A RELAÇÃO DO PROTESTANTISMO COM O CAPITALISMO, SEGUNDO MAX WEBER


Categoria: Sociologia
Imagem: Sociólogo Max Weber - DW Made for Minds
Publicado: 21 de Março de 2020, Sábado, 16h30 - 1 comentário

JHEOVANNE GAMALIEL SILVA DE ABREU*
MANOEL DIONIZIO NETO**

– RESUMO
Neste artigo procuro mostrar a relação existente entre o protestantismo e o capitalismo, tomado como objeto de estudo por Max Weber. Esta pesquisa bibliográfica, baseada principalmente em sua obra mais conhecida A ética protestante e o “espírito” do capitalismo, em que o referido sociólogo alemão percebe que a ética protestante foi um dos fatores (não único) que favoreceu o desenvolvimento do capitalismo. Pois, segundo ele, durante a Idade Média, o catolicismo pregava o desprezo aos bens materiais e a usura. Porém esse pensamento muda com a reforma protestante. Há a valorização do trabalho como também outras doutrinas, a exemplo da predestinação calvinista, afirmando que o bom êxito econômico seria o indício da benção de Deus. O que favoreceu a seus fiéis a buscarem esse sucesso material, para mostrarem que estavam agraciados por Deus. Porém, tal mentalidade enfraqueceu, continuando a busca do sucesso nos negócios.

– INTRODUÇÃO
A obra A ética protestante e o “espírito” do capitalismo talvez seja a mais conhecida, de um dos maiores sociólogos do mundo, Max Weber (1864 – 1920). Essa obra foi publicada nos anos de 1904 e 1905, mas, apesar de tantos anos, continua sendo bastante estudada, como demonstra uma pesquisa realizada pela Folha de S. Paulo em abril de 1999, quando ela foi escolhida entre as obras de não ficção como o “livro do século”, mostrando a importância e a influência deste livro ainda nos dias atuais.

É nesse livro que Weber nos mostra que existe uma relação entre o protestantismo e o capitalismo. Ele questiona: por que as pessoas que tinham a maior parte do capital e as cidades mais ricas e desenvolvidas eram protestantes? Uma das respostas, e não a única, por se tratar de algo bastante complexo, diz que a ética protestante favoreceu o desenvolvimento do capitalismo. Max Weber faz então um estudo profundo das religiões protestantes (principalmente a Calvinista) e também da Católica e as influencias, ou não, destas religiões no capitalismo.

Weber faz todos os seus estudos com “neutralidade”[1], não fazendo críticasà concepção de trabalho dos protestantes como forma de louvar a Deus, e nem à concepção católica das riquezas e das coisas mundanas. Isto possibilita a afirmação, como a de Carlos Benedito Martins (1994, p. 67): “Tinha ele a intenção de examinar as implicações das orientações religiosas na conduta econômica dos homens, procurando avaliar a contribuição da ética protestante, especialmente a calvinista, na promoção do moderno sistema econômico“.

– A VIDA DE UM TEÓRICO POLÍTICO
No dia 21 de abril de 1864, nasceu Max Weber, na cidade de Erfurt, Alemanha. Seu pai era um político bastante influente, que fazia rodas de debates em sua própria casa. Já sua mãe era protestante e bastante conservadora e moralista.

Com 18 anos de idade, entra na Faculdade de Direito de Heidelberg, porém estendendo sua fome de conhecimento nos campos da filosofia, história, economia e teologia, que proporcionará para ele um embasamento teórico que o fará, posteriormente, um dos principais nomes da sociologia.

Dedicou-se à política que, dizia ele, junto com a sociologia, era a paixão de sua vida. E que, ao contrário de Karl Marx, tinha uma visão otimista da política[2], não vendo na economia a esfera dominante da realidade social.[3]

Além de teorizar sobre a política[4], Weber também exerceu tarefas políticas. Mas no auge de sua fama, morre em consequência de uma pneumonia aguda, no dia 14 de junho de 1920, com apenas 56 anos.

– O CAPITALISMO SEGUNDO WEBER
Max Weber estuda a essência do capitalismo e, diferentemente de Karl Marx, não considerava como um sistema injusto, irracional e anárquico, pois, segundo Martins (1994, p. 67), “para ele, as instituições produzidas pelo capitalismo, como a grande empresa, constituíram clara demonstração de uma organização racional que desenvolvia suas atividades dentro de um padrão de precisão e eficiência“.

