e Farel / Fonte: elescreram.blogspot.com

Estas palavras produziram o efeito desejado no ânimo do jovem teólogo e ele abandonou os seus projetos de ir pra Strasburgo continuar os estudos, e fixou-se em Genebra. Foi nomeado professor de teologia e começou um árduo ministério de vinte e oito anos, como pastor de uma das mais importantes igrejas da cidade; e aqui estendeu logo a sua influência a todos os países da Europa. “A sua ligação com a antiga igreja“, dizia Luiz Hausser, “era muito extraordinária. Ele fazia-lhe uma oposição mais forte do que ninguém. Bastantes coisas iradas e picantes se tinham, na verdade, já dito de Roma, mas nada tão esmagador tinha sido avançado contra a igreja romana em todas as polêmicas que tinham tido lugar, como aquela afirmativa de Calvino feita sem cólera e a sangue frio, de que ela era inteiramente oposta à ideia primitiva da constituição da igreja, e, portanto, foi ele considerado como o inimigo mais perigoso e implacável de Roma do que Lutero“.

Mas o povo de Genebra não podia desde logo habituar-se às medidas de reforma que Calvino introduziu. Toda a cidade tinha caído no vício e no papismo, e os seus novecentos padres governaram a consciência do povo, que não gostava das restrições que Calvino punha aos seus cantos, às suas danças, e a outros divertimentos mundanos nem tampouco tolerava as suas censuras severas aos pecados menos públicos e que muitos não eram estranhos: e quando por fim os proibiu de virem ao altar, e os mandou embora com palavras de censura, o povo levantou-se em massa e expulsou-o da cidade.

Mas em breve quiseram que ele voltasse outra vez. A cidade estava em desordem, devido aos encolerizados bandos de papistas, e libertinos, e a sua presença era ali muito necessária. Os próprios que o tinham expulsado começaram a clamar em altos brados pela sua volta. “Chamemos de novo o homem que queria reformar a nossa fé, a nossa moral e as nossas liberdades“, diziam eles. E assim no ano 1540, foi resolvido pelo Concílio dos Duzentos que, com o fim de promover a honra e glória de Deus, se procurassem todos os meios possíveis para que Mestre Calvino voltasse como pregador.

Calvino, de início, não tinha muita vontade de voltar, e declarou que não havia lugar na terra que ele mais temesse do que Genebra, acrescentando, porém, que não se negaria a coisa alguma que fosse o bem da igreja. Por causa dos seus amigos, resolveu voltar, sentindo que nesse passo era guiado pela vontade de Deus. A amável recepção que lhe fizeram atenuou de alguma maneira os maus tratos que lhe tinham dado, e daí por diante encontrou poucos obstáculos nos seus trabalhos para o bem do povo.

A história não levanta a cortina que esconde aos nossos olhos a vida privada e doméstica de Calvino, e por isso a sua vida não oferece tanto interesse como a de Lutero. Morreu em 17 de Maio de 1564, completamente gasto por um excesso de fadiga mental.

As aflições d’este tempo presente não são para comparar com a glória quem em nós há de…” aqui parou, porque nesse momento a glória despertou para ele.

Na Cidade de Meaux
Passemos agora de Calvino e da reformação da Suíça Francesa, e voltemos a nossa atenção para a França; observemos o progresso e as dificuldades da obra ali. Já aludimos ao trabalho de Farel e Lefèvre em Paris, e da proteção que receberam de Briçonnet, bispo de Meaux, mas foi na diocese de Briçonnet que as doutrinas reformadas foram primeiro proclamadas publicamente.

Meaux era nesse tempo uma pequena cidade ativa, cheia de operários, e esta gente simples escutava com profundo interesse as novas doutrinas do seu bispo, convertendo-se muitos deles. A obra aumentou, e os monges e frades pedintes que infestavam os arrebaldes alarmaram-se.

