ÉTICA NO PENSAMENTO DE LUTERO: A SERVIÇO DA IGREJA, DA ECONOMIA E DA POLÍTICA


Categoria: Martinho Lutero e Sociologia
Imagem: Martinho Lutero / Imagem: Google Images
Publicado: 04 de Março de 2024, Segunda-Feira, 11h43

Por: Wilhelm Wachholz
– Professor de Teologia e História e Reitor da Faculdades EST, São Leopoldo/RS.

Conferência pronunciada no CONGRESSO INTERNACIONAL ATUALIDADE DA REFORMA, Universidade Católica de Pernambuco, Recife, Brasil, 8-10 de novembro de 2017, com apoio da CAPES – PARALELUS, Revista Eletrônica em Ciências da Religião (UNICAP), Vol. 9 No 20

Resumo
A doutrina da justificação por graça através da fé perpassa a teologia de Martim Lutero. Deus tudo criou de forma boa para o benefício do ser humano. Pelo pecado, contudo, o ser humano se afastou de Deus e de toda a criação, da vida para a morte. Deus, em sua misericórdia e graça, cuja expressão mais concreta é o próprio Cristo, reconcilia o ser humano, libertando-o da escravidão do pecado e tornando-o justo para relações éticas e justas. Este artigo analisa a compreensão de Martim Lutero, segundo o qual o ser humano, tornado justo por Deus através fé, é vocacionado para ser cooperador na justiça de Deus em favor do melhoramento do mundo. A partir da justificação, Deus vocaciona a pessoa cristã para ser cooperador através de Igreja (ecclesia), economia (oeconomia) e política (politia). A educação ocupa lugar destacado no pensamento de Lutero, visando à formação e qualificação de pessoas para serem cooperadoras de Deus para melhoramento do mundo.

Introdução
O dia 31 de outubro de 2017 marcou os 500 anos de Reforma Protestante. O caráter protestante do movimento reformatório do século XVI visou à afirmação da proteção de uma minoria ante uma posição majoritária injusta. Perante a posição majoritária, representada pelo imperador, no contexto da Assembleia Imperial de Espira de 1529 e às vésperas da assembleia seguinte, em Augsburgo (1530), os príncipes protestantes defenderam que, a respeito da salvação, cada ser humano responde diante de Deus, de forma que nenhuma autoridade, seja da Igreja ou do Estado, tem direito ou poder de decisão sobre questões de fé (LINDBERG, 2001, p. 109-112, 280).

Em jogo estava a defesa da liberdade de consciência, que Lutero já havia evocado na Assembleia de Worms (1521), onde, após a excomunhão pela Igreja (1520), lhe foi solicitado retratar-se de seus escritos.1 Liberdade de consciência, contudo, não deve ser concebida como confiança na própria consciência (consciência egocentrada), mas liberdade cativa à Palavra de Deus. Disso deriva que ser protestante implica em ser a pessoa tornada justa – justiça passiva, excêntrica, extra se, cristocêntrica – para cooperar com a justiça de Deus.2

Lutero raramente utiliza o conceito reforma em seus escritos. Quando o faz, seu sentido é de melhoria ou melhoramento (Besserung). O emprego, contudo, não é no sentido de reformar ou melhorar o ser humano e sua ética. O ser humano, segundo Lutero, não pode ser reformado ou melhorado para ser “mais ético”. Diante de Deus, o ser humano somente pode ser perdoado e tornado justo (justificado) pela fé. E feito pessoa justa, o ser humano é vocacionado para ser cooperador para o melhoramento das relações no mundo.

Lutero denuncia a ética medieval (ethica monastica) como ética egocentrada, cujas obras não decorrem de uma provocatio (chamamento para, vocação), mas são obras auto-escolhidas. Segundo Lutero, a ética monástica medieval tem os “olhos” voltados para o céu, motivada pelo medo do inferno e purgatório. O ser humano que tem seus olhos voltados para o céu é ser humano egoísta, individualista, alienado. Contrariamente, Lutero defendeu uma ética, cujos olhos se voltam para onde estão direcionados os olhos de Deus: a terra. A salvação humana é obra de Deus. Por ser obra de Deus, ela é graça. Crer nesta obra implica no chamado para fora do seu egocentro, para testemunhar a salvação no mundo. Liberto pela graça e pelo amor de Deus, o ser humano é vocacionado para agir em favor do melhoramento do mundo. Liberto, isto é, tornado justo pela fé, é ser humano que testemunha aquilo que Deus pretendeu na própria criação do mundo: um mundo justo, de relações justas.

