UMA INTRODUÇÃO A MAX WEBER E A ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO


Categoria: Sociologia
Imagem: Sociólogo Max Weber - DW Made for Minds
Publicado: 02 de Janeiro de 2016, Sábado, 15h44

Por Franklin Ferreira
Ministro da Convenção Batista Brasileira, doutorando em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, onde leciona Teologia Sistemática.

“A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” (Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus) de Max Weber foi escolhido como o mais importante escrito teórico publicado no século XX, por dez intelectuais convidados pelo jornal Folha de São Paulo,1 para elaborar a lista dos cem melhores livros de não-ficção ou ensaios do século (uma outra obra de Weber, “Economia e Sociedade”, ocupa a terceira colocação). Um dos jornalistas pergunta:

O que um livro publicado em 1904, que trata basicamente de características de um movimento religioso pouco influente por aqui, o protestantismo – movimento de contestação dos dogmas e da organização da Igreja Católica, no século 16 –, vem fazer no topo de uma lista das “melhores obras de não-ficção do século” de um jornal brasileiro?

O ensaio histórico-sociológico de Max Weber buscou vincular o conteúdo doutrinário do protestantismo com a economia capitalista – “este último caracteriza-se por uma racionalidade específica, para a qual concorreu a noção de trabalho como vocação e ascese intramundana, gerada no calvinismo. Sem postular uma causalidade estrita, o autor demonstra haver uma afinidade entre ambos”.2 Neste estudo, buscaremos dar um resumo das linhas gerais da mais importante obra de Weber.3 Também serão levantadas algumas perguntas no decorrer do estudo, e, na conclusão, serão abordadas algumas questões criticas, para estudo posterior. Por uma questão de brevidade não serão desenvolvidos os pressupostos weberianos, “em seu esforço obstinado para estabelecer a eficácia histórica das crenças religiosas contra as expressões mais reducionistas da teoria marxista”.4

INTRODUÇÃO
Depois de demonstrar a existência de uma “noção ingênua” de capitalismo em todas as culturas, Weber busca  definir o capitalismo como uma característica típica do mundo ocidental. Em suas palavras,

chamaremos de ação econômica “capitalista” aquela que se basear na expectativa de lucro através da utilização das oportunidades de troca, isto é, nas possibilidades (formalmente) pacíficas de lucro. Em última análise, a apropriação (formal e atual) do lucro segue os seus preceitos específicos, e, (conquanto não se possa proibi-lo) não convém colocá-la na mesma categoria da ação orientada para a possibilidade de benefício na troca. Onde a apropriação capitalista é racionalmente efetuada, a ação correspondente é racionalmente calculada em termos de capital.5

Este será seu ponto de partida, em busca das origens deste tipo específico de capitalismo: a moderna organização racional da empresa capitalista, baseada na separação da economia doméstica e na criação de uma contabilidade racional.

I.   AS RAÍZES PROTESTANTES DO CAPITALISMO
A.  Filiação religiosa e estratificação social
Weber partiu de uma constatação que o instigou: na região estudada no vale do Ruhr, na Alemanha, geralmente os filhos dos católicos eram levados a escolher carreiras profissionais humanísticas, enquanto os protestantes escolhiam as carreiras técnicas. Como conseqüência, os protestantes estavam mais representados entre os industriais, dirigentes empresariais e técnicos de nível superior. Instigado por estas constatações, ele desenvolveu a pesquisa, na qual concluiu que alguns ramos do protestantismo (calvinismo, pietismo, metodismo e anabatistas), por causa, aparentemente, de sua fé e da ética que a partir dela desenvolveram, deram uma importante contribuição para a formação do espírito que impulsiona a economia ocidental moderna.6

B.  O espírito do capitalismo
Com a finalidade de determinar aquilo que ele chamava de “o espírito do capitalismo organizado e racional”, Weber se volta para um documento que aparentemente reflete este espírito, que “contém aquilo que procuramos numa pureza quase clássica e que”, ao mesmo tempo, “apresenta a vantagem de ser livre de qualquer relação direta com a religião, estando assim, para os nossos objetivos, livre de preconceitos”.7 Ele cita as conhecidas máximas: “tempo é dinheiro” (qualquer tempo em que não se está trabalhando custa o dinheiro que poderia ter sido ganho); “crédito é dinheiro” (por seis pences por ano, pode-se fazer uso de centenas de pences); “o dinheiro pode gerar dinheiro” (aquele que desperdiça uma coroa destrói tudo o que ela poderia ter produzido, uma grande quantidade de coroas).

Para Winn, “temos aqui a religião secular do trabalho”. O primeiro e maior mandamento é o de trabalhar do modo mais árduo possível, durante o máximo possível de horas, para se ganhar o maximo possível de dinheiro. O pecado cardeal é perder tempo ou dinheiro. Segundo a interpretação weberiana, a disciplina monástica e ascética estabelece que o dinheiro ganho dessa maneira não deve ser gasto em divertimento ou conforto, mas diretamente investido para gerar mais dinheiro, e as virtudes cardeais passam a ser a frugalidade, a laboriosidade, a pontualidade nos pagamentos e a fidelidade nos acordos – todas as quais aumentam o crédito e habilitam a fazer uso do dinheiro dos outros. “Essa religião parece ter sido destinada a concretizar a acumulação de capital. Todos nós conhecemos e observamos seus devotos”.8

A peculiaridade desta filosofia da avareza parece ser o ideal de um homem honesto, de crédito reconhecido e, acima de tudo, a idéia do dever de um indivíduo com relação ao aumento de seu capital, que é tomado como um fim em si mesmo. Em seu entendimento, na verdade, o que é aqui pregado “não é uma simples técnica de vida, mas sim uma ética peculiar, cuja infração não é tratada como uma tolice, mas como um reconhecimento do dever”. Esta é a essência do problema. “O que é aqui preconizado não é mero bom senso comercial – o que não seria nada original – mas sim um ethos”.9 Em seu entendimento desta filosofia, ganhar dinheiro dentro da ordem econômica moderna e, enquanto for feito legalmente, é o resultado e a expressão de virtude e de eficiência em uma vocação – e estas virtude e eficiência são o coração da ética de Benjamin Franklin.