Que nova heresia é esta?” exclamavam eles, “a nossa autoridade está sendo contestada, estão-nos tirando os nossos meios de subsistência; precisamos, pois, tomar medidas imediatas para reprimir estas doutrinas estranhas“. Consequentemente, partiram para Paris, e apresentaram a sua queixa perante a Sorbona e o Parlamento, afirmando que “a cidade de Meaux, e toda a vizinhança estava infestada de heresia, e que essa heresia vinha do palácio episcopal“.

Era então o reino administrado, na ausência do seu verdadeiro monarca Francisco I, pela mãe deste, uma católica fanática; e o partido reformador sabia que não podia esperar clemência da parte dela. A conduta do bispo quando foi citado perante o Parlamento, também não podia de modo algum animá-lo e protegê-lo, porquanto mostrou a maior timidez durante o seu interrogatório, chegando a ceder às propostas da Sarbona. A adoração à virgem e aos santos começou de novo; proibiram a venda e a posse das obras de Lutero e Lefèvre, Farel e quaisquer reformadores foram proibidos de pregar nos púlpitos de Meaux, e até de residirem na vizinhança.

Este começo não dava muitas esperanças. O principal reformador em Meaux abandonou a obra por medo, e os outros foram dali expulsos. Que se havia de fazer? Devia abandonar-se a obra, e devia a causa de Deus sofrer sem remédio por causa da cólera dos homens? Não. Por algum tempo continuou-se a obra em segredo, e embora nada se pudesse fazer publicamente, não se desprezou o estudo particular da Palavra, nem a oração. Então um dos membros principais do partido, o tecelão João Leclerc, fez uma proclamação na qual falava do papa em termos bruscos, e afirmava que o reino do Anticristo estava para ser destruído pelo sopro do Senhor. Colocou esta proclamação numa das portas da Catedral, onde todos a pudessem ler, e esperou o resultado.

Como se pode calcular, os monges e os padres ficaram desesperados e cheios de confusão; e Leclerc foi preso por suspeita. Quando foi julgado não fez tentativa alguma para esconder o seu ato, e depois de um julgamento que durou uns poucos dias, foi condenado a ser açoitado pela cidade afora, e a ser marcado na testa com um ferro em brasa.

Leclerc em Metz
O tecelão ainda não estava bem curado dos seus ferimentos quando voltou para a obra; mas o seu tempo de ação era outro. Tendo sido expulso de Meaux vamos encontrá-lo em Metz e no caráter de destruidor de imagens. Sentado um dia diante das imagens da Capela da Virgem, um edifício de grande celebridade, próximo àquela cidade, vieram-lhe estas palavras ao pensamento: “Não te inclinarás diante dos seus deuses, nem os servirás nem farás conforme às suas obras; antes os destruirás totalmente, e quebrarás de todo as suas estátuas” (Ex. 23.24), e tomando isto como uma ordem divina, levantou-se imediatamente, e demoliu as imagens que abundavam na capela. Feito isto entrou tranquilamente na cidade.

A agitação que este ato produziu entre os católicos não se pode descrever, e o herege marcado foi logo preso. Como no seu primeiro julgamento, também agora confessou prontamente o seu “crime” e exortou o povo a renunciar à idolatria, e voltar para a adoração do verdadeiro Deus. Tendo-lhe sido dada a sentença de morte, apressaram-se a levá-lo para o lugar do seu martírio. Ali uma medonha morte o aguardava, mas ele aguentou tudo milagrosamente até o fim. Primeiro foi-lhe decepada a mão direita, aquela que tinha praticado o ato; em seguida rasgaram-lhe a carne com tenazes em brasa; e depois queimaram-lhe o peito horrivelmente. Mas enquanto durou esta tortura ele ia repetindo em voz clara e firme as palavras do Salmista: “Têm boca, mas não falam; olhos têm mas não vêem; têm ouvidos mas não ouvem; narizes têm mas não cheiram; têm mãos, mas não apalpam, pés têm, mas não andam; nem som algum sai-lhes da garganta. A eles se tornem semelhantes os que fazem, assim como todos que neles confiam” (Sl 115.4-8).