Lutero compreende a sociedade como corpo social dinâmico. Ele concebe a distinção entre poder secular e espiritual, mas não uma separação entre ambos (sagrado X profano). Assim, ao pleitear que as autoridades políticas empreendessem reformas políticas, econômicas e sociais, estas não excluíam a Igreja. De outro lado, cabia às autoridades da Igreja o papel de confrontar as autoridades políticas para que exerçam suas funções em perspectiva ética. Neste sentido, não encontramos em Lutero intenções de “secularizar” a política, no sentido de um laicismo e separação de Igreja e Estado (ALTMANN, 2016, p. 194, 205-206). A ênfase, ao contrário, está na comunicabilidade entre ambos, razão pela qual sua teologia não é uma “teologia para a Igreja”, mas uma teologia, cuja relevância ética se direciona para os três âmbitos da vida, denominados por ele de estamentos, dos quais uma pessoa participa, através da Igreja (ecclesia), economia (oeconomia) e política/governo (politia), como sujeito ético para o melhoramento do mundo (WESTHELLE, 2013, p. 329).

Na coletânea das Conversações à Mesa (Tischreden), especificamente na obra intitulada Das Três Espécies de Estamentos (Von dreierlei göttlichen Ständen), Lutero definiu assim os três estamentos e suas relações: O primeiro é o estamento doméstico (oeconomia), que engloba, matrimônio, família e produção/economia (produção e reprodução da vida); o segundo é o estamento político e secular (politia), que abrange sociedade e política; e o terceiro, abrange a Igreja (ecclesia) em sua dimensão terrena e institucional, embora também seu caráter espiritual deva ser incluído, e o ministério sacerdotal. Segundo Lutero, o ser humano, em particular a pessoa cristã, pertence ao primeiro estamento como pai, mãe, servo, ao segundo, como cidadão e súdito ou como autoridade e, ao terceiro, como ministro, capelão, sacristão ou servo semelhante. O pertencimento aos estamentos decorre do fato do ser humano nascer do matrimônio, ser julgado pelo Estado e ser tornado bem-aventurado pelo Evangelho que é pregado pelo sacerdócio (LUTHER, 1959, p. 143-144; BARTH, 2009, p. 429). Nestes três âmbitos da vida, a pessoa cristã é cooperadora com Deus para preservação e melhoramento da criação.3

Criação como Graça e Justiça
“Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom” (Gn 1.31). Para Lutero, o “bom” implica a oeconomia criada por Deus e visa à plenitude e garantia da vida pela produção e reprodução. A partir do livro de Gn 1.11, Lutero concebe a terra criada por Deus como fundamento da “casa” ou “hospedagem” do ser humano. O “teto” desta casa é o “céu” e os “mares” são as “paredes”. Tendo tudo criado, Deus continua presente, abençoando sua criação, visando à preservação e multiplicação da vida. Desta forma, oeconomia é a produção e reprodução da vida como dádiva de Deus (LUTERO, 2014, p. 61, 68-69, 79-83, 89, 92, 95, 99-100, 113, 189-190, 243, 359).4

Deus criou o ser humano em condição econômica de justiça original. O pecado (original ou “pecado de origem” – BAYER, 2007, p. 138) “[…] é a perda ou a privação da justiça original” (LUTERO, 2014, p. 144).5 A queda no pecado é “ruína econômica”. Fundamentalmente, o pecado não é um “problema de moral”, mas força que destrói a produção e reprodução da vida. Deus tudo criou e tudo abençoou e providenciou tudo em benefício da produção e reprodução da vida. A criação é graça do Deus criador. E pela criação, Deus revela fundamentalmente seu cuidado e amor, sua bondade e justiça para com o ser humano. A criação, por ser de Deus, não pode ser possuída, comprada, privatizada. Ela também é um todo harmônico a serviço da vida do oikos, da grande e única casa: o mundo criado (ASENDORF, 1998, p. 451).

