REFORMA NA ITÁLIA E OUTROS PAÍSES EUROPEUS (1527-1580) NA PERSPECTIVA DE A. KNIGHT E W. ANGLIN


Categoria: Historiografia
Imagem: The walled medieval German town of Nuremburg by Michel Wolgemut, Wilhelm Pleydenwurff - WondriumDaily
Publicado: Originalmente publicado em Agosto/2008 e republicado no dia 08 de Agosto de 2021, Domingo, 16h27

Há um interesse especial ligado à história da Reforma na Itália, visto ser ali o centro do Catolicismo Romano. Os italianos, em geral havia muito que tinham tido para o papismo sentimentos parecidos com o desprezo, porque eram testemunhas constantes da maldade pública na sua metrópole, e não podiam deixar de ver que essa maldade tinha o seu centro no Vaticano. Há muitos que andavam desgostosos com o desregramento, a avidez, a ambição e a fraude que eram notórias na sua cidade principal, e mais de um coração sincero suspirava por uma mudança muito antes de ter começado a obra da Reforma. Por isso, logo que chegou à Itália a notícia da colisão de Lutero com Tetzel, houve muitos ali que pediram ansiosamente os escritos daquele. Alguns meses mais tarde o seu impressor em Basiléia escrevia nos seguintes termos: “Blásio Salmónio, livreiro de Leipzig, presenteou-me na feira de Frankfurt com alguns tratados compostos por si, os quais, como eram aprovados por homens sábios, mandei imprimir imediatamente, enviando seiscentas cópias para a França e a Espanha. Os meus amigos asseguraram-me que esses escritos são vendidos em Paris, e lidos e aprovados até pelos sorbonistas. Calvo, livreiro de Pávia, que é um sábio, e dedica-se às musas, levou uma grande parte da impressão para a Itália…” Apesar do terror reinante pelas bulas pontificais, e das atividades dos que velavam pela sua execução, os escritos de Lutero, Melanchton, Zwínglio e Bucer continuaram a circular e a ser lidos com prazer e avidez em várias partes da Itália. Alguns foram traduzidos na língua italiana e, para escapar à vigilância dos inquisidores, foram publicados debaixo de nomes fictícios. Este desejo de serem lidos os seus escritos dava ânimo aos reformadores e não provinha de uma curiosidade vã.

Durante mais de vinte anos pôde esta obra prosseguir sem grande oposição; no ano de 1542, porém, viram claramente em Roma que ela ia fazendo enfraquecer o papismo; e então a Inquisição recebeu ordens para usar de força contra os protestantes, e em breve viram-se as prisões atulhadas de vítimas.

Aôneo Paleário, autor de um livro intitulado “O Benefício da Morte de Cristo”, era um dos mais notáveis campeões da Reforma Italiana, mas bem depressa veio o martírio cortar a sua útil carreira. “Na minha opinião“, dizia ele, “nenhum cristão deve pensar em morrer na sua cama, nos tempos que vão correndo. Ser acusado, feito prisioneiro, esbofeteado, enforcado, cozido num saco e lançado às feras, não é bastante. Que eles me assem no fogo, se por uma tal morte a verdade puder ser melhor trazida à luz“. Quando os seus acusadores lhe perguntaram qual fora o primeiro meio de salvação que tinha sido dado ao homem, ele respondeu – “Cristo“, “e o segundo?” – “Cristo” – “e o terceiro?” – “Cristo“.

Paleário esteve preso na masmorra da Inquisição durante três anos, e por fim queimaram-no em vida.

Os inquisidores agiam em toda a parte da Itália, e o país estava cheio de espiões. Eram estes na sua maior parte pagos pelo Vaticano, e a sua missão era ganhar a confiança dos particulares suspeitos de heresia, e assim facilitar a sua captura. Havia-os entre todas as classes do povo, desde a mais elevada à mais humilde, e, devido à sua infame perfídia, as prisões depressa se encheram de vítimas. Algumas destas foram condenadas a penitências, outras mandadas para as galés, outras torturadas e mutiladas; outras carregadas de ferros pesados e deixadas a morrer de fome em masmorras insalubres, e outras foram queimadas vivas. Muitos procuraram refúgio noutros países, onde em geral foram bem recebidas, e não poucos desses refugiados encontraram lugar na Inglaterra. Pode-se fazer uma ideia do desenvolvimento da obra na Itália pelo fato de serem descobertos, na busca que se deu aos livros que eles chamaram heréticos, mais de quarenta mil exemplares do livro de Paleário: “O Benefício da Morte de Cristo”.