O seu corpo foi então consumido num fogo lento; e assim entrou no Céu o primeiro mártir da Reforma Francesa.

Mais Martírios
Daí a algum tempo chegou o martírio de um padre convertido, cujo paciente testemunho no lugar do suplício levou muitos a acreditar na verdade da causa por que morreu, e encheu-os de desejo de conhecer melhor aquele Evangelho em que ele tinha encontrado tão grande consolação. Depois chegou a vez do sábio Luis Berguin, par de França de quem Beza disse que teria sido um segundo Lutero, se tivesse encontrado em Francisco um outro Frederico de Hanover. Três vezes foi preso por pregar as doutrinas reformadas ao povo, e três vezes foi posto em liberdade por pedido da irmã do rei, a piedosa Margarida, depois rainha de Navarra. Entretanto os seus amigos, receosos e desanimados com os perigos de que estavam rodeados, instaram com ele para desistir de pregar, e para que não tentasse mais a malícia dos seus inimigos, mas enquanto os seus amigos tímidos pediam a Berguin que parasse, a voz de Deus na sua própria alma, e por meio das páginas da sua Palavra, mandava-o prosseguir e Berguin prosseguiu, e a França precisa dar graças a Deus por isso.

Por fim foi preso pela quarta vez, e conduzido perante a Sorbona. Depois de um julgamento fictício, foi condenado à prisão perpétua e a ter a sua língua furada com um ferro em brasa, mas Berguin apelou contra a decisão do tribunal, e os juízes recearam insistir na sentença em vista da sua apelação. Então decidiram que fosse estrangulado e queimado, e esta sentença foi levada por diante. No dia 22 de Abril de 1529, foi levado num carro para a praça da Gréve, entre uma escolta de seiscentos soldados, e ali suportou a morte com grande firmeza.

Os martírios tornaram-se então frequentes, sendo contudo como outros tantos convites ao povo para se levantar por toda parte em defesa da verdade; e por cada mártir que morria, levantavam-se vinte campeões a preencher o seu lugar. Contudo a oposição era muito grande, e o número de reformadores, comparado com os inimigos da Reforma, era muito limitado.

Afixação de Cartazes
Por fim tomaram um expediente com que esperavam apressar a obra; prepararam um protesto no qual se expunham os abusos de Roma nas mais vivas cores. Por toda a França circularam cópias deste protesto, e foi particularmente combinado que fosse publicado simultaneamente em todas as cidades em uma certa noite – 18 de Outubro de 1534 (outros dizem 24), foi a data fixada para o plano; e aquela obra notável de uma só noite, deu a todo o ano o nome de “Ano dos Cartazes”.

Por fim chegou essa noite – uma noite de ansiedade para os luteranos, e a ousada empresa de afixar os cartazes concluiu-se tranquilamente e sem distúrbios. Em Paris, afixaram cópias na parede da universidade, e de todos os edifícios públicos, e as portas da catedral ficaram cobertas. Até a casa do Parlamento, e a porta do quarto de dormir do rei, não foram excetuadas; sendo porém provável que algum inimigo fosse o responsável pela colocação do cartaz ali. Chegou a manhã, e os efeitos produzidos pela descoberta não se podem descrever. A excitação era incrível; por toda a parte se levantou o grito de cólera: “Morte aos hereges!” e logo começou uma tempestade de perseguições terríveis. O rei ficou pálido de cólera quando viu o cartaz, e exclamou encolerizado: “Prendam-nos a todos, e que o luteranismo seja totalmente exterminado“.