Adão e Eva, contudo, criados livres, deturpam a liberdade e a utilizam para sua própria escravidão e ameaça à vida. Pelo pecado, encurvam-se em si mesmos, fecham-se em si mesmos. Neste movimento, a relação consigo mesmo (auto-relação), que originalmente estava em identidade com Deus, torna-se egocentrada, monóloga, autorreferente. O movimento de autofechamento resulta em caos, separação, fragmentação, desagregação, idolatria. Esta separação ocorre inicialmente na relação com Deus e, na sequência, de Adão com Eva e vice-versa, e de ambos com toda a criação (LUTERO, 2014, p. 60; BAYER, 2007, p. 130-131; ASENDORF, 1998, p. 316,321, 335; BARTH, 2009, p. 191-196, 207).

A separação em relação a Deus e a criação como um todo transforma ecclesia e oeconomia em espaços de idolatria. O pecado, que torna o ser humano injusto, é fundamentalmente quebra da fé-confiança em Deus, que criou e providenciou a oeconomia como graça em benefício da vida. Por esta razão, somente pela fé (sola fides) o ser humano pode ser feito justo (justificação por graça, mediante a fé). Pela fé, o ser humano é restaurado para a justiça de Deus; pela fé o ser humano realiza (verwirklicht) a justiça de Deus no presente (LUTERO, 2014, p. 132, 137; ASENDORF,1998, p. 341-342).

A realização do ser humano para dentro do mundo presente se evidencia nos três âmbitos da vida, ou estamentos. Em outras palavras, nos três âmbitos da vida, o ser humano realiza e se realiza como sujeito ético em cooperação com Deus, a serviço do melhoramento do mundo. Lutero afirmava que a pessoa cristã, diante do outro, é pessoa incumbida de ajudar. Na relação com a outra pessoa, a pessoa cristã tem responsabilidade cooperativa, implicando o imperativo de ser protestante em favor da outra pessoa (BARTH, 2009, p. 445-448).

A cooperação com Deus implica em desconstrução de todo e qualquer muro, por exemplo, de separação de sagrado e profano. Para Deus, não existe um mundo fechado profano e outro espiritual. Há um único mundo, o mundo de Deus, a ser cuidado. E o cuidado é imperativo do ser humano vocacionado, chamado a serviço da vida (ASENDORF, 1998, p. 468, 471-472, 478). Segundo Lutero,

[…] a fé é algo vivo e poderoso; não é mera especulação ociosa e não nada sobre o coração como o pato nada sobre a água. Assim como a água aquecida pelo fogo, embora permaneça sendo água, não é mais fria, mas agora é quente e totalmente diferente, assim a fé, obra do Espírito Santo, cria uma mente diferente e maneiras diferentes de sentir e produz um ser humano completamente novo. (LUTERO, 2014,p. 366-367)

A fé é dádiva e obra de Deus, pela qual converte a identidade egocêntrica do ser humano em “excêntrica”, isto é, cristocêntrica. Tornado cristocêntrico, o ser humano é também tirado da escravidão do seu egoísmo e colocado, pelo amor, num segundo centro, fora de si, de forma que as outras pessoas se tornam efetivamente próximos (Mitmenschen) e o todo da criação como co-criação (Mitschöpfung). Pela fé a pessoa cristã é tornada cristocêntrica e pelo amor, alterocêntrica. Fé e amor, portanto, implicam em identidade relacional. O caráter relacional do ser humano se expressa como serviço de forma que

[…] é preciso distinguir claramente entre ofício e pessoa. O homem chamado João ou Martinho é um homem muito diferente daquele que se denomina príncipe-eleitor ou doutor e pregador. Aqui temos duas pessoas distintas em um só ser humano. Uma é aquela na qual fomos criados e nascemos, segundo a qual somos todos iguais: homem, mulher, criança, jovem, velho, etc. Mas depois de nascidos, Deus te veste e enfeita, fazendo de ti outra pessoa, fazendo de ti um filho, de mim um pai, de outro um senhor, de outro um empregado, deste um príncipe, daquele um burguês e assim por diante. Isso então se chama uma pessoa divina, que exerce um ofício divino, revestido de sua majestade, e que não se chama simplesmente João ou Claus, e sim, príncipe da Saxônia, ou pai e senhor. (LUTERO, 2005, p. 40)