C.  A concepção de vocação de Lutero – a tarefa da investigação
No terceiro capítulo desta obra, o autor busca a raiz do moderno sistema capitalista na concepção protestante de vocação. Em suas palavras, “não há duvida de que já na palavra alemã Beruf, e, quem sabe, ainda mais, na palavra inglesa calling, existe uma conotação religiosa – a de uma tarefa ordenada, ou pelo menos sugerida por Deus, – que se torna tanto mais manifesta, quanto maior for a ênfase do caso concreto”.10 Para João Calvino, para vivermos de modo digno, devemos levar em conta nossa vocação:

Finalmente, de levar-se em conta é isso: que o Senhor a cada um de nós em todas as ações da vida ordena atentar para Sua vocação. Pois, [Ele] sabe com quão grande inquietude efervesça o engenho humano, de quão inconstante volubilidade seja levado para cá e para lá, quão ávida lhe seja a ambição em abraçar diversas cousas a um só tempo. Portanto, para que através de nossa estultície e temeridade de cima abaixo se não misturem todas [as cousas, Deus] ordenou a cada um os seus deveres em distintos gêneros de vida. E para que não ultrapasse alguém temerariamente os seus limites, a essas modalidades de viver chamou vocações. Logo, para que não sejam levados em volta às cegas pelo curso da vida, foi pelo Senhor atribuída a cada um, como se fora um posto de serviço, sua forma de viver. (…) Daqui também insigne consolação surdirá: que, desde que obedeças à tua vocação, nenhuma obra tão ignóbil e vil haverá de ser que diante de Deus não resplandeças e sejas tida por valiosíssima.11

No entendimento de Weber, foi a partir deste conceito de vocação que se manifestou aquilo que ele entende como o dogma central de todos os ramos do protestantismo, segundo o qual a única maneira de viver aceitável para Deus não estava na superação da moralidade secular pela ascese monástica, mas sim no cumprimento das tarefas “do século”, impostas ao individuo pela sua posição no mundo.12 Então,

o calvinismo é, precisamente, a primeira ética cristã que deu ao trabalho um caráter religioso. Anteriormente, o trabalho fazia parte das atividades pertencentes à vida material; ele se impunha porque, de uma forma ou outra, não se podia dispensá-lo; mas, como atividade temporal, nenhuma relação tinha com a salvação eterna ou com a vida espiritual. Para o calvinismo, ao contrário, o trabalho, considerado uma vocação, torna-se atividade religiosa. Importa trabalhar, custe o que custar, haja ou não necessidade de prover seu sustento, porque trabalhar é uma ordem de Deus.13

A partir deste ponto, ele busca descobrir o extraordinário papel desempenhado pelo calvinismo e pelas seitas protestantes na história do desenvolvimento capitalista. Em seu entendimento, basta uma observação superficial para verificar que podemos encontrar um tipo de relação entre a vida religiosa e os atos seculares completamente diferentes, tanto do catolicismo como do luteranismo – e isto seria evidente até em obras de teor puramente religioso. Seu exemplo é o trecho final da Divina Comédia, no qual o poeta, no paraíso, fica sem fala diante das obras de Deus e a forma como John Milton encerra o último canto do Paraíso Perdido, depois de haver descrito a expulsão do paraíso:

Eles olharam para trás, e contemplaram toda a parte oriental do Paraíso, ainda há pouco sua feliz mansão, ondulada por essa espada chamejante; a porta estava interceptada por horríveis rostos e armas ardentes. Adão e Eva deixaram cair algumas lágrimas sentidas, que logo enxugaram. O mundo todo estava diante deles, para escolherem, lá, um lugar para o seu descanso. A Providência era o seu guia. De mãos dadas, com passos incertos e lentos, tomaram, através do Éden, o seu caminho solitário.

Fora só uns momentos antes que o arcanjo Miguel dissera a Adão:

Ajunta somente ao teu conhecimento ações louváveis, ajunta a fé, a virtude e a paciência, a temperança, ajunta o amor, chamado no futuro, caridade, alma de tudo o mais; então, não te lastimarás de deixar este Paraíso, pois que possuirás em ti mesmo um Paraíso muito mais feliz.14

Em seu entendimento, “percebe-se logo que essa poderosíssima manifestação do puritanismo de apego ao mundo, de valorização da vida secular como dever, teria sido inconcebível da parte de um autor medieval. Mas, igualmente deixa de ser afim ao luteranismo, pelo menos ao de Lutero e de Paul Gerhard”.15

II.   A ÉTICA VOCACIONAL DO PROTESTANTISMO ASCÉTICO
A.  Fundamentos religiosos do ascetismo laico
Na segunda parte de seu trabalho de investigação, Weber passa a estudar aquilo que ele considera “os representantes históricos do protestantismo ascético”16 que são, principalmente, os quatro seguintes: “o calvinismo na forma que assumiu na sua principal área de influência na Europa Ocidental, especialmente no século XVII; o pietismo; o metodismo; e as seitas que se derivaram do movimento [ana]batista”.17 O interesse de autor se concentra “na influência daquelas sanções psicológicas que, originadas na crença religiosa e da prática da vida religiosa, orientavam a conduta e a ela prendiam o indivíduo”18 – e em torno desta questão central que gira a tese de Weber.

O primeiro grupo abordado é o calvinismo, que “foi a fé em torno da qual giraram os países capitalisticamente desenvolvidos – Países Baixos, Inglaterra e França – as grandes lutas políticas e culturais dos séculos XVI e XVII”, associado principalmente a João Calvino.19 Em seu entendimento, “naquela época, e, de modo geral, mesmo hoje, a doutrina da predestinação era considerada seu dogma mais característico. (…) Os grandes sínodos do século XVII, principalmente os de Dordrecht e Westminster, além de numerosos outros menores, fizeram de sua elevação à autoridade canônica o objetivo principal de seus trabalhos”.20 Na interpretação weberiana da doutrina da predestinação, aos fiéis “manteve- se como um dever absoluto, de cada um considerar-se escolhido e de combater todas as dúvidas e tentações do demônio”, já que a falta de autoconfiança era o resultado da falta de fé, e, portanto, de graça imperfeita. A exortação do apóstolo de fortalecimento da própria vocação (2Pe 1.10) “é aqui interpretada como um dever de obter certeza da própria dedicação e justificação na luta diária pela vida”. Então, no entendimento de Weber desta doutrina, uma intensa atividade profissional era recomendada, como o meio mais adequado para alcançar a autoconfiança.21