Na Espanha
Da Reforma na Espanha não podemos, infelizmente, fazer uma descrição tão vantajosa, porque as perseguições que se seguiram à introdução naquele país das doutrinas reformadas levaram milhares de pessoas para o exílio, e os que ficaram foram para a tortura ou para as galés. Mas a Inglaterra protestante ainda achou lugar para receber muitos dos seus irmãos exilados. Os principais agentes da Reforma Espanhola eram dois irmãos João e Afonso de Valdés.

Nos Países Baixos
De Espanha passamos naturalmente para os Países Baixos, visto formarem parte dos domínios do rei espanhol. Aí, apesar da perseguição, as doutrinas revivificadas espalharam-se com rapidez, e o martírio de três monges da Ordem Agostinha, que foram condenados por lerem as obras de Lutero, despertou um tal espírito de investigação entre o povo, que nem as ameaças nem as torturas puderam-no reprimir.

No ano de 1566 foi uma deputação apresentar ao rei uma petição pedindo tolerância, e assinada por cem mil protestantes, mas este, em vez de satisfazer o seu pedido aconselhou sua irmã Margarida de Parma, a governadora dos Países Baixos, a levantar um exército de 3000 homens de cavalaria e 10000 de infantaria para dar cumprimento aos seus decretos. Mas exércitos e ordens reais pouco valiam, pois Deus tinha decidido que a obra fosse por diante. O número dos protestantes aumentava diariamente, apesar dos esforços da força armada para o diminuir e espalhar. O insensível e fanático Filipe entendeu que tinha de recorrer a medidas mais desesperadas do que as adotadas até então, se quisesse exterminar mesmo aquela religião odiada.

Aumento da Perseguição
Pouco satisfeito com a clemência de Margarida, deu plenos poderes ao duque de Alba, o qual, pouco depois, chegou ao país com um exército de 15000 espanhóis e italianos. Começou então uma série de atrocidades que quase não tem igual nos anais da perseguição.

A Inquisição começou logo a funcionar; e dentro em pouco podiam contar-se as suas vítimas aos milhares. A maior parte das igrejas protestantes e casas de oração foram destruídas, levantando-se forcas para enforcar os luteranos. As cidades despovoavam-se porque o povo fugia como quem foge da peste – e o comércio do país ficou paralisado. Mercadores, operários, artistas, gente de todas as classes, saíam às pressas do país e consideravam-se felizes por serem capazes de salvar as suas vidas. Para os que ficaram a morte era a certa.

Roberto Ogier
Em 1562, Roberto Ogier, de Ryssel, em Flandes, sofreu o martírio, em companhia do seu filho mais velho. Este, que ainda era muito jovem, exclamou quando já estava nas chamas, “Ó Deus Pai Eterno, aceita o sacrifício das nossas vidas em nome do Teu Amado Filho“. Um monge que se achava perto retorquiu encolerizado: “Tu mentes, maroto, Deus não é teu pai; vós sois filhos do Demônio“. Um momento depois o mancebo exclamou: “Olha, meu Pai, o Céu está se abrindo, e eu vejo um milhão de anjos que se regozijam em nós! Estejamos contentes porque estamos morrendo pela verdade“. “Mentes! Mentes!” gritou o padre, “o Inferno é que se está abrindo, e vem mais de um milhão de demônios que vão os lançar no fogo eterno“. A mulher de Roberto Ogier e outro filho que lhe ficou, sofreram igual sorte alguns dias depois, e assim se reuniu toda a família no Céu.

Misérias e Martírios
Tinha chegado o pior tempo para os Países Baixos. As execuções pela água, pelo fogo e pela espada, e a confiscação de bens, sucediam-se sem cessar. As vítimas eram aos milhares. O número de emigrantes aumentava na mesma proporção, e o produto da confiscação chegou pouco a pouco à soma de trinta milhões de dólares. Os antigos privilégios desses países estavam aniquilados; a população tinha diminuído assustadoramente; a prosperidade de agricultura estava ameaçada de ruína; o comércio, parado; as portas vazias, as lojas e armazéns devastados; muitos braços sem trabalho; os grandes negócios parados, as cidades comerciais, que tanto prosperavam estavam empobrecidas. Em suma, tudo que tinha contribuído para a prosperidade comercial e industrial daquela região começou a decair.