Cooperação Através da Ecclesia
A partir de Gênesis, Lutero entendeu que Deus criou a Igreja (ecclesia) no sábado, sétimo dia da criação. O sétimo dia da criação foi reservado por Deus como dia de “culto”, isto é, “Gottesdienst”.6 Pela sua criação, Deus serve (Gottesdienst) a Adão e Eva, para que, em comunhão, respondam com ações de graça e serviço. A árvore da vida é o templo, altar e púlpito (ecclesia) de Adão e Eva, lugar de gratidão pela providência da vida e de obediência. Após a queda no pecado, em Cristo, Deus se oferta para restauração da justiça original (justificação). Na cruz, árvore da morte e árvore da vida se encontram e, em perspectiva escatológica, tornam-se esperança de vida eterna como providência de Deus. A cruz é a força co-formatadora da ecclesia como Igreja de Cristo, a serviço da justiça. Assim como pela Sua criação Deus providenciou pela vida, através de Cristo, Ele restaura a vida na situação de morte. Assim como a boa criação de Deus somente deveria ser recebida por Adão e Eva como providência para o benefício, também Cristo somente pode ser recebido pela fé como providência e justiça de Deus. Pela fé, o ser humano é renascido para a “esperança da vida eterna” como providência de Deus, mas também renascido para a justiça de Deus. (LUTERO, 2014, v. 12, p. 81, 105, 204, 213, 289, 520, 521). Pela justificação do ser humano, Deus empodera o ser humano, para, como corpo de Cristo, ser Seu cooperador, visando ao melhoramento do mundo através do testemunho da justiça de Deus.

Poder é, para Lutero, poder para servir. Em seu escrito À Nobreza Cristã da Nação Alemã, acerca da Melhoria do Estamento Cristão, Lutero concebe poder (da Igreja!) com vistas ao melhoramento. Citando o apóstolo Paulo, e em perspectiva negativa, Lutero insiste que “ninguém na cristandade tem o poder de causar dano ou de proibir que se coíba o dano. Não existe poder na Igreja senão para o melhoramento […] uma vez que Paulo diz aos coríntios: ‘Deus nos deu poder não para destruir, mas para melhorar a cristandade’.” (2 Co 10.8) (LUTERO, 1989, p. 289). Poder não é poder para destruição, mas para o melhoramento.

No sermão Das Boas Obras, datado de 1520, interpretando o segundo mandamento, o reformador escreve:

Poucas e altamente espirituais devem ser as pessoas que, em meio à honra e ao elogio, permanecem totalmente livres e isentas, atribuem toda a sua honra e renome unicamente a Deus, a ele somente os encomendam, não fazendo uso deles senão para a glória de Deus e a promoção [Besserung – o melhoramento] do próximo, de forma alguma para proveito e vantagem própria. [….] “As obras de vocês só devem servir à promoção [Besserung – ao melhoramento] das pessoas, para que, por este intermédio, venham a louvar a Deus em vocês e nelas mesmas.” Este é o uso correto do bom nome e da honra: quando Deus é louvado pela promoção [Besserung = melhoramento] dos outros. (LUTERO, 1989, p. 118-119).7

A Igreja, como ordem da criação, se caracteriza pela comunhão de Adão e Eva em torno da árvore da vida. O afastamento em relação a Deus, entre ambos e com toda a criação, concretiza a quebra da comunhão. Cristo é a oferta de Deus para a restauração da comunhão. Pela fé em Cristo, Deus restaura comunidade, transformando indivíduos em corpo de Cristo. A Igreja como comunhão do corpo de Cristo não é plenamente justa, mas está sendo justificada por Deus e testemunha desta ação gerúndia de Deus como cooperadora no mundo. Nesta perspectiva, para Lutero, “a Igreja é o hospital e o sanatório para os doentes a serem curados.” (LUTERO, apud ALTMANN, 2016, p. 154)

Cooperação Através da Economia
Embora Lutero não tenha apresentado uma “reforma econômica” propriamente dita, em Comércio e Usura, denunciou o lucro fácil e pleiteou por melhoramento de regras econômicas. Segundo ele,