Imediatamente se fizeram inúmeras prisões, e as execuções seguiam-se uma após outra com terrível rapidez. No dia 21 de Janeiro de 1535, saiu uma procissão para expiar, como diziam, as indignidades que tinham sido praticadas contra a igreja, e passou pelas ruas concorridas de Paris numa sombria majestade, sendo as solenidades desse dia coroadas com o martírio de seis luteranos. O rei que estava presente fez um violento discurso contra as doutrinas dos reformadores. Porém quanto teria dado mais tarde para poder arrancar da sua consciência os crimes de tanto sangue, e para aliviar a sua alma das consequências que ele sabia estarem pesando sobre si?!

Reinado de Henrique
No ano de 1547 morreu Francisco, sucedendo-lhe Henrique, o seu filho segundo. Durante os doze anos do seu reinado a perseguição continuou com maior violência ainda, e os padres não perdiam ocasião alguma de influir no ânimo do rei contra a Reforma. Descreviam-na como sediciosa e revolucionária, e declaravam que os Huguenotes – pois este era o nome pelo qual eram conhecidos os luteranos franceses – estavam conspirando contra ele, e que as suas doutrinas arruinavam todo o poder eclesiástico e real. O rei assustou-se com estas representações, mas foi só no fim do seu reinado, quando a Reforma tinha de tal maneira tomado posse do povo, que uma sexta parte da população era de huguenotes, que ele recorreu à medida extrema de convocar um parlamento com a ideia de suprimir a “heresia”.

O único incidente importante que ocorreu durante as deliberações do Parlamento, parece ter sido a prisão de um dos senadores, João Du Bourg, cujo discurso ousado a favor dos huguenotes excitou a cólera do rei, e levou-o a exclamar que havia de ver o martírio de Du Bourg, com os seus próprios olhos. Isto era, na verdade, a sua séria intenção, mas o Senhor permitiu outra coisa, e quatorze dias depois da prisão do senador, Henrique foi morto num torneio com o conde de Montgomery, o capitão dos guardas, e, coisa notável, foi este o próprio que tinha efetuado a prisão de Du Bourg.

O Rei Francisco II
A subida de Francisco II ao trono em nada melhorou a situação dos huguenotes; e o valente campeão deles, Du Bourg, depois de ter estado encarcerado seis meses, na medonha masmorra da Bastilha, durante os quais lhe negaram as coisas mais necessárias à vida, e o fizeram sofrer horríveis torturas numa gaiola de ferro, foi por fim queimado vivo.

O novo rei era quase uma criança quando subiu ao trono, e a fraqueza do seu corpo e ainda mais do seu espírito tornaram-no inteiramente incapaz de governar. Foi durante o seu reinado que a obra da Reforma em França assumiu uma feição política, e que as guerras religiosas começaram.

O Protestantismo em França tinha agora entre os seus adeptos muitos dos principais nobres do país, tais como Coligny e Sully, e os huguenotes tinham-se tornado um partido forte que já não podia ser desprezado. Havia então no país dois partidos em violenta oposição: um que tinha à sua frente Catarina de Médici, representando a antiga nobreza de França, e o outro, comandado pelos irmãos Francisco e Carlos Guise, que representava uma facção completamente nova. Francisco Guise, que era duque, dominava o exército; Carlos, que era cardial, influía nas finanças e nos negócios estrangeiros.

O Poder na Mão de Catarina
A morte de Francisco II, no ano de 1560, causou porém a derrota do partido dos Guises, e tendo Catarina de Médici, por interesse próprio, tomado debaixo da sua guarda o novo rei, Carlos XI, que então tinha dez anos, vieram assim as redás do governo para as suas mãos. Embora não tivesse fortes convicções religiosas de espécie alguma, era católica de nome, e odiava o protestantismo por causa das suas supostas tendências democráticas; mas, para consolidar o seu poder, pôs em liberdade os huguenotes que tinham sido feitos prisioneiros durante o reinado de Francisco II. Ao mesmo tempo evitava ofender os Guises, e permitia-lhes a todos os seus adeptos que ficassem nos seus cargos e postos de honra.