Mas o duque de Alba não se importou com isso. Sendo escravo ativo dum senhor cruel, nunca o pensamento da economia política perturbou o seu espírito; esse medonho retrocesso nada era para ele. Ainda mais, ele ainda não tinha pensado em acabar com o sacrifício das vidas humanas – a sua sede de sangue não estava saciada! O assassinato de alguns milhares de protestantes não era bastante para satisfazer a crueldade de um tal homem; a foice precisava ceifar mais vidas; numa palavra: Toda nação de hereges devia cair debaixo das mãos do assassino! No ano 1568, quando o “concílio de Sangue” se reuniu pela segunda vez, foi decretado que todos os habitantes dos Países Baixos fossem condenados à morte como hereges; e desta horrorosa sorte ninguém era executado senão raras pessoas que foram especialmente indicadas.

Os efeitos deste estilo cruel foram terríveis. Muitos enlouqueceram, e outros, que conseguiram fugir para os bosques de Flandes tornaram-se selvagens em consequência da solidão e do desespero. Nas cidades e vilas ouvia-se o dobrar dos sinos a todos os momentos; e é certo que o estado de coisas não podia ter sido mais terrível se o país tivesse sido visitado por uma peste! Em todas as casas havia luto, e os corpos carbonizados e mutilados das vítimas daquele medonho decreto estavam expostos às centenas por toda a parte.

Guerra Civil
Por fim entenderam que não podiam mais suportar aquela opressão e, levantando-se com a energia do desespero, saíram dos seus lares desolados e dos seus esconderijos nos bosques, e reuniram-se em volta da bandeira de Guilherme de Nassau, Príncipe de Orange. Não podemos agora entrar em detalhes da guerra civil que se seguiu. O exército protestante a princípio não foi bem sucedido, mas foi auxiliado por Isabel, da Inglaterra; pelo rei da França, e pelos protestantes alemães; e no ano 1580 puderam finalmente ver-se livres do jugo espanhol e firmar a sua independência, constituindo-se em um novo estado protestante na Europa.

Na Suécia
Na Suécia, depois de alguma oposição, foi a Reforma estabelecida pelo conhecido rei Gustavo Vasa, que foi auxiliado pelos irmãos Olaus e Laurentins Petri. Apesar de todos os obstáculos, a Reforma prevaleceu ali; e o rei teve, em pouco tempo um partido tão poderoso para o ajudar, que conseguiu a restauração dos vários estados e castelos que os prelados tinham obtido dos seus súditos por meios ilícitos. Também reprimiu o poder dos bispos e tirou-lhes das mãos os rendimentos da igreja, proibindo-os de tomar dali por diante qualquer parte nos negócios do Estado.

Gustavo Vasa foi, sem dúvida, o homem adequado para tais empreendimentos, e apraz-nos poder acrescentar que a obra por ele começada foi concluída com a maior rapidez, e sem tumultos ou derramamento de sangue.

Na Dinamarca
Na Dinamarca, também um rei – Cristiano II – estava à frente da Reforma, e apesar da oposição do partido eclesiástico, que se tornou um sério embaraço para os seus movimentos, e de os bispos terem chegado a promover a sua deposição, continuou sempre a sua boa obra enquanto esteve no exílio, empregando o seu secretário para traduzir o Novo Testamento para a língua dinamarquesa.

Os dinamarqueses deviam muito ao ministério do intrépido monge de Antvorscov, João Tausen, que tendo sido feito prisioneiro por pregar a justificação pela fé, continuou a expor a doutrina pela janela da sua prisão. O novo rei Frederico ouvindo falar nele, deu ordem para o porem em liberdade, e pouco depois nomeou-o um dos seus capelães.

Na conferencia de Odense, que teve lugar em 1527, o rei declarou-se publicamente a favor da Reforma; e, embora os bispos fizessem muita oposição, decretou ele que dali por diante os protestantes gozariam as mesmas regalias que os católicos. Quando Frederico morreu, os bispos fizeram outro esforço desesperado para restabelecer o papismo, e conseguiram o exílio de Tausen, mas o triunfo deles não foi duradouro. O novo rei era tão favorável à Reforma como o seu antecessor; e no ano 1536 foi reunido um Concílio em Copenhague, que estabeleceu a religião protestante no país. Os bispos, acusados de intrigas e de outros atos de traição, foram destituídos dos seus cargos e emolumentos; e os últimos sinais do papismo que ainda existiam acabaram por completo na Dinamarca.

 

Fonte: A História do Cristianismo - Dos Apóstolos do Senhor Jesus Cristo ao Século XX, A. Knight & W. Anglin, Ed. CPAD


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