A desonestidade e a ganância, muitas vezes, são colocadas como consequência ou fruto do capitalismo, só que tais atitudes, e muitas outras, já existiram muito antes de se conjecturar o que chamamos de sistema capitalista atual. Até mesmo durante o feudalismo na Idade Média, em que houve a desvalorização do comércio e do dinheiro e a supervalorização das terras, existiu a desonestidade, a ganância, roubos etc.. Por isso Weber (2001, p. 5) vai dizer:

O impulso para o ganho, a persecução do lucro, do dinheiro, da maior quantidade possível de dinheiro, não tem, em si mesma, nada que ver com o capitalismo. Tal impulso existe e sempre existiu entre os garçons, médicos, cocheiros, artistas, prostitutas, funcionários desonestos, soldados, nobres, cruzados, apostadores, mendigos etc.

O capitalismo está relacionado com o lucro, que é necessário para o desenvolvimento e a continuidade de todas as empresas, pois sem o lucro não tem como uma empresa se desenvolver, diminuindo a capacidade de competir com as outras, levando-a à falência. Weber afirma, pois, o seguinte:

O capitalismo, porém identifica-se com a busca do lucro, do lucro sempre renovado por meio da empresa permanente, capitalista e racional. Pois assim deve ser: numa ordem completamente capitalista da sociedade, uma empresa individual que não tirasse vantagem das oportunidades de obter lucros estaria condenada à extinção.” (WEBER, 2001, p. 5).

O capitalismo desenvolve das formas de produção doméstica artesanal para a forma de produção comercial industrial. Antes, em meados do século XVIII, quando se produzia algum produto, servia para o consumo da família, e aquilo que sobrava se comercializava para comprar outros produtos. Esse modo de vida é chamado, por Weber, tradicional, e ele exemplifica com a produção têxtil:

Até meados do século passado, ao menos em muitos dos ramos da indústria têxtil do continente, a vida de um produtor era o que poderíamos hoje considerar muito confortável. Podemos imaginar sua rotina como algo assim: os camponeses traziam seus tecidos, frequentemente feitos (no caso do linho) total ou parcialmente com matéria prima produzida por eles mesmos, para a cidade onde morava o produtor […] recebiam o preço habitual pela mercadoria […] O número de horas gastas no negócio era muito modesto, talvez cinco ou seis por dia, e por vezes bem menos […] Os ganhos eram moderados; o suficiente para levar uma vida respeitável e, em tempos favoráveis, economizar um pouco. No geral, o relacionamento entre competidores era relativamente bom, com amplo grau de concordância quanto aos fundamentos do negócio.” (WEBER, 2001, p. 27).

Só que esse tradicionalismo começa a mudar quando se tem a iniciativa de aglomerar e selecionar empregados, de aumentar a qualidade dos produtos e baixar os preços, desenvolvendo os lucros e o capital, significando que todos que permanecessem no tradicionalismo de produção doméstica tiveram que diminuir o consumo e alterar o modo de vida que viviam. Weber continua o seu exemplo anterior:

Ora, num certo tempo esta vida prazenteira foi destruída repentinamente e, muitas vezes, sem qualquer mudança essencial na forma de organização como a transição para uma fábrica unificada, a tecelagem mecanizada, etc. Pelo contrário, muitas vezes o que ocorreu não foi mais do que isso: algum jovem de família de produtores vindos para a cidade escolheu com cuidado os tecelões para empregados, aumentou grandemente o rigor da supervisão sobre o trabalho e os transformou de camponeses em operários […] Começou, ao mesmo tempo, a introdução da política de preços baixos e giro grande […] O estado idílico desmoronou sob a pressão de uma amarga e competitiva batalha, criaram fortunas consideráveis que não foram aplicadas a juros, mas sempre reaplicadas no negócio. A antiga atitude prazerosa e confortável para com a vida cedeu lugar a uma rígida frugalidade […].” (WEBER, 2001, p. 28).

– AS RELIGIÕES E O CAPITALISMO
Weber, ao estudar e analisar as religiões, principalmente a protestante, tenta compreender “o fato que os homens de negócios e donos do capital, assim como os trabalhadores mais especializados e o pessoal mais habilitado técnica e comercialmente das modernas empresas é predominantemente protestante” (WEBER, 2001, p. 12). Quais seriam as razões e os motivos para que, principalmente na Alemanha, os protestantes tivessem grande parte do capital? Ou então, por que os lugares desenvolvidos economicamente foram justamente onde houve a reforma protestante? A resposta não é simples, mas está relacionada tanto à influência da ética protestante na conduta econômica das pessoas, como numa questão histórica que veio, desde a Idade Média, com o acúmulo de capital.