A Conspiração
Mas logo que viu a sua posição estabelecida com firmeza, procedeu de modo a poder realizar os seus planos para o extermínio da heresia e ruína dos huguenotes. Ajudada pelo papa Pio V, e Filipe da Espanha, viu a sua conspiração pronta para se executar no outono do ano de 1572. Aquela conspiração tinha por fim o completo massacre dos protestantes franceses.

A frente dos huguenotes achava-se o ilustre almirante Coligny, um ancião tão venerado pela sua piedade como conhecido pela sua bravura. Tinha sido necessário ganhar a sua confiança, ou pelo menos, fazer com que ele não suspeitasse do que se passava, para que um projeto tão vasto como o que Catarina e os seus cúmplices tinham formado pudesse ser levado por diante; e isto fez-se de maneira seguinte: Carlos XI que então tinha 22 anos, foi instigado por sua mãe a manifestar o sincero desejo de que se estabelecesse uma paz duradoura entre os dois partidos religiosos, e para isso foi tratado o casamento entre sua irmã, Margarida de Valois, uma católica romana, e o rei de Navarra, (depois Henrique IV) protestante. Ao princípio foi feita alguma oposição a este projeto pela mãe de Henrique, a espiritual Joana d’Albret, mas esta foi secretamente envenenada, e o casamento foi devidamente combinado e fixado para o dia 18 de Agosto de 1572, sendo convidados para a cerimônia os nobres de toda a parte do reino, tanto protestantes como católicos. Quase todos aceitaram o convite, e no dia 18 estava em Paris uma multidão de chefes dos dois partidos religiosos. O casamento solenizou-se devidamente, e durante alguns dias a metrópole francesa entregou-se a festas e alegrias, misturando-se os protestantes com os católicos sem nada suspeitarem. Mas todas estas coisas faziam parte do grande projeto, e os huguenotes deixaram-se embalar por elas. A véspera de São Bartolomeu estava próxima e as festas continuavam, assim como continuavam a existir as mesmas relações amigáveis entre todas as classes.


Catarina de Médici observando os corpos dos protestantes no massacre da noite de São Bartolomeu / Fonte: Aventuras na História

O Massacre da Noite de S. Bartolomeu
Carlos estava agitadíssimo ao aproximar-se a hora fatal. Tinha uma palidez mortal, e o seu corpo tremia; um medonho sentido de remorso lhe oprimindo o coração, e teria dado contra-ordem se não fossem as instâncias de sua mãe. Esta porém receando alguma indecisão, ordenara que a tragédia começasse uma hora mais cedo da que estava determinada.

Por fim o sino deu sinal e todos os campanários de Paris responderam imediatamente, e a carnificina começou. Uma das primeiras vítimas foi o almirante Coligny, que foi brutalmente assassinado. Em todas as ruas se ouvia agora o fogo dos mosqueteiros, misturado com as pragas dos papistas e os gemidos dos moribundos. Os huguenotes, atacados de surpresa, não podiam oferecer resistência, e quando rompeu a manhã podiam-se ver cadáveres aos montes por toda a parte. O sangue enchia as ruas, e o Sena corria avermelhado. A manhã não fez cessar aquela medonha obra, e já então as indecisões de Carlos se haviam desvanecido, chegando ele a uma varanda com sua mãe para deleitar a sua vista com aquela cena de carnificina. Isto durou quatro dias, e ao fim deles os assassinos pararam por puro cansaço, tendo sido assassinados uns quinhentos protestantes nobres de classe elevada, e uns cinco a dez mil huguenotes da mais humilde condição.