Para Weber, baseando sua ética na doutrina da predestinação, os calvinistas substituíram a aristocracia espiritual dos monges, alheia e superior ao mundo, pela aristocracia espiritual dos predestinados santos de Deus, integrados no mundo.22 “A união da fé, em normas absolutamente válidas, com o determinismo absoluto, e a completa transcendência de Deus foi, a seu modo, um produto de grande genialidade… uma ordenação racional sistemática da vida moral global”.23 Em seu entendimento, ao luteranismo, em razão de sua doutrina de graça centrada nos sacramentos e na igreja visível, faltava justamente uma “sanção psicológica de conduta sistemática que o compelisse à racionalização metódica da vida”.24 Mas, segundo Biéler,

Que este dogma [da predestinação] foi importante no pensamento de Calvino ninguém poderia contestar; que, no entanto, tarjasse com seu timbre toda a vida religiosa e profana das comunidades calvinistas desde a origem, ao ponto de desencadear entre seus membros reflexos profissionais específicos, eis o que é bastante exagerado e abertamente contraditado pelos fatos da época, já que nos mostram os calvinistas bem pouco inclinados às práticas capitalistas.25

Mas, aqui, precisamos já levantar uma questão: será que Weber está sendo inteiramente justo em sua leitura de Calvino – e da tradição reformada que se seguiu? Quando comparamos “o espírito do capitalismo”, conforme sua descrição feita por Weber e reconhecido por nós em nós mesmos e nos outros, com as idéias do próprio Calvino a respeito do dinheiro e dos negócios, passamos a descobrir que ele considerava os negócios como uma forma legítima de servir a Deus e de trabalhar para a sua glória. Ele via a circulação de dinheiro e os bens e serviços como uma forma concreta da comunhão dos santos, e defendia que aqueles que se envolviam nos negócios deveriam ter como objetivo ajudar os pobres e os ricos. Ele pensava que seria bom restaurar o Ano do Jubileu – uma redistribuição periódica da riqueza de modo que essa brecha nunca se tornasse permanente.26

Os pastores em Genebra também intercediam continuamente diante do Conselho em favor dos pobres e dos operários. O próprio Calvino intercedeu várias vezes por aumentos de salários para os trabalhadores. Os pastores pregavam contra a especulação financeira, e fiscalizavam parcialmente os preços contra a alta provocada pelos monopólios. Debaixo da influência dos pastores, o Conselho limitou a jornada de trabalho dos operários. A vadiagem foi proibida por leis: os vagabundos estrangeiros que não tivessem meios de trabalhar deveriam deixar Genebra dentro de três dias após a sua chegada. E os vagabundos da cidade deveriam aprender um ofício e trabalhar, sob pena de prisão. O Conselho instituiu cursos profissionalizantes para os vadios e os jovens, para que eles pudessem entrar no mercado de trabalho.27

Os autores da Confissão de Fé de Westminster e dos dois Catecismos foram profundamente influenciados neste aspecto pelo ensino de Calvino. No capítulo sobre o “Magistrado Civil” (Cap. XXIII) a Confissão de Fé reflete o ensino de Calvino sobre a vocação social e política dos cristãos (par. 2), a independência da Igreja do Estado, para gerir seus próprios interesses, e o dever do Estado de proteger a Igreja cristã (par. 3), o dever do Estado de assistir e proteger os necessitados independentemente das convicções religiosas dos mesmos (par. 3), bem como o dever dos cristãos de honrar e de submeterem-se ao Estado (par. 4). Eles também fizeram contínuas referências às questões sociais e econômicas. A exposição no Catecismo Maior do sexto mandamento (“não matarás”) inclui os seguintes deveres exigidos “… a justa defesa da vida contra a violência… o uso sóbrio do trabalho e recreio… confortando e socorrendo os aflitos, e protegendo e defendendo o inocente”. Como pecado, são incluídos “… a negligência ou retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação da vida… o uso imoderado do trabalho… a opressão… e tudo que tende à destruição da vida de alguém”.28 Então, no entendimento de Biéler, “foi o abandono da antropologia de Calvino, em favor de uma antropologia secularizada otimista e progressista, que conduziu algumas sociedades protestantes aos desvios analisados por Weber”.29 Ele continua:

Entre o século XVIII, analisado por Weber e Troeltsch, e a época do Reformador [Calvino], há mais de dois séculos, de história e nada menos que a revolução industrial. Pois bem, a maior censura que se pode fazer a esses autores é a de haverem ignorado essa distância e de haverem cedido à tentação de identificar – a despeito de sua vontade de distingui-las – a influência de Calvino com a influência dos movimentos religiosos de origem calvinista, contudo, já extensivamente deformados e secularizados.30

O segundo grupo protestante abordado é o pietismo, associado a Philip Spener, e caracterizado como “emocional”. No entendimento de Weber, o efeito prático dos princípios pietistas foi um controle ainda mais estritamente ascético da conduta na vocação, “fornecendo uma base religiosa para a ética vocacional, ainda mais sólida que a mera respeitabilidade laica” dos cristãos luteranos normais, considerados pelo pietismo como uma cristandade de segunda classe.31 O pietismo acabou influenciando funcionários, caixeiros, operários e empregados domésticos, e o empregador patriarcal condescendente (seu exemplo sugestivo é o Conde Nikolau von Zinzendorf). O calvinismo, por outro lado, estava mais relacionado com a “ativa empresa dos empreendedores capitalistas burgueses”.32

O terceiro grupo estudado é o metodismo, associado principalmente a John Wesley. Para Weber, “esta religião emocional entrou, e não com pequenas dificuldades, numa aliança peculiar com a ética ascética racional, para todo o sempre imposta pelo puritanismo”. A doutrina da predestinação foi substituída pela certitudo salutis, derivada “imediatamente do testemunho do Espírito”. Então, alguém deste modo remido pode, em virtude da divina graça já trabalhando em seu ser, obter, mesmo nesta vida, por uma segunda transformação espiritual, geralmente separada e muitas vezes súbita, a “santificação”, a consciência da perfeição, no sentido da libertação do pecado.