Os empresários, que adquiriram uma nova mentalidade em relação à vida econômica, influenciados por princípios religiosos, foram justamente os que impulsionaram o capitalismo. Pois, na ética protestante, a ascensão econômica indica a benção ou a presença de Deus nos negócios ou na vida dos indivíduos. Pois, segundo esta concepção, quando uma empresa ou a vida econômica não era das melhores, indicava a falta da benção ou da presença do divino. Essa nova mentalidade favoreceu o desenvolvimento econômico, e como os protestantes não usufruíam de seus lucros, investiam mais ainda, aumentando consequentemente cada vez mais o seu capital. É o que complementa Martins (1994, p. 67- 68),

Em sua visão [Weber], vários pioneiros do capitalismo pertenciam a diversas seitas puritanas e em função disso levavam uma vida pessoal e familiar bastante rígida. Suas convicções religiosas os levavam a considerar o êxito econômico como sintoma de bom indício da benção de Deus. Como estes indivíduos não usufruíam seus lucros, estes eram avidamente acumulados e reinvestidos em suas atividades.

Com Lutero, houve uma mudança na concepção do trabalho, que antes era visto com maus olhos. Quem trabalhava era somente a plebe, enquanto que a nobreza exuberava regalias e eram sustentados pelos impostos. O luteranismo desenvolve “a concepção de que o trabalho é uma vocação divina, a qual foi dada a cada ser humano como instrumento de determinação de amor ao próximo, no sentido de que, cumprindo a vocação, a pessoa humana serve a seu semelhante” (OLIVEIRA, 2009, p. 174). A burguesia então poderia trabalhar e consequentemente acumular riquezas, sem ser taxada como classe inferior, chegando ao ponto de causar inveja à própria nobreza.

Uma das religiões protestantes que mais influenciou no desenvolvimento capitalista foi a calvinista, quando “nem todas as ramificações protestantes parecem ter tido a mesma poderosa influência nesse sentido. A do Calvinismo, mesmo na Alemanha, parece ter sido das mais fortes, e a fé reformada parece ter promovido o desenvolvimento do espírito do capitalismo […]” (WEBER, 2001, p. 16). E que, na crença calvinista, as pessoas já nasceriam predestinadas ao paraíso ou ao inferno, embora não pudessem saber qual seria seu destino. E como eram altamente moralistas (puritanos) e rígidos, tentavam serem merecedores do paraíso, com a concepção de glorificar a Deus através do trabalho e a ascensão econômica e profissional.

Só que ao passar dos anos a ideia de predestinação e salvação das almas foi perdendo a influencia, mas inconscientemente continuava, através do trabalho e no acúmulo de capital, separadamente da concepção religiosa.

Mas por que o catolicismo e as religiões orientais não influenciaram tanto no capitalismo? O motivo, na ética católica, que pregava a importância da pobreza, reprovando o lucro (que para Weber era essencial para o capitalismo), não desenvolvendo a capacidade de ver no desenvolvimento econômico algo que pudesse glorificar a Deus, como o diz Nildo Viana (2006, p. 41),

Partindo da ideia de que o catolicismo com sua condenação da usura, seu ‘comunitarismo’ (em oposição ao individualismo), entre outras características, opunha-se ao desenvolvimento do capitalismo e da acumulação de capital, ele encontrou no protestantismo uma possibilidade para o desenvolvimento da ação social racional. O protestantismo era movido por valores como os do trabalho, ascetismo, individualismo, etc., que eram fortes incentivos para o desenvolvimento de atividades capitalistas e a acumulação de capital.

Essa mentalidade de pecado no lucro, e principalmente da cobrança de juros, na Idade Média, foi bastante difundida, pois a Igreja Católica não via com bons olhos, considerando como algo que se cobrava indignamente e injustamente aquilo que não era seu. E para aqueles que cobravam juros e comerciavam em vista do lucro, essa ação era tolerada, mas, como a ética desta época os reprovava, eles próprios tinham a sensação de fazerem algo de errado e perigoso para a salvação, e buscavam uma forma de reconciliação, deixando fortunas para as instituições religiosas, ou, em certos casos, eram devolvidas às pessoas de quem, “indignamente”, haviam retirado delas. Daí a afirmação de Weber (2001, p. 31):

Suas vidas profissionais, enquanto estiverem atados às tradições da igreja, eram na melhor das hipóteses, algo eticamente indiferente; era tolerada, mas mesmo assim, por conta do contínuo perigo de conflito com a doutrina da igreja, algo perigoso para a salvação. Somas bem consideráveis, como as fontes nos mostram, ao morrer dos ricos, eram transferidas para as instituições religiosas como dívida de consciência, e por vezes até retornavam como usura aos devedores anteriores, de quem tinha sido cobrado injustamente.