A regra não deveria ser: “Posso vender minha mercadoria tão caro quanto puder ou quiser”, mas sim: “Posso vender minha mercadoria tão caro quanto eu devo ou quanto é correto e justo.” Pois teu comércio não deve depender totalmente de teu arbítrio e poder, independente de qualquer lei e medida, como se fosses um deus que não tem compromisso com ninguém. Muito antes, visto que esse teu comércio é uma atividade que praticas em favor de teu próximo, ela deve acontecer dentro de leis e em responsabilidade diante da consciência de tal maneira que a possas exercer sem dano e prejuízo para o próximo. Deves ter muito cuidado para não lhe infligir prejuízo, e não pensar apenas como ter maior lucro. Pois muito bem, onde é que se acham comerciantes desse tipo? Em quanto não se reduziria o número de comerciantes e diminuiria o comércio, se corrigissem [melhorassem] esse direito maligno e se procedessem de modo cristãmente junto! (LUTERO, 1995, p. 380).

A economia, portanto, deve estar a serviço da produção e reprodução da vida e não pode ser meio de especulação ou ganho fácil, gerando opressão, injustiças, miséria. O melhoramento na dimensão econômica também é destacado no Tratado de Martinho Lutero sobre a Liberdade Cristã. Explicitamente, Lutero não utiliza do princípio neoplatônico e dicotômico de Estado e Igreja, ou de alma e corpo, segundo o qual, pagamento de tributos poderia ficar reduzido ao bem-estar da consciência, ou da alma. Pelo contrário, argumenta claramente que o econômico tem o ser humano como alvo em sentido integral: “feitas somente para obséquio [satisfação] e exemplo [melhoramento] dos outros.” (LUTERO, 1989, p. 455).

No Catecismo Menor, referente ao sétimo mandamento, Lutero também evoca o econômico, relacionando-o com o melhoramento do próximo. “Não furtarás”, segundo Lutero, significa que

devemos temer e amar a Deus, de maneira que não tiremos ao nosso próximo o dinheiro ou os bens, nem nos apoderemos deles por meio de mercadorias falsificadas ou negócios fraudulentos, porém o ajudemos a melhorar e conservar os seus bens e o seu ganho. (LUTERO, 1983, p. 368)

No Catecismo Maior, Lutero retorna às implicações econômicas a partir da interpretação do mesmo mandamento, acrescentando, contudo, o imperativo do serviço a quem estiver em necessidade.

Ordena-se, por outro lado, que promovamos e melhoremos os seus bens, e, se estiver sofrendo por privação do necessário, que lhe ajudemos, compartilhemos e emprestemos, quer se trate de amigo, quer de inimigo. (LUTERO, 1983, p. 433).

Em 1530, na Exortação ao Sacramento do Corpo e Sangue do Nosso Senhor, Lutero relaciona Eucaristia com economia. Neste escrito, o reformador ataca a compreensão da Eucaristia como sacrifício de obra. Caso deva ser considerada sacrifício, então que seja sacrifício de ação de graças pela obra de Deus em Jesus Cristo, segundo Lutero. E isso tem como consequência concreta,

[…] arrepender-se, […] devolver todos os bens, selos e cartas, e ainda as pensões de todos os mosteiros e conventos, que adquiriram e possuem por conta da missa, como por um sacrifício de obra. Pois tais bens foram adquiridos com mentiras e fraudes, sim com blasfêmia contra Deus e traição de Cristo. […] Que o façamos em louvor e gratidão a Deus, por amor e confissão de Cristo; para o bom exemplo e o melhoramento do nosso próximo […]. (LUTERO, 1984, p. 273-275).

Lutero concebeu a economia a partir da casa (oikos), portanto, como economia doméstica. Segundo o reformador, a vida é dada através do pai e da mãe. Contudo, não pode ser reduzida à concepção individualista, privatista e de ruptura entre gerações. A vida tem origem na co-humanidade e sua existência somente pode ser garantida pela comunhão. Somente pela comunhão, a economia garante a vida (justa) como produção e reprodução da vida. A partir desta concepção, Lutero denuncia a economia como idolatria. A idolatria econômica não visa ao melhoramento nem está a serviço do próximo, mas, pela fraude, corrupção, usura, torna-se economia injusta, que mata.