A doutrina da regeneração do metodismo criou um complemento para a sua doutrina das obras: “uma base religiosa para a conduta ascética, depois do abandono da conduta da predestinação”. Mas, na prática, a influência desta tradição é limitada no desenvolvimento do sistema capitalista: em seu entendimento, “[podemos] deixar de lado o metodismo como um produto tardio já que ele nada ajuntou de novo ao desenvolvimento da idéia da vocação”.33

O quarto grupo estudado é equivocadamente chamado de “batistas”.34 Na verdade, estas “seitas”35 estão ligadas aos anabatistas, associados a Menno Simons.36 Em seu entendimento, “as mais importantes idéias de todas essas comunidades [anabatistas], cuja influência no desenvolvimento da cultura somente pode ser bem esclarecida em uma conexão algo diferente, são algo com que já estamos familiarizados: a believer’s Church… em outras palavras: não uma igreja, mas uma ‘seita’”.37

Tendo rejeitado a doutrina reformada da predestinação, o caráter peculiarmente racional da moralidade anabatista “apoiou-se psicologicamente, acima de tudo, na idéia da ‘espera’ pela ação do Espírito, que, mesmo hoje caracteriza o meeting quaker…”38 Esta atitude significou um enfraquecimento da concepção calvinista de vocação, mas, ao mesmo tempo, por outro lado, por várias circunstancias, aumentava nas seitas anabatistas a intensidade do interesse vocacional de caráter econômico. Eles recusaram aceitar funções publicas, originariamente um dever religioso decorrente do repúdio de todas as coisas mundanas, que, depois de abandonada como principio, permaneceu ainda efetiva na prática, pelo menos para os menonitas e para os quakers porque a estrita recusa de pegar em armas e prestar juramentos constituía uma desqualificação suficiente para o serviço publico.

De mãos dadas com este repudio, em todos os grupos anabatistas, “vinha uma invencível oposição a qualquer tipo de estilo de vida aristocrático”. Toda a consciente e sutil “racionalidade da conduta [ana]batista foi assim orientada para vocações apolíticas”. Como conseqüência, a forma especifica assumida pela “ascese secular dos [ana]batistas, especialmente dos quakers… [encontra] seu documento clássico no tratado de Franklin anteriormente citado”. Então, em conclusão, Weber afirma que “esta racionalização da conduta dentro deste mundo, mas para o bem do mundo do além, foi a conseqüência do conceito de vocação do protestantismo ascético”.39

B.  A ascese e o espírito do capitalismo
Para Weber, a vocação ascética reformada, conforme interpretada principalmente por Richard Baxter,40 não é, como no luteranismo, um destino ao qual cada um deva se submeter, mas um mandamento de Deus a todos, para que trabalhem para a glória de Deus. Essa diferença, aparentemente irrelevante, teve amplas conseqüências psicológicas, relacionando-se com um maior aperfeiçoamento dessa significação providencial da ordem econômica.41

A avaliação religiosa do infatigável, constante e sistemático labor vocacional secular, como o mais alto instrumento de ascese, e, ao mesmo tempo, como o mais seguro meio de preservação da redenção da fé e do homem, deve ter sido presumivelmente a mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção de vida, que aqui apontamos como “espírito” do capitalismo.42

Uma outra questão precisa ser aqui mencionada. Embora não inteiramente aversos aos esportes e lazer, os puritanos não os toleravam quando interferiam com o trabalho, evidentemente com o exercício fiel do seu chamado ou vocação; ou quando significasse excessivo dispêndio de dinheiro, do qual temos de dar contas a Deus.43

Mas, no entendimento de Weber, à medida que foi se estendendo a influência do estilo de vida puritano, centrado na idéia da vocação, – e isto, naturalmente, é muito mais importante do que o simples fomento da acumulação de capital – foi favorecido o desenvolvimento de uma vida econômica racional e burguesa. Era a sua mais importante e sua única orientação consistente, nisto tendo sido o berço do moderno “homem econômico”. “A intensidade da procura do reino de Deus gradualmente começa a transformar-se em sóbria virtude econômica, quando lentamente desfalecem as raízes religiosas, dando lugar à secularidade utilitária… uma ética profissional especificamente burguesa surgiu em seu lugar”.44

Aqui, a tese do autor é parcialmente correta, quando atribui o progresso material à orientação dada pela ética e pela teologia de Calvino. Estranha, no entanto, é a qualificação de ascetismo dada por ele à maneira de viver que Calvino e Baxter preconizavam. Por exemplo, para Baxter,

a riqueza deve ser usada para fazer um bem positivo. Baxter tem um alto ponto de vista do lugar da caridade na vida cristã. Fazendo o bem deste modo, nós nos tornamos semelhantes a Deus; isto agrada a Deus, mostra que nossa fé é sincera e é determinada e recomendada na Escritura nos mais fortes termos. (…) Baxter não queria ser legalista em determinar o quanto alguém daria aos que estivessem em necessidade. Ele não apresenta uma proporção fixa; sua única regra é: ‘Dê o quanto você pode dar’. Sobre o dízimo, seu parecer (numa carta a Thomas Gouge) é o seguinte: “Sua proporção da décima parte é demais para alguns, e muito pouco para outros, mas para a maior parte eu acho [que] é tão razoável como apropriada para ser estabelecida em particular” (I.863b). Ele queria ver o dinheiro cristão sendo utilizado para a conversão dos pagãos, tanto no próprio país como no estrangeiro; para encorajar um piedoso ministério; para edificar e beneficiar escolas e hospitais; para ajudar as crianças pobres; e, naturalmente, para socorrer os pobres. Parece que ele mesmo dava metade de sua renda anual para causas caridosas dessa espécie.45

Weber termina este capítulo com a seguinte constatação: “a conduta racional baseada na idéia de vocação, nasceu (…) do espírito de ascese cristã. (…) No setor de seu mais alto desenvolvimento, nos Estados Unidos, a procura da riqueza, despida de sua roupagem ético-religiosa, tende cada vez mais a associar-se com paixões puramente mundanas…”46