Já, para as religiões orientais, o divino está no mundo e não fora dele, fazendo com que se aproveite o fruto do trabalho em vida, sem necessariamente haver o acúmulo de dinheiro. Carlos Eduardo Sell (2009, p. 26), ao explicar Weber, enfatiza, nesse caso, a Índia. Segundo ele, “A Ásia, e isso significa por sua vez a Índia, é o local típico de empenho intelectual unicamente em busca ‘de visão do mundo’, nesse sentido autêntico do termo de busca de um ‘sentido’ da vida no mundo“.

– CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos neste artigo que existe uma relação da ética protestante com o capitalismo, mas devemos lembrar que o capitalismo não foi resultado somente deste pensamento religioso proveniente da Reforma. Portanto, as pesquisas de Max Weber enfatizaram uma das causas do capitalismo.

A ênfase foi dada por Weber à ética protestante como a principal influenciadora do capitalismo na Alemanha. Porém nós sabemos que ela não pode ser a única causa, existindo muitas outras, desde as razões políticas, tecnológicas ou até mesmo acidentais que desenvolveram o capitalismo em certas regiões, ou certos países.

Há, portanto, a grande contribuição de Weber no empenho de compreender o capitalismo como também o protestantismo, mas vale lembrar que muitas coisas mudaram desde a época em que Weber escreveu os seus estudos (mudanças políticas, econômicas e sociais). Além de surgirem outros pensadores posteriores, que deram sua contribuição, surgindo assim, vários entendimentos nessa temática. Mas, ao mesmo tempo, não se pode ignorar o pensamento weberiano, pelo contrário, de engrandecê-lo pelo seu pioneirismo.

Tudo isso mostra a complexidade desse campo de estudo, como também uma boa e vasta área para futuros estudos, que de certo modo vem ocorrendo desde a época de Weber, que nos ajudarão a melhor compreender a nossa conturbada sociedade atual.

– REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MARTINS, Carlos Benedito. O que é sociologia. 38. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994 (Coleção Primeiros Passos; 54).

OLIVEIRA, Arilson Silva de. Desvendando a religião e as religiões mundiais em Max Weber. Horizonte. Belo Horizonte, V.7, n. 14, p. 136-155. Jun. 2009.

SANT’ANNA, Sílvio L. O livro do século. In: WEBER. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. 4. ed. São Paulo: Martin Claret, 2013.

SELL, Carlos Eduardo. Max Weber e o misticismo oriental. TOMO: revista de Núcleo de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. Universidade Federal de Sergipe. São Cristovão- SE, n. 14. Jan/jun 2009.

VIANA, Nildo. Introdução à Sociologia. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. 2. ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2001.

– NOTAS
Graduando do curso de licenciatura em filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras de CajazeirasFAFIC.

** Professor Associado da área de Filosofia – UACS/CFP/Universidade Federal de Campina Grande.

[1] Weber defendia que era possível a neutralidade para produção cientifica. Porém, Sant’Anna (2013, p. 16) vai dizer: “Ninguém, nem mesmo weber, foi neutro em relação à sua ação consciente ou formulação teórica.

[2] “Marx tinha uma visão negativa da política – isto é, não existe uma teoria geral do Estado marxista -, o Estado deveria ser gradativamente extinto, ao passo que Weber, com uma perspectiva positiva da política, defendia a constituição de uma burocracia permeada por eficiente mecanismo de controle democrático.” (SANT’ANNA, 2013, p. 14)

[3] “Suas inúmeras pesquisas indicavam, até certo ponto, em sua visão, o acerto das relações estabelecidas por Marx entre economia, política e cultura. Mas para ele não possuía fundamento admitir o princípio de que a economia dominasse as demais esferas da realidade social” (MARTINS, 1994, p. 65).

[4] Talvez a obra mais conhecida em relação a essa temática, seja: Ciência e Política: Duas vocações.

 

Fonte: Revista FAFIC - Revista da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras


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