Mas a mortandade ainda não foi só aqui: estendeu-se pelas províncias, sendo dadas ordens a vários governadores e magistrados para que exterminassem os hereges sem piedade. Alguns obedeceram imediatamente, mas não todos. Seja dito para sua eterna honra, que um prelado católico, João Hennuyer, bispo de Lisieux, recusou-se a incorrer no crime de um ato tão odioso, e quando o mensageiro do rei apresentou a ordem ele disse: “Não! Não, Senhor! Oponho-me e sempre me oporei à execução de uma tal ordem. Eu sou o pastor de Lisieux, e esta gente a que me mandam assassinar pertence ao meu rebanho. Apesar de se terem agora desviado e abandonado a pastagem do soberano Pastor, Ele confiou-as aos meus cuidados, e ainda podem voltar. Eu não vejo no Evangelho que o pastor possa permitir que o sangue das suas ovelhas seja derramado; pelo contrário, vejo ali que ele é obrigado a dar o seu sangue e a sua vida por elas“. Nobre testemunho! É com alegria que o recordamos aqui, embora as nossas ideias sejam tão completamente diferentes das do ousado João Hennuyer no que diz respeito às doutrinas que ele ensinava. O governador de Bayona foi outro que se recusou a obedecer à ordem assassina: “O rei tem muitos soldados valentes no seu exército“, disse ele, “mas nem um só carrasco“.

A carnificina nas províncias continuou durante seis semanas, e o número de vítimas é diversamente calculado em cinquenta, setenta e cem mil. Este último número, se levarmos em conta os que depois morreram de fome e pesar, é talvez o mais exato.

Roma manifestou uma alegria ruidosa às primeiras notícias que teve da carnificina. O mensageiro que as levou foi recompensado pelo cardeal de Lorraine, com mil coroas; houve salvas de artilharia, e, à noite, brilhantes iluminações. Foi celebrando uma solene “Te Deum” na igreja de São Marcos em ação de graças a Deus, por tão assinalada notícia de bênção enviada à Sé de Roma, enquanto em Paris foi cunhada uma moeda com a seguinte inscrição: “Pietas armavit justitan” (Piedade armou a justiça). Se alguma vez se viu uma astúcia diabólica na maldade do homem, foi esta. A premeditação, os solenes juramentos do rei – que trouxeram os calvinistas a Paris – no casamento real, e o punhal posto nas mãos da multidão pelos chefes do Estado nesse tempo de paz universal, tudo isto representa uma conspiração e uma crueldade que não há iguais na História. E depois, começando pelo papa, todas as comunidades católico-romanas, levantando as mãos ao Céu, deram um graças a Deus pelo “glorioso” triunfo.

Mas uma solene recompensa aguardava os autores deste crime inominável da “Santa” igreja romana: Todos, exceto um, tiveram um fim violento. Carlos morreu, uns dois anos depois, em horríveis agonias de corpo e alma; e ouviam-no exclamar, pouco antes de morrer: “Que carnificina! Quanto sangue inocente! Como foram perversos os conselhos que eu segui! Oh! Meu Deus, perdoa-me e compadece-te de mim! Eu não sei onde estou, tão medonha é a minha agonia e perplexidade. Qual será o fim disto? Que será feito de mim? Estou perdido para sempre!“. O Duque de Guise foi assassinado, o seu irmão, o cardeal de Lorraine, morreu doido furioso; e a miserável Catarina de Médici, embora chegasse a uma desonrada idade avançada, foi encarcerada pelo seu filho favorito, sendo o seu nome, em todo mundo, sinônimo de perfídia e crueldade.

E a chamada heresia dos huguenotes não foi exterminada, embora morressem cem mil deles. Aquele que tinha lançado a semente incorruptível do Evangelho nos seus corações podia também lançá-la rapidamente nos corações de outros cem mil, e assim aconteceu. Uma longa série de pequenas guerras entre huguenotes e católicos teve lugar no reinado de Henrique, sucessor de Carlos, e quando, em 1589, ele foi assassinado, foi um príncipe protestante, Henrique de Navarra, que lhe sucedeu no trono da França!

 

Fonte: A História do Cristianismo - Dos Apóstolos do Senhor Jesus Cristo ao Século XX, A. Knight & W. Anglin, Ed. CPAD


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