Cooperação Através da Política
Embora a percepção de Lutero como subserviente às autoridades, em especial aos príncipes, possa encontrar justificativa em escritos do reformador, não se pode desconhecer as inúmeras críticas, por vezes, mordazes, que dirige aos governantes (ALTMANN, 2016, p. 207). No Prefácio do escrito Os Artigos de Esmalcalde, após pedir por um Concílio para “reformar” (LUTERO, 1997, p. 308) a Igreja, Lutero pleiteia por melhoramentos na esfera governamental. Segundo ele,

Além desses assuntos necessários da esfera eclesiástica, também deveriam ser melhoradas inúmeras coisas importantes no plano secular. Aí temos discórdia entre príncipes e ordens; a usura e a avareza irromperam qual dilúvio e se transformaram em pleno direito; arbitrariedade, impudicícia, imodéstia em matéria de vestimenta, glutonaria, jogatina, luxo, juntamente com todas as espécies de vícios e maldades, desobediência da parte dos súditos, dos domésticos e operários, extorsão da parte dos artífices, também pelos camponeses – e quem pode enumerar tudo? – tornaram-se tão excessivos que nem com dez concílios e vinte dietas se voltará a endireitar a coisa (LUTERO, 1997, p. 309-310).

O estamento político é alvo de crítica de Lutero, pois entende que vícios regem suas dinâmicas. Por isso, é necessário que muitas coisas sejam não mudadas, mas melhoradas. Melhorado, o estamento político também estará a serviço do melhoramento da população. Mudar um governante e melhorar um governante são coisas tão diferentes como céu e terra. Mudar pode acontecer facilmente; melhorar é melindroso e perigoso. Melhorado, o estamento político também estará a serviço do melhoramento das relações sociais. E para o melhoramento do mundo, Lutero enfatiza a necessidade de escola e educação de qualidade.

A política tem como finalidade restabelecer relações econômicas justas. Considerando o pecado como alienação e corrupção, cabe à política restabelecer a equidade e justiça econômica da polis (WESTHELLE, 2013, p. 329-330). Considerando que agentes da política (como também da Igreja) são pessoas afetadas pelo pecado, Lutero tem ciência de que a política, assim como o próprio exercício do amor por qualquer pessoa cristã, está sujeita à imperfeição. Embora um governante realmente cristão fosse o melhor para o povo, pois abdicaria “[…] da ideia de dominar e proceder com violência, [uma vez que] […] maldita e condenada é toda a vida que é procurada e vivida em proveito próprio, malditas são todas as obras que não são realizadas no amor […] para o exercício de sua função, não é preciso que ele seja cristão. Para ele basta que tenha juízo.” (LUTERO, apud EBELING, 1988. p. 147-148).

Lutero entende que reino espiritual e reino secular, assim como Estado e Igreja não devem ser reduzidos um ao outro nem tornados entidades autônomas. Reduzidos um ao outro, o reino espiritual poderia ficar alienado por projetos utópicos de concreção do Reino de Deus na terra. Separados, o resultado seria o de uma Igreja apolítica, descomprometida com seu testemunho no mundo. A relação entre ambos deveria ser de cooperação:

Cabia à autoridade política efetuar reformas políticas, econômicas e sociais que afetassem também a Igreja; e competia a esta confrontar as autoridades políticas com a vontade de Deus. Pois os assim chamados “dois reinos” se distinguem em atribuição e meios, mas se cobrem em espaços. Pois estão vinculados em sua base e em sua finalidade: Deus é o Senhor de ambos, o ser humano a finalidade de ambos. Estado e Igreja ficam assim instrumentalizados, limitando-se e vinculando-se reciprocamente. O Estado limita e regulamenta a Igreja enquanto instituição social […]. A Igreja proclama a vontade de Deus ao Estado. (ALTMANN, 2016, p. 193).

A distinção dos dois reinos é necessária pela própria relação do ser humano cristão com o mundo. Enquanto pessoa cristã, ela está no mundo, sem ser do mundo. “Mundo”, portanto, tem conotação ambivalente: De um lado, evoca a parte da criação de Deus que não reconhece nem confessa Deus como criador. Neste caso, se trata do “mundo” sob o poder do diabo. De outro lado, expressa a boa criação de Deus, instituída e regida por Deus através de leis e autoridades. Trata-se do mundo político ou secular. Neste âmbito, o ser humano é vocacionado para a cooperação com Deus no sentido de testemunhar sua fé em esperança para o melhoramento.