CONCLUSÃO
Segundo Ryken,

[Weber] … encontrou muitas conexões [entre ‘a ética protestante’ e o ‘espírito do capitalismo moderno’]: uma crença de que se pode servir a Deus no chamado pessoal secular, uma tendência a viver vidas disciplinadas e até ascéticas, um espírito de individualismo, uma ênfase no trabalho árduo e uma boa consciência referente ao ganhar dinheiro. Embora Weber fosse altamente seletivo nos dados que escolheu para considerar, sua análise descobriu muito de importante sobre o movimento protestante. A chamada tese de Weber produziu alguns resultados infelizes, porém. Os protestantes têm sido descritos com tendo elevado o ganhar dinheiro ao mais alto objetivo na vida, como vendo o acúmulo de riquezas como uma obrigação moral e com aprovando virtualmente todo o tipo de competição nos negócios. Uma olhada nas atitudes e práticas Puritanas relacionadas ao dinheiro mostrará que a tese de Weber era uma boa idéia que acabou pervertendo seriamente a verdade.47

A partir desta constatação, precisamos levantar algumas perguntas importantes: Até que ponto Weber não foi unilateral em seu estudo? Será que catolicismo e protestantismo juntamente não concorreram, com sua ética ascética, para o surgimento do capitalismo? A idéia de Lutero, e especialmente de Calvino, sobre a vocação (e, conseqüentemente, de predestinação) foi corretamente compreendida? Será que o capitalismo não adotou a doutrina da vocação, retirando-lhe o sentido cristão, fazendo-o apenas uma teoria para obrigações terrenas? Será que Weber considerou, em sua análise, o puritanismo (que dominou o cenário inglês entre 1560 a 1660) ou o movimento posterior, o não- conformismo?48 Ele levou em conta elementos de continuidade e descontinuidade nestes movimentos? Será que “o espírito capitalista” e a “ética protestante” não são muito mais complexos do que Weber parece indicar?49 Até que ponto as observações de Weber não carecem de um conhecimento teológico mais profundo?

Algumas observações quanto à esta última pergunta devem ser feitas, como conclusão: além de Weber fazer uma confusão histórica na definição de puritanismo,50 pietismo, metodismo e anabatistas, temos uma caricatura reducionista e simplista da tradição reformada. Por exemplo: a doutrina da predestinação, em Calvino, foi totalmente retirada de seu contexto mais amplo: criação, queda, redenção e restauração. Também não há nenhuma menção à doutrina do pecado original, e do alcance do pecado no homem, ou à graça comum. Nem mesmo outras obras do reformador são mencionadas, como por exemplo, seus numerosos comentários, cartas, tratados breves, etc. Isto acabaria por dar uma visão mais ampla do pensamento econômico e social de Calvino. Este pode ser brevemente resumido assim:

1) É necessário começar por saber qual a atitude que o Senhor deseja que tenhamos diante dos bens materiais: quais os meios lícitos de ganhá-los e qual o seu uso adequado e legítimo.

2) Não devemos buscar os bens terrenos por cobiça. Se vivermos na pobreza, devemos suportá-la pacientemente; se tivermos riquezas, não devemos nos prender a elas nem confiar nelas, devendo estar dispostos a renunciá-las se isso convier a Deus. Tanto o possuir como o não possuir devem ser indiferentes e sem maior valor, considerando a bênção de Deus como maior do que todas as coisas, buscando o reino espiritual de Jesus Cristo sem nos envolvermos em ambições iníquas.

3) Trabalhemos honestamente para ganhar a vida. Recebamos nossos lucros como vindos das mãos de Deus. Não usemos de má fé para nos apossarmos dos bens dos outros, mas sirvamos ao próximo com consciência limpa. Que o fruto de nosso trabalho seja o salário justo. Ao vender e ao comprar não usemos de fraude, astúcia ou mentira. Apliquemos ao nosso trabalho a mesma honestidade e lealdade que esperamos dos outros.

4) Finalmente, quem nada possui não deixe de render graças a Deus e de comer seu pão com alegria. Quem muito possui não use de glutonaria, de luxo, de orgulho e de vaidade, gastando dinheiro com coisas supérfluas; antes, seja em tudo moderado, e empregue seus bens em ajudar e socorrer o próximo, reconhecendo-se como quem recebeu seus bens de Deus e que deles há de um dia prestar contas. Devemos nos lembrar que o que tem em abundância use apenas o necessário para que o que nada tem não fique privado.

5) Em resumo, assim como Jesus Cristo deu-se por nós, também comuniquemos ao próximo, com amor, as graças que recebemos, ajudando-o na sua pobreza e socorrendo-o na sua miséria. Isto é o que nos cabe fazer.51

Também podemos lembrar aqui o que disse Abraham Kuyper, um dos gigantes da tradição reformada, em seu discurso no Congresso Social Cristão, em 1891:

Quando ricos e pobres permanecem opostos uns aos outros, [Jesus] nunca fica com o mais rico, mas sempre com o mais pobre. Ele nasceu num estábulo; e, enquanto as raposas têm tocas e os pássaros possuem ninhos, o Filho do Homem não tinha nenhum lugar para repousar a sua cabeça… Tanto Cristo bem como muitos de seus discípulos depois dele e os profetas antes dele tomaram, invariavelmente, posição contra aqueles que eram poderosos e viviam no luxo e a favor dos que sofriam e eram oprimidos.

Deus não deseja que alguém deva matar-se no trabalho e, mesmo assim, não ter nenhum pão para si e para sua família. E Deus não quer muito menos que qualquer pessoa com mãos e vontade de trabalhar padeça fome ou seja reduzido à condição de mendigo simplesmente por causa de não haver nenhum trabalho. Se temos ‘comida e roupa’, então é verdade que o santo apóstolo ordena que devamos nos contentar com isso. Mas não pode nem deve nunca ser excusado em nós que, enquanto o nosso Pai no céu deseja com bondade divina que uma abundância de comida venha da terra, mediante nossa culpa, essa rica generosidade seja dividida de forma tão desigual que, enquanto um se farta de pão, outro vá com o estômago vazio para seu catre e, algumas vezes, não tenha nem mesmo um catre.52

Weber também não menciona nenhuma vez a teologia das alianças, como formativa da mentalidade puritana,53 e nem a doutrina do sacerdócio de todos os crentes. Sua tese, como ele mesmo admite,54 também está limitada pelo uso das fontes, tais como John Bailey, Richard Baxter (ignorando totalmente sua teoria governamental da expiação, sua doutrina da justificação e seu “neonomismo”), John Milton (é mencionado apenas de passagem seu arminianismo, mas não seu arianismo – presente em seu Doctrina Christiana, só descoberto em 1823), John Bunyan e Heinrich Heppe,55 que não são representativas do movimento puritano, como William Perkins, Richard Sibbes, William Ames, John Owen, Thomas Goodwin e Thomas Watson, entre outros.56

O capitalismo só se desenvolveu entre as populações protestantes em virtude do afrouxamento da doutrina e da ética reformadas.57 Em parte alguma, nos escritos e atos de Calvino (e da tradição reformada posterior), há espaço para inserir-se, por exemplo, “o texto de Benjamin Franklin citado por Weber, sem que apareça, em toda a sua violência, contraste entre sua moral e a moral” deste deísta.58 O que parece é que Weber não considerou aquilo que Biéler chama de ambigüidade social do calvinismo – um equilíbrio evangélico do individualismo intenso e um “socialismo cristão rigoroso”.

À luz do contexto econômico neoliberal e sua política de exclusão social59 precisamos nos perguntar em que sentido a teologia social reformada poderia nos ajudar hoje, aqui e agora, no Brasil. É obvio que existem profundas diferenças culturais, políticas e religiosas entre a Suíça medieval e o Brasil moderno. Mas existem muitas semelhanças também, particularmente no que se refere aos problemas sociais. Além do mais, os princípios elaborados por Calvino para atender às questões sociais e econômicas são válidos para nós hoje, pois são bíblicos – permanece como verdade imutável o fato de que a raiz da opressão social é espiritual e moral, bem como o fato de que Jesus Cristo é o Senhor de todas as coisas, em todos os lugares, e em todas as épocas, e que seu reino se estende à política, à sociedade e à economia tanto de genebrinos quanto de brasileiros. Por causa disto, a igreja evangélica brasileira (especialmente os reformados) deveria se envolver em todos estes aspectos da sociedade,

usando os meios apropriados, lícitos e legais para protestar, advertir e resistir à injustiça social, usando a pregação da Palavra para chamar ao arrependimento os governantes corruptos, os ricos opressores e os pobres preguiçosos, e exercitando obras de misericórdia e assistência social através de uma diaconia treinada e motivada. Todo este envolvimento social deve acontecer sem perder de vista que a missão primordial da Igreja é promover a reforma (parcial e provisória) da sociedade através da proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, aguardando os novos céus e a nova terra onde habita a plena justiça de Deus.60

NOTAS
1 “Caderno Mais!” em Folha de São Paulo (Domingo, 11 de Abril de 1999). Participaram da escolha o crítico literário e escritor Modesto Carone, o antropólogo Roberto DaMatta, o físico Rogério Cézar de Cerqueira Leite, o economista Eduardo Giannetti, os historiadores Evaldo Cabral de Mello e Nicolau Sevcenko e os professores de filosofia Maria Sylvia Carvalho Franco, Olgária Matos, Bento Prado Jr. e Renato Janine Ribeiro. Sobre o fato de Max Weber ocupar a primeira e a terceira colocações, Maria Franco comenta: “Sua erudição deixa tudo ao redor dele muito empalidecido”.

Ibid.

3 Wax Weber (nascido em Erfurt, Alemanha, em 1864; falecido em Mônaco, em 1920) foi professor de economia primeiramente em Fribourg (1894), depois em Heidelberg (1897), Viena e, finalmente, Berlim. Foi co-editor, com Werner Sombart (que em 1911 publicou Die Juden und das Wirtschaftsleben [Os judeus e a vida econômica], uma tentativa de refutar a tese de Weber), da mais influente publicação de ciências sociais de seu tempo – Archiv Fur Sozialwissenschaff und Sozialpolitik. Algumas de suas principais obras são: A história agrária e sua significação para o direito público e privado (1891), As causas sociais da decadência da civilização antiga (1896), A ética protestante e o espírito do capitalismo (1904-1905), As seitas protestantes e o espírito do capitalismo (1906), e, postumamente, Economia e sociedade (1922). Para mais informações biográficas e uma coletânea de ensaios weberianos, ver Ana Maria de Castro e Edmundo Fernandes Dias (org.), Emile Durkheim, Max Weber, Karl Marx e Talcott Parsons: introdução ao pensamento sociológico (São Paulo: Moraes, 1992), 97-156. Para um resumo de suas idéias principais, ver Tânia Quintaneiro, Maria Ligia de O. Barbosa e Márcia Gardênia de Oliveira, Um toque de clássicos: Durkheim, Marx e Weber (Belo Horizonte: UFMG, 1999), 105-147. Para a importância da sociologia como ferramenta para ajudar a fazer teologia, ver a excelente introdução de David Lyon, O cristão e a sociologia (São Paulo: ABU, 1996).

4 P. Bourdier, “Uma interpretação da teoria da religião em Max Weber” A economia das trocas simbólicas (São Paulo: Perspectiva, 1982), 79. Ver também John Patrick Diggins, Max Weber; Política e o espírito da tragédia (Rio de Janeiro: Record, 2000). Junto com outros pesquisadores, Diggins sugere que a visão de Weber sobre os conflitos na sociedade moderna foi moldada pelo entendimento da vontade de poder (expressa na luta entre valores antagônicos), que ele recebeu do trabalho de Friedrich Nietzsche, e pela descrição dos limites da responsabilidade moral, que ele desenvolveu a partir de seus estudos sobre o calvinismo, conceitos estes que tornariam a realidade social, política e econômica compreensível.

5 Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo (11a edição. São Paulo: Pioneira, 1996 [1904- 05]), 4-5.

Ibid., 136, n. 8.

Ibid, 29. Aqui ele está citando duas obras de Benjamin Franklin, Necessary Hints to Those That Wold Be Rich, de 1736, e Advice to a Young Tradesman, de 1748.

8 Albert Curry Winn, “A tradição reformada e a teologia da libertação”, Donald K. McKim (ed.), Grandes temas da tradição reformada (São Paulo: Pendão Real, 1998), 354.

9 Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, 31.

10 Ibid, 53.

11 João Calvino, As Institutas ou Tratado da Religião Cristã, vol. III (SP: CEP, 1989), 186, 187.

12 Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, 53.

13 André Biéler, O humanismo social de Calvino (São Paulo: Edições Oikoumene, 1970), 68.

14 John Milton, O Paraíso Perdido XII (Rio de Janeiro: Ediouro, s/d [1667]), 258, 260.

15 Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, 59.