A Educação a Serviço do Melhoramento da Sociedade
A educação merece atenção destacada por Lutero com vistas ao melhoramento das relações no mundo. Destacamos aqui dois escritos de Lutero sobre educação. O primeiro é intitulado Aos Conselhos de Todas as Cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs (1524). Outro escrito, datado de 1530, é Uma prédica para que se mandem os filhos à escola. Ambos têm teor semelhante, embora o segundo seja de cunho mais pastoral: Negligenciar educação torna adultos “devoradores e pervertedores de crianças”.8

Em Aos Conselhos de Todas as Cidades da Alemanha para que criem e mantenham escolas cristãs (1524), Lutero exorta prefeitos e câmaras municipais que criem e mantenham escolas cristãs, num contexto de abandono das escolas e universidades pouco frequentadas.

Por isso certamente será da competência do conselho e das autoridades dedicar o maior cuidado e o máximo empenho à juventude. A eles, como curadores, foram confiados os bens, a honra, corpo e vida de toda a cidade. Portanto, não agiriam responsavelmente perante Deus e o mundo se não buscassem, com todos os meios, dia e noite, o progresso e o melhoramento da cidade. Agora, o progresso de uma cidade não depende apenas do acúmulo de grandes tesouros, da construção de muros de fortificação, de casas bonitas, de muitos canhões e da fabricação de muitas armaduras. Inclusive, onde existem muitas coisas dessa espécie e aparecem alguns tolos enlouquecidos, o prejuízo é tanto pior e maior para a referida cidade. Muito antes, o melhor e mais rico progresso para uma cidade é quando possui muitos homens [Bürger=cidadãos], muitos cidadãos ajuizados, honestos e bem educados. Estes então também podem acumular, preservar e usar corretamente riquezas e todo tipo de bens. (LUTERO, 1995, p. 309).

Uma das finalidades da educação deveria ser exatamente esta, a saber, de formar cidadãos e cidadãs protestantes em favor da liberdade e contra forças escravizantes. Por esta razão, Lutero defendeu que educação não é negócio humano, mas mandato de Deus (LUTERO, 1995, p. 305-306; ALTMANN, 2016, p. 239-241).

Quanto à metodologia de ensino, defendia uma pedagogia lúdica em oposição à educação repressora, punitiva, traumática – por exemplo, com utilização de açoites ou de deboches (“bullying”) – e baseada na memorização do conteúdo (decorar)(LUTERO, 1995, p. 301-319; ALTMANN, 2016, p. 243-246).

Lutero defendeu uma ética social teológica, com base no amor cristão. A implicação desta ética para a educação é a de que esta não deveria ter um fim em si mesmo, mas visar à formação e qualificação de pessoas cooperadoras para o melhoramento do mundo e das relações humanas. Por isso, não se trata de qualquer formação, mas de qualidade. Aliás, neste ponto, Lutero foi crítico ferrenho das escolas de conventos e universidades medievais: “[…] que se aprendeu até agora nas universidades e conventos a não ser tornar-se burro, tosco e estúpido?” (LUTERO, 1995, p. 306). Identificou que

O único problema é a falta de vontade e seriedade para educar a juventude e ajudar e socorrer o mundo com pessoas qualificadas. O diabo prefere grandes bobalhões e gente inútil, para que as pessoas não vão bem demais na terra. Ou […]

Usemos […] a razão, para que Deus se aperceba da gratidão por seus bens, e outros países vejam que também somos gente e pessoas que podem aprender deles ou ensinar-lhes algo útil, a fim de que também nós contribuamos para o melhoramento do mundo. (LUTERO, 1995,p. 320-321).

O melhoramento do mundo passa, segundo Lutero, necessariamente pela escola, por uma educação de qualidade. Por isso, louva a função de professor:

De minha parte, se pudesse ou tivesse que abandonar o ministério da pregação e outras incumbências, nada mais eu desejaria tanto quanto ser professor ou educador de meninos. Pois sei que, ao lado do ministério da pregação, esse ministério é o mais útil, o mais importante e o melhor. Inclusive tenho dúvidas sobre qual deles é o melhor, pois difícil domesticar cachorros velhos e converter velhacos empedernidos, a que, afinal, se dedica o ministério da pregação, trabalhando muitas vezes em vão. […] Sem dúvida, uma das virtudes mais elevadas na terra é educar fielmente os filhos de gente estranha, coisa que muito poucos, quase ninguém faz com os próprios. (LUTERO, 1995, p. 359).