16 Para as tipologias de “ascetismo” e “misticismo”, ver Max Weber, “Rejeições religiosas do mundo e suas direções”, Os Pensadores (São Paulo: Abril Cultural, 1980), 242-244, onde ele contrasta “como renúncias do mundo, o ascetismo ativo, que é uma ação, desejada por Deus, do devoto que é instrumento de Deus e, por outro lado, a possessão contemplativa do sagrado, como existe no misticismo, que visa a um estado de ‘possessão’, não de ação, no qual o individuo não é um instrumento, mas um ‘recipiente’ do divino. A ação no mundo é vista, assim, como um perigo para o estado irracional e outros estados religiosos voltados para o outro mundo. O ascetismo ativo opera dentro do mundo; o ascetismo racionalmente ativo, ao dominar o mundo, busca domesticar o que é da criatura e maligno através do trabalho numa vocação ‘mundana’ (ascetismo do mundo). Tal ascetismo contrasta radicalmente com o misticismo, se este se inclina para a fuga do mundo (fuga contemplativa do mundo)”.

17 Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, 65.

18 Ibid, 67.

19 Ver Ibid, 163, n. 1. Weber não discutiu separadamente o zuinglianismo já que este, após um curto período de poder, rapidamente perdeu importância. No entendimento dele, o arminianismo ficou limitado, em sua influência, à Holanda e aos Estados Unidos, e seu impacto social resumiu-se em ter sido “a religião do patriciado mercantil da Holanda”. A posição política arminiana era ‘erastiana’ (isto é, favorável à soberania do Estado mesmo em assuntos eclesiásticos), pensamento comum a todas as entidades de interesses puramente políticos, como por exemplo, a rainha Elisabeth I e os Estados Gerais holandeses.

20 Ibid, 68.

21 Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, 77.

22 Ibid, 85.

23 Ibid, 88.

24 Ibid, 89.

25 André Biéler, O pensamento econômico e social de Calvino (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990), 641.

26 Winn, “A tradição reformada e a teologia da libertação”, 355. Ver também outras criticas em Robinson Cavalcanti, Cristianismo & política; teoria bíblica e prática histórica (Rio de Janeiro: Vinde & São Paulo: CPPC, 1988), 126-127.

27 Augustus Nicodemus Lopes, O Ensino de Calvino Sobre a Responsabilidade Social Da Igreja (São Paulo: PES, 1998), 20.

28 Lopes, O Ensino de Calvino Sobre a Responsabilidade Social Da Igreja, 21.

29 Biéler, O humanismo social de Calvino, 71. Ele também diz: “Calvino elaborou um pensamento econômico inteiramente original. Enquanto quase todos os teólogos anteriores faziam depender a vida econômica da moral geral e natural, sem relação direta com a obra da redenção, Calvino foi o primeiro a mostrar que a vida material é na verdade um dos lugares objetivos onde, mediante seu comportamento concreto, o homem vive o testemunho de sua fé no Cristo redentor. Entendia, pois, que as relações econômicas entre os homens – homens naturalmente corrompidos pelo pecado – podiam ser restaurados pela renovação espiritual da criatura humana. A evangelização e a missão cristã tem, portanto, incidência direta sobre a vida econômica e passam a ser a condição de sua restauração e da vida social harmoniosa”. Ver também, do mesmo autor, A força oculta dos protestantes; oportunidade ou ameaça para a sociedade? (São Paulo: Cultura Cristã, 1999), 122-137.

30 Biéler, O pensamento econômico e social de Calvino, 640. Para mais informações sobre influência de Calvino no processo social e econômico, ver também Wilson Castro Ferreira, Calvino: vida, influência e teologia (Campinas: LPC, 1990), 217-236.

31 Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, 92.

32 Esta asserção tem sido severamente questionada por H. R. Trevor-Roper, Religião, Reforma e Transformação Social (Lisboa: Editorial Presença e Martins Fontes, 1981).

33 Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, 101.

34 Para a origem dos batistas, ver Israel Belo de Azevedo, A celebração do indivíduo; a formação do pensamento batista brasileiro (São Bernardo do Campo: Exodus & Unimep, 1993).

35 Sobre a distinção entre “igreja” e “seita” e seu uso na sociologia da religião ver Ernst Troeltsch, Die Soziallehren der christlichen Kirchen und Gruppen (Tübingen: Mohr [1994]). Para Troeltsch, a “igreja” é a instituição de salvação e graça equipada com o resultado da obra redentora, que pode acolher as massas e se adaptar ao mundo porque tem em certa medida a possibilidade de prescindir da santidade subjetiva, devido ao tesouro objetivo da graça e salvação. A “seita” é a livre associação de cristãos exigentes e conscientes, que se unem como verdadeiramente renascidos, se separam do mundo, permanecem restritos a pequenos grupos, enfatizam a lei ao invés da graça e que em seu interior colocam em prática, com maior ou menor radicalidade, o modo cristão de vida baseada no amor, tudo com o propósito de preparar e esperar pelo reino futuro de Deus. Citado em Emil Sobottka, As estruturas eclesiais e as estruturas da sociedade na América Latina (Fraternidad Teológica Latinoamericana) <http://ekeko2.rcp.net.pe/fratela/clade4/emil.htm>.

36 Para um estudo erudito da historia e teologia anabatista/menonita, ver Timothy George, Teologia dos Reformadores (São Paulo: Vida Nova, 1993), 251-304.

37 Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, 102.

38 Ibid, 105.

39 Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, 107, 109.

40 Especialmente em seu A Christian directory (Morgan, PA: Soli Deo Gloria, 1996 [1673]).

41 Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, 114.

42 Ibid, 123.

43 Para um sumário erudito e abrangente sobre o pensamento puritano acerca do trabalho e do dinheiro, ver Leland Ryken, Santos no mundo; os puritanos como realmente eram (São José dos Campos, Fiel, 1992), 37- 51 e 71-85.

44 Ibid, 126-127.

45 Wooldridge, D. R. “O ensino econômico e social de Richard Baxter”, Jornal Os Puritanos, Ano II – Número 5 (Setembro/Outubro 1994), 27.

46 Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, 130-131.