Conclusão
O mundo é “palácio” ou “casa feliz” criado por Deus e abençoado, visando produção e reprodução da vida. A criação de Deus é um todo harmônico e justo. O pecado, como quebra da fé-confiança do ser humano em relação a Deus, afetou o ser humano e suas relações com o todo. A fuga do ser humano em relação a Deus e a toda a criação, resultou em idolatria, egoísmo e privatização do bem comum. Iniciada por Adão e Eva, a economia foi privatizada em detrimento da comunhão solidária. Oculto, por sua vez, não mais é concebido como serviço de Deus e ação de graças, mas torna-se idolatria.

Não satisfeito com a providência e graça de Deus, o ser humano pecador quer sempre mais para si. Em seu escrito Debate de Heidelberg, Lutero emprega, a palavra “hidropisia da alma”, segundo a qual, “quanto mais bebe, mais sede tem.” (LUTERO, 1987, p. 51). No pecado, fugindo de Deus, o ser humano se torna o seu próprio deus. Torna-se idólatra de si mesmo. Pela idolatria, criação, pessoas e povos, bens naturais, são tornados mercadoria, apropriados pelos “fortes” em relações de injustiça para com os mais “fracos”, legitimados pela ideologia de um darwinismo social.

A teologia reformatória de Lutero propõe rompimento da lógica em que o ser humano se concebe como auto-referente, auto-fechado, egocêntrico. Pela fé-confiança, o ser humano é tornado justo e vocacionado para a cooperação com a justiça de Deus, em favor da produção e reprodução da vida, através dos três âmbitos da vida: Igreja, economia e política.

Notas
1. Perante a Assembleia de Worms, ante a solicitação de retratação, Lutero respondeu: “A menos que eu seja convencido pelo testemunho das Escrituras, ou pela razão manifesta (…), eu estou preso pelas passagens da Escritura que citei e minha consciência é cativa da Palavra de Deus. Eu não posso e não irei retratar-me de nada, pois não é seguro nem certo ir contra a própria consciência.” LINDBERG, 2001, p. 111.

2. Sobre protestatio (protestação) e princípio protestante, veja LINDBERG, 2001, p. 278-281.

3. Stümke defende a preservação da ideia de estamentos, sugerindo, contudo, outra classificação e outro desdobramento de estamentos para a atualidade: 1) Família, Economia; 2) Executivo, Legislativo e Judiciário; 3) Igreja, Escola, Cultura, Mídias. STÜMKE, 2007, p. 145.

4. No Catecismo Menor, a respeito do primeiro artigo do Credo, Lutero afirma: “Creio que Deus me criou a mim e a todas as criaturas; e me deu corpo e alma, olhos e todos os membros, razão e todos os sentidos, e ainda os conserva; além disso, me dá vestes, calçado, comida e bebida, casa e lar; esposa e filhos, campos, gado e todos os bens. Supre-me abundante e diariamente de todo o necessário para o corpo e a vida; protege-me contra todos os perigos e me guarda e preserva de todo mal. E tudo isso faz unicamente por sua paterna e divina bondade e misericórdia, sem nenhum mérito ou dignidade da minha parte. Por tudo isso devo dar-lhe graças e louvor, servi-lo e obedecer-lhe. Isso é certissimamente verdade.” LUTERO, 1983, p. 370.

5. Veja também p. 185, 191, 199, 201.

6. Na língua portuguesa, o termo culto evoca a ideia de ação de cultuar/adorar. Ao invés de “missa”, Lutero utilizou o conceito “Gottesdienst”, que evoca a ideia de “serviço de Deus”, ou seja, Deus que serve.

7. Grifos das citações que seguem são nossos.

8. Em Uma prédica para que se mandem os filhos à escola, Lutero adverte que o “silenciar e dormir”, isto é, negligenciar a educação da juventude, resultará em futuras gerações “selvagens”, de forma que “[…] teremos que prestar contas rigorosas sobre isso”. LUTERO, 1995, p. 332.

Referências
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Fonte: Academia.Edu


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