47 Ryken, Santos no mundo; os puritanos como realmente eram, 71.

48 É interessante notar o que diz Douglas, Wilson, “O puritano liberado”, Jornal Os Puritanos, Ano V – Número 1 (Janeiro/Fevereiro 1997), 16: “Os modernos herdeiros dos puritanos não têm exercido a liberdade de seus pais. Pelo contrário, eles tem estado inúmeras vezes imitando as caricaturas criadas pelos inimigos dos puritanos. Dito de outra forma, a edificação encontrada na leitura destes homens antigos e já falecidos não consiste em lê-los, mas em aprender tanto sobre eles para nos tornarmos como eles. Isto é feito através de um ato de abraçar o Evangelho; o mesmo Evangelho que os abraçou e os achou no passado. (…) Citando C. S. Lewis (…): ‘Devemos imaginar estes Puritanos como o extremo oposto daqueles que se dizem puritanos hoje, imaginemo-los jovens, intensamente fortes, intelectuais, progressistas, muito atuais. Eles não eram avessos à bebidas com álcool; mesmo à cerveja, mas os bispos eram a sua aversão’ [C. S. Lewis, Estudos sobre a Renascença e Idade Media]. Puritanos fumavam (na época não sabiam dos efeitos danosos do fumo), bebiam (com moderação), caçavam, praticavam esportes, usavam roupas coloridas, faziam amor com suas esposas, tudo isto para a glória de Deus, o qual os colocou em posição de liberdade. O conceito popular moderno de puritanos não veio à existência até o momento em que tanto seus amigos como os seus oponentes entenderam muito mal a herança puritana. (…) Quase toda associação que atualmente adere ao nome puritano deve ser eliminada quando pensamos nos primeiros protestantes. O que quer que eles fossem, não eram soberbos, melancólicos ou severos. (…) O protestantismo não era duro demais, pelo contrário, era alegre demais para ser verdade [C. S. Lewis, Literatura Inglesa no século dezesseis].”

49 Para um bom levantamento de críticas metodológicas, ver R. H. Tawney, A religião e o surgimento do capitalismo (São Paulo: Editora Perspectiva, 1971), 202-203. Para avaliação das posições de Max Weber e Ernst Troelsch, confrontando-as com as interpretações de Émile Doumergue, Georges Goyau, Henry Hauser, André E. Sayous, H. R. Tawney, John V. Nef e outros, ver Biéler, O pensamento econômico e social de Calvino, 621-666.

50 Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, n. 37, 172. Ele faz uma tentativa de reinterpretar o significado original da palavra, para poder incluir Benjamin Franklin!

51 Citado em Biéler, O humanismo social de Calvino, 72-74.

52 Abraham Kuyper, Christianity and the Class Struggle (Grand Rapids, Piet Hein, 1950), 27-28, 50; 48-49. Citado em Allan Boesak, “Teologia negra e Tradição Reformada: contradição ou desafio”, em McKim, ibid, 366-367. Para uma ênfase parecida, ver Karl Barth, “Pobreza”, em Walter Altmann (org.), Karl Barth: Dádiva & louvor; artigos selecionados (São Leopoldo: IEPG & Sinodal, 1996), 351-353. Para mais informações sobre o pensamento político e social de Kuyper, ver, de minha autoria, “A minha glória não darei a outrem”: Abraham Kuyper (Revista Visão Missionária 3T98), 34-37.

53 William Klempa, “O conceito de pacto na teologia reformada continental e Britânica dos séculos XVI e XVII”, em McKim, ibid, 78-90. Ver também a resenha do livro de Charles S. McCoy e J. Wayne Baker: Fountainhead of Federalism: Heinrich Bullinger and the Covenant Tradition. Louisville: Westminster/John Knox, 1991, em WTJ 54 [1992], 396-400.

54 Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, 163-164, n. 4.

55 Dogmatik der evangelisch-reformierten Kirch [Eberfeld, 1861]. Ver Wayne Grudem, Teologia Sistemática (São Paulo: Vida Nova, 1999), 1042: “Heppe (1820-1879) foi um estudioso alemão que reuniu e citou muitos teólogos reformados anteriores. Devido ao fato de as citações estarem distribuídas de acordo com os tópicos de teologia sistemática, este livro é uma valiosa fonte de pesquisa”. Esta obra foi reimpressa em 1978, pela Baker Book House, com o título Reformed Dogmatics: Set out and illustrated from the sources. Curiosamente, este foi o livro-texto usado por Karl Barth quando ele foi professor honorário de Teologia Reformada em Göttingen, na Alemanha, entre 1921-1925.

56 É interessante mencionar que Christopher Hill, professor na Universidade de Oxford, marxista, em seus impressionantes e eruditos estudos sobre o puritanismo inglês, O eleito de Deus; Oliver Cromwell e a revolução inglesa (São Paulo: Companhia das Letras, 1990) e O mundo de ponta-cabeça; idéias radicais durante a revolução inglesa de 1640 (São Paulo: Companhia das Letras, 1987) não menciona Weber nem uma única vez!

57 Ver Biéler, A força oculta dos protestantes; oportunidade ou ameaça para a sociedade?, 140-141: “Ora, constata-se que, se a ética do trabalho, que domina as sociedades puritanas daquele tempo, é de fato fruto da fé reformada, essa moral já está em parte deformada: emancipou-se das raízes religiosas originais para tornar- se novo ideal profano. E esse ideal tem tendência para erigir-se num absoluto, independente de toda a referência à fé que o gerou. Tornou-se ideologia independente”.

58 Biéler, O pensamento econômico e social de Calvino, 661-662.

59 Ver, por exemplo, Viviane Forrester, O horror econômico (São Paulo: Unesp, 1999), 12-13: “Desse sistema emerge, entretanto, uma pergunta essencial, jamais formulada: ‘É preciso merecer viver para ter esse direito?’ Uma ínfima minoria, já excepcionalmente munida de poderes, de propriedades e de privilégios considerados implícitos, detém de ofício esse direito. Quanto ao resto da humanidade, para merecer viver, deve mostrar-se ‘útil’ à sociedade, pelo menos àquela parte que a administra e a domina: a economia, mais do que nunca confundida com o comércio, ou seja, a economia de mercado. ‘Útil’, aqui, significa quase sempre ‘rentável’, isto é, lucrativo ao lucro. Numa palavra, ‘empregável’ (‘explorável’ seria de mau gosto!)”.

60 Lopes, O Ensino de Calvino Sobre a Responsabilidade Social Da Igreja, 